A abolição da escravatura aconteceu há 135 anos. Em 13 de maio de 1888, por meio da Lei Áurea foi ratificada a extinção do trabalho escravo dos negros em nosso país. O Brasil foi o último país das Américas a abolir com a escravidão. Quase um século e meio depois, mesmo com esforços sociais, legislações protetivas, ainda estamos num contexto de degradação da criatura humana, e Goiás está num protagonismo negativo.

A abolição da escravatura foi o resultado de um processo de luta popular, que contou com a adesão de parcelas consideráveis da sociedade brasileira, além de ter sido marcada pela resistência dos escravos.

Histórico

No início do século XIX a negligência das autoridades brasileiras em não reprimir o tráfico negreiro fez a Inglaterra tomar uma medida radical chamada Bill Aberdeen, que colocava em jogo a soberania das águas brasileiras, e que quase levou Inglaterra e Brasil à guerra. Foi neste contexto que surgiu a famosa expressão: “Pra inglês ver”.

Essa famosa expressão tem como significado fingir que fez algo ou fazer mal feito. A Inglaterra, por interesses econômicos, tentou abolir a escravidão no mundo.

Em sua lista, estava o Brasil, que tinha nos escravos a base de sua economia. Para enganar os ingleses, o Brasil colocava navios no litoral com a suposta missão de ir atrás das naus negreiras. Entretanto, na prática, nada acontecia a elas. Era uma encenação “para inglês ver”.

Atualidade

Nos dias atuais não podemos cair no erro de fazer as coisas apenas “para inglês ver”, ou seja, para dizer que estamos cumprindo legislações, que de fato trouxeram avanços, mas que ainda não foram suficientes para acabar com o trabalho escravo no Brasil.

Em 2023, ocorreram resgates em 17 das 27 unidades federativas. Dos casos registrados, 87,3% envolvem trabalho rural. Em Goiás, 372 pessoas foram encontradas em situação análoga à escravidão desde o início de janeiro.

Todas as pessoas foram encontradas em estabelecimentos agrários. Goiás é o estado com o maior número de ocorrências. Em seguida, aparece o Rio Grande do Sul, com 296 casos.

Esse número foi impulsionado pela inspeção nas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, em Bento Gonçalves (RS), onde 207 trabalhadores viviam em condições degradantes.

Em março, semanas após a fiscalização, foi assinado um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) no qual as três se comprometeram a pagar R$ 7 milhões em indenizações.

A maior ação de resgate aconteceu no Goiás, após 10 dias de operação, no mês de fevereiro. Mais de 150 trabalhadores foram resgatados por trabalho análogo à escravidão em duas cidades da região sudoeste do estado, Acreúna e Quirinópolis.

Legislações

Na legislação brasileira, o artigo 149 do Código Penal prevê os elementos que caracterizam a redução de um ser humano à condição análoga à de escravo.

São eles: a submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador.

O CP prevê pena de 2 a 8 anos de prisão, podendo ser aumentada quando o crime for cometido contra crianças ou adolescentes.

Dignidade da Pessoa Humana e Valor Social do Trabalho

O princípio da dignidade humana é a noção de que o ser humano é um fim em si mesmo, não podendo ser utilizado como meio para atingir determinado objetivo.

É um princípio geral do Direito, da Constituição Federal de 1988 e também é aplicado no Direito do Trabalho. Isso quer dizer que por meio deste princípio é proibida a coisificação do homem, do trabalhador.

O ser humano deve ser visto como parceiro do processo produtivo e não pode ser admitida uma visão de trabalho banalizada ou desprezada.

Nenhum pretexto de ordem econômica deve sobrepor-se aos preceitos jurídicos atinentes aos direitos sociais, pois estes se caracterizam como essenciais para a valorização do trabalho, a consequente promoção do bem comum e a elevação da própria condição humana.

Assim como a Dignidade da Pessoa Humana, o Valor Social do Trabalho também é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e está expresso ao lado da Livre Iniciativa no inciso III, do Artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

É o trabalho, afinal, ferramenta essencial para garantir, em perspectiva menos ampla, a subsistência das pessoas e, em perspectiva mais abrangente, o desenvolvimento e crescimento econômico do país.

A elevação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa a essa condição reforça que o nosso Estado é capitalista, e, simultaneamente, demonstra que o trabalho tem um valor social.

Mostra-se tão relevante a importância dos princípios nas relações trabalhistas que a sua desconsideração gera uma verdadeira afronta à finalidade do próprio Direito e até mesmo ao Estado Democrático de Direito.

Instrumentos de combate ao trabalho análogo à escravidão há. O que falta é que nenhuma pessoa fique em condições indignas e degradantes.

Samuel Straioto, é jornalista do Sistema Sagres e estudante do 4º período do curso de Direito do Centro Universitário Sul-Americano (Unifasam).