JULIA CHAIB / BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Governadores de diversos estados querem construir uma saída pelo Legislativo para garantir que o governo federal tenha de comprar vacinas produzidas por laboratórios públicos brasileiros ou mesmo estrangeiros que forem validadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Gestores vão tentar um entendimento com auxiliares do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mais uma vez.

Se não houver acordo, a ideia é, depois das eleições municipais, propor emendas a duas medidas provisórias que estão em tramitação no Congresso para que o Executivo inclua no programa nacional de imunização as vacinas que tenham eficácia comprovada e validação no Brasil.

Assim, avaliam governadores, Bolsonaro ficaria impossibilitado de recusar a compra de doses do imunizante Coronavac, em desenvolvimento por meio de parceria do Instituto Butantan, de São Paulo, com a empresa chinesa Sinovac, caso ele venha a ser aprovado antes de outros.

Seis estados têm tomado à frente do assunto, mas pelo 15 já concordaram em procurar uma solução no Legislativo, de acordo com governadores ouvidos pela Folha.

Como mostrou o jornal Folha de S. Paulo, o governador do Piauí Wellington Dias (PT), que coordena os governadores no tema da vacinação contra a Covid-19, enviou carta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), na terça-feira (27) solicitando reunião para tratar do tema, considerado por ele como prioridade.

Na ocasião, segundo governadores, será debatida a construção de uma saída. Na próxima terça-feira (3), gestores têm reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

À Folha Dias afirmou que ainda buscará mais uma rodada de conversas com o governo federal para resolver o imbróglio.

“Queremos dialogar com o ministro da Saúde [Eduardo Pazuello]. Houve um entendimento que gerou o plano nacional de estratégia de imunização, em que se acertou a compra pelo SUS da primeira vacina que for autorizada no Brasil”, disse.

“Paralelo a isso, nós trabalhamos com a perspectiva do Congresso Nacional, que tem a ver com a definição não apenas da parte financeira, mas também pelo poder de legislar sobre a estratégia brasileira do programa nacional de imunização”, afirmou Dias.

Os governadores já pediram reunião com Pazuello, como mostrou o jornal Folha de S. Paulo. A expectativa é que o encontro com o ministro possa ocorrer também na próxima terça.

Dias avaliou que inicialmente o ideal é garantir a prioridade para as vacinas que sejam desenvolvidas por laboratórios públicos brasileiros. No entanto, caso outro imunizante fique pronto antes, ele também deve ser adquirido.

Para o governador do Piauí, o importante é que o governo federal realize as compras, já que muitos estados não têm recursos para adquirir as doses necessárias. Ele defende também que o ministério coordene a estratégia de aplicação.

Cada imunizante pode ter um público alvo específico, o que poderia tornar necessário a disponibilização de mais de uma opção, afirmou Dias.

Dias pediu uma conversa a Jarbas Barbosa, vice-diretor da Opas, braço da OMS (Organização Mundial de Saúde) na América Latina.

O objetivo é conversar sobre a possibilidade de o Brasil ter nova onda da doença, ter informações sobre a perspectiva de conclusão das vacinas e as recomendações que a organização fará sobre os imunizantes.

Para o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), deve-se solucionar o impasse com o governo federal. Isso inclui buscar a articulação inclusive de atores do Congresso.

“A ideia é que o acordo do governo permita que estejam disponíveis para a população todas as vacinas seguras aprovadas pela Anvisa”, disse.

Outros governadores não nutrem nenhuma esperança na tentativa de acordo com o Executivo.

“Quem vai garantir a vacina será o Congresso. Foi assim com o auxílio emergencial de R$ 600 e o apoio aos estados. O papel de Bolsonaro é só tentar atrapalhar”, afirmou Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão.

“O programa nacional de imunização tem de chegar a todas as pessoas, venha de onde vier a vacina, desde que haja comprovação científica de segurança e eficácia”, disse.

A ideia de propor emendas a medidas provisórias foi tratado informalmente com Maia, que demonstrou disposição em levar adiante a ideia. Outros deputados também apoiam a proposta.

“O que a gente precisa, e a ideia é boa, é construir uma redação dentro de uma MP que possa manter os acordos da Covax Facility e da Fiocruz, e possa garantir à população brasileira acesso a vacina, qualquer que seja que tenha sido validada pela agência do país de origem e do Brasil, para imunizar a população”, disse o deputado Luizinho (PP-RJ), presidente da comissão externa do coronavírus da Câmara.

O congressista ponderou, no entanto, que não é o momento certo para se debater essa questão. Para ele, essa discussão só deveria ser feita quando todas as vacinas concluírem a fase 3 de testes, quando se garante a eficácia do produto.

Uma das medidas provisórias em trâmite no Congresso prevê um credito orcamentario extraordinario de R$ 1,9 bilhão para viabilizar 100 milhões doses da vacina de Oxford contra a Covid-19 no Brasil.

A maior parte da verba, R$ 1,3 bilhão, é para pagamentos à farmacêutica AstraZeneca, a serem previstos no contrato de encomenda tecnológica.

Outros R$ 522,1 milhões serão para despesas necessárias ao processamento final da vacina por Bio-Manguinhos/Fiocruz e mais R$ 95,6 milhões destinados a investimentos para absorção da tecnologia de produção pela Fiocruz.

Além desta, o governo federal publicou outro texto em que liberou R$ 2,5 bilhões para que o Brasil ingresse na Covax Facility, aliança internacional por vacinas contra a Covid-19.

Bolsonaro editou duas medidas provisórias. A primeira trata do ingresso na aliança, enquanto a segunda libera os recursos.

A discussão sobre a compra de vacinas voltou a ganhar força na semana passada depois de Pazuello anunciar acordo para aquisição das vacina produzidas pela Sinovac em convênio com o Butantan.

No dia seguinte, Bolsonaro descartou a compra pelo governo federal. A Coronavac está na terceira e última fase de testagem, quando se verifica sua segurança e eficácia.

É a mesma fase em que se encontra a vacina escolhida pelo governo federal para produzir no país por meio da Fiocruz, a da AstraZeneca com a Universidade de Oxford.

Apesar de Bolsonaro dizer que “não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que [nem] sequer ultrapassou sua fase de testagem”, o Ministério da Saúde já tem um acordo para obter, após a conclusão dos testes, 100 milhões de doses da vacina de Oxford.

Os primeiros 6 milhões de doses da vacina da Sinovac virão da China, mas o restante, segundo o convênio, deve ser produzido pelo Butantan.