A cobertura de uma Copa do Mundo às vezes te leva do céu ao inferno – e de volta ao céu, e ao inferno outra vez – no mesmo dia.

A terça-feira, 19 de junho, foi mais ou menos assim. 

O dia começou com uma viagem de 45 minutos até a bonita região de Pavlovsk, ao sul de São Petersburgo, onde haveria o treino da seleção da Costa Rica, próxima rival do Brasil. 

Cobrir treinos em Copa do Mundo é uma rotina que dificilmente sai da mesmice: 15 minutos abertos à imprensa, entrevistas protocolares, etc. 

Mas aquele treino seria diferente: o presidente da confederação e o capitão costarriquenho, Bryan Ruiz, convocaram uma entrevista para desmentir boatos (que circularam em forma de uma longa mensagem em grupos de Whatsapp) sobre a falta de união do grupo de jogadores e a falta de apoio ao técnico Oscar Ramírez.

Uma entrevista coletiva para desmentir uma “fake news” de Whatsapp. Tempos modernos. Na primeira Copa que cobri in loco, na África do Sul, mal existia o Iphone 1…

Com todo o bizarro da cena, a notícia era boa desde um ponto de vista – o que mais me interessa, na verdade: como a Sagres 730 era a única rádio presente no treino, nosso ouvinte foi o primeiro no Brasil a saber da crise no próximo adversário da seleção. 

De volta a São Petersburgo, era hora de ir ao estádio para acompanhar Rússia x Egito. Não sem antes parar para almoçar ao lado da incrível (e caríssima e superfaturada) arena da cidade. E aí veio a segunda sorte do dia: como estava com Diego Garcia e Camila Mattoso, ex-companheiros de ESPN e hoje ambos na Folha de S.Paulo, acabamos ganhando um quarto integrante em nossa mesa, também credenciado pelos jornal paulista. Ninguém menos que Juca Kfouri.

Estar em uma mesa com alguém como Juca – o mesmo serve para José Trajano – é ter uma aula de jornalismo e de vida. É aprender em horas o que talvez nem muitos anos pudessem ensinar. Foram caras como ele que me inspiraram e trouxeram até aqui. 

No longo caminho até o estádio, mais bate-bapo com Juca, e meu dia de sorte começou a virar: chuva e vento (muito vento!) em São Petersburgo. Era só o começo.

Mais tarde, já posicionado no estádio e com todas as informações preparadas para o jogo, uma mudança de última hora, e tive de voltar à sala de imprensa. 

Mais vento, muito vento – vento como nunca tinha visto na vida. 

Cheguei à sala de imprensa, estreei como repórter de meta, demorei quase todo o primeiro tempo para entender melhor como funcionava a nova função. Mas, ao contrário do Egito diante do incrível ataque russo, consegui sobreviver. 

Para encerrar o dia, uma hora e meia na zona mista esperando por Mohammed Salah, que passou sem falar com ninguém – nem com a imprensa do Egito. Em meio à espera, bons papos com Mario Fernandes, o brasileiro-russo, e Denis Cheryshev, um dos artilheiros da Copa até agora.

Quando desliguei o microfone, por volta de 1h30 da manhã, a adrenalina de um dia que havia começado às 8h baixou. E só então fui perceber algo que é o maior pesadelo de quem trabalha no rádio: minha voz estava desaparecendo.

Nos próximos dias, a luta diária será para preservá-la e não comprometer o trabalho. Perder a voz talvez tenha sido o preço a pagar por um dia com tantas coisas, destes que se vive uma vez na vida; em Copa do Mundo, não se pode ganhar todas as batalhas do dia. 

Mario Fernandes, brasileiro naturalizado russo (Foto: Getty Images/FIFA)