Desde 2019, as barragens a montante — consideradas de alto risco — estão proibidas por lei no Brasil. Com isso, mineradoras passaram a adotar o empilhamento de rejeitos a seco como alternativa. No entanto, ao contrário das barragens, essas estruturas não têm regras federais específicas nem protocolo de fiscalização, o que, segundo especialistas, representa um risco crescente.
De acordo com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG), essa mudança resultou no aumento significativo do uso de pilhas para o descarte de resíduos minerais. A mineradora Vale, por exemplo, armazena hoje 70% dos rejeitos em pilhas, contra 40% em 2014.
Já a Samarco empilha a seco cerca de 80% de seus rejeitos desde 2020. As pilhas de rejeito são formadas por materiais sólidos sem valor econômico, resultantes da extração e beneficiamento do minério. Diferentemente das barragens, que armazenam os resíduos com água (formando uma lama espessa), o empilhamento a seco gera grandes montanhas de resíduos, que podem alcançar mais de 200 metros de altura.
Além delas, há ainda as pilhas de estéril, compostas por areia e rochas retiradas durante o acesso ao minério. O deslizamento em Conceição do Pará, causado pela pilha da mineradora Jaguar Mining, afetou sete casas e forçou a remoção de 250 moradores. Quatro meses depois, ninguém pôde retornar.
Segundo informações enviadas pela própria empresa à Agência Nacional de Mineração (ANM), o desabamento movimentou 640 milhões de litros de material. Com 80 metros de altura e área de 16 hectares, a estrutura equivale ao dobro da altura do Cristo Redentor (35 m) e quase ao tamanho do estádio do Maracanã (18 hectares).
A ANM informou que a pilha vinha sendo licenciada desde 2012 e que realizou nove vistorias desde 2009 — a última, em 2021. A Agência Nacional de Mineração não possui um cronograma específico para vistoriar pilhas de rejeitos. Em 2024, foram inspecionadas 180 barragens, mas não há dados públicos sobre inspeções de pilhas, que são verificadas apenas “em ações rotineiras”.
Além disso, não existe um banco de dados oficial com as dimensões, riscos estruturais ou licenças dessas estruturas — ao contrário do que acontece com as barragens, regulamentadas pela Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei 12.334/2010). “Hoje, a probabilidade de rompimento de uma pilha pode ser maior que a de uma barragem, que já segue critérios mais rigorosos”, afirma o engenheiro Júlio Grillo, ex-superintendente do Ibama em Minas Gerais, ao g1.
Mineradoras dizem seguir padrões internacionais, mas normas não têm força de lei
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa o setor, afirma que as mineradoras seguem o Padrão Global para Gestão de Rejeitos, e que há normas técnicas desde a década de 1990 sobre pilhas de estéril e rejeitos. Contudo, essas normas são recomendações do próprio setor e não têm força de lei.
Segundo o engenheiro Júlio Nery, diretor do Ibram, as pilhas devem incluir planos de monitoramento, estudos de risco e ações emergenciais, mas isso não é exigido por nenhuma legislação federal. Segundo a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG), ao menos quatro deslizamentos de pilhas de rejeito ou estéril ocorreram desde 2018.
O mais grave foi em Conceição do Pará. Os outros aconteceram:
- 2018 e 2023, em Godofredo Viana (MA) – Pilha de estéril da mineradora Aurizona deslizou duas vezes, interditando estradas e isolando comunidades.
- 2022, em Santa Bárbara (MG) – Uma erosão na pilha da mineradora AngloGold Ashanti gerou pânico entre moradores após fortes chuvas.
Um projeto de lei apresentado por Salabert para regulamentar as pilhas de rejeitos está parado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara desde novembro de 2024. Especialistas alertam que as pilhas não estão preparadas para lidar com os novos padrões de chuvas causados pelas mudanças climáticas.
“As drenagens são projetadas com base em dados de 40 anos atrás”, diz o engenheiro Euler Cruz, presidente do Fórum Permanente São Francisco. “Essas pilhas não vão causar desastres tão grandes quanto as barragens, mas vão ceder muito mais rápido diante das chuvas intensas”, completa Grillo.
Para reduzir os riscos de novos acidentes, especialistas propõem três medidas urgentes:
- Fim das autodeclarações no processo de licenciamento;
- Adequação dos projetos aos eventos climáticos extremos, com sistemas modernos de drenagem;
- Aplicação do princípio da precaução, exigindo comprovação de segurança a longo prazo por parte das mineradoras.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima.
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