Ouvimos, vemos e lemos a todo instante que precisamos preservar as matas, os bichos e a natureza em geral, mas você já parou para pensar que podemos aprender com eles? É possível trazer técnicas do reino animal pra solucionar problemas da nossa sociedade. Este é o caso de um hotel construído na Bahia, mas para entender melhor vamos começar pelo início.

De um lado, temos o cão-da-pradaria, um roedor, que ganhou esse nome devido a uma de suas vocalizações que lembra o latido de um cachorro. Por outro lado, temos um escritório de arquitetura interessado em inovar, preocupado com a responsabilidade social e ambiental. Mas como a vida desse bicho se cruzou com a dos arquitetos?

Cão-da-pradaria

Luciana Batalha, médica veterinária docente da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG

Para entender como funciona essa colaboração entre natureza e a vida humana, vamos começar com informações sobre o nosso protagonista, o cão-da-pradaria. A médica veterinária docente da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Luciana Batalha, explica que o animal não é tão conhecido no Brasil por se tratar de um bicho típico de outros países.

“Ele não é um animal da América do Sul. O cão-da-pradaria vive principalmente na Costa Oeste dos Estados Unidos, no Norte do México, é um pouquinho do Sudoeste do Canadá. É um animal muito específico dessas regiões e é primo da marmota, que é mais conhecida por aqui”, explica.

Outra curiosidade desse roedor é que por ser considerado praga nas plantações do exterior, os agricultores querem controlar a população. No entanto, ele também vive como animal de estimação em alguns lugares, como nos Estados Unidos.

“Por isso, em alguns estados, o governo norte-americano permite que os filhotes sejam retirados da natureza. Esses animais podem ser vendidos como animais de estimação ou, eventualmente, esses filhotes são submetidos a eutanásia, sendo encaminhados para servir como fonte de alimento para programas que trabalham com preservação de espécies ameaçadas de extinção”, pontua Luciana.

A veterinária destaca também quais são as principais características do cão da pradaria. “É um roedor primo do esquilo, mas diferente dele, o cão-da-pradaria não vive em árvores e, sim, no subsolo. O animal vive de 8 a 10 anos em média e em colônias que chegam a ter milhões de indivíduos”, ressalta a professora.

Outro fator interessante é a forma que esses animais vivem em colônias gigantescas, mas os indivíduos se dividem em pequenos grupos.

“É como se as colônias fossem grandes conjuntos residenciais, escavados por quilômetros de distâncias. Essas colônias têm centenas de entradas e saídas, e podem ter túneis que chegam a 10 metros de profundidade. Os cães-da-pradaria são animais que possuem uma incrível capacidade de comunicação e de escavação”, sublinhou Luciana Batalha.

A médica veterinária afirma ainda que um dos fatores importantes dos estudos que envolvem o cão-da-pradaria e o que levou o animal a inspirar seres humanos foi o conforto térmico dentro da toca onde ele mora.

“O animal consegue ficar muito bem por causa da profundidade da toca e do sistema de ventilação. O cão-da-pradaria tem um conforto térmico dentro da toca que é feito, não só pela profundidade, mas pela ventilação dessas diversas saídas e da própria presença dos indivíduos da colônia que provoca uma troca de calor’’, reforça.

Segunda a veterinária, o fluxo dos animais faz com que esse calor circule, isso, somado à profundidade, gera um resfriamento, mas com temperatura confortável.

Biomimética

A partir da funcionalidade e da eficácia da toca do cão-da-pradaria que entra a biomimética, a área que estuda os princípios criativos e estratégias da natureza, com objetivo de criar soluções para os problemas atuais da humanidade, unindo funcionalidade, estética e sustentabilidade.

A designer de Inovação com Biomimética, Alessandra Araújo, explica que essa ciência tem por essência olhar o que a natureza faz e o que o designer inovador precisa fazer. “É através desse fazer da natureza que nós conseguimos pegar o gancho para trazer inovação para o ser humano”, diz.

A biomimética na arquitetura age da mesma forma em que outras áreas, com prioridade de ações que devem ser realizadas para solucionar um problema de maneira sustentável.

Um exemplo disso é um hotel, localizado na Bahia, que é um local quente e úmido. A grande questão do local era como oferecer conforto térmico para os hóspedes sem uma alta demanda de energia.

Este princípio é observado na natureza em vários organismos e a inspiração, neste projeto, veio do cão-da-pradaria, que faz suas tocas enterradas no solo com entradas e saídas de ar, com altura e diâmetro distintos que permite que o vento e a brisa sempre possam entrar e ventilar a toca.

“Nosso eixo de solução era a regulação térmica. Isso pode acontecer de diversas formas. O local pode ser extremamente frio e seco, e a biomimética na arquitetura busca encontrar soluções eficazes e sustentáveis para essas questões”, ressalta.

Inovação e responsabilidade ambiental

O arquiteto e gestor da GCP Arquitetura & Urbanismo, Sergio Coelho, conta porquê fazer um hotel pensado em biomédica. Segundo ele, o local faz parte de uma série de projetos para fazer as pessoas pensarem “fora da caixa” e trazer inovação.

Sergio Coelho, arquiteto e gestor da GCP Arquitetura & Urbanismo

“A gente sempre deu muito valor nas questões relacionadas à responsabilidade social e ambiental. Temos como pilar a inovação aliada à sustentabilidade. Em um certo momento começamos a juntar as coisas e decidimos fazer questionamentos. Como um projeto impacta na natureza e nos usuários? E como o conforto ambiental deve ser gerido?”, indaga.

O arquiteto explica que pelo fato de a empresa priorizar inovação e responsabilidade social e ambiental a tendência era realizar pesquisas e trazer soluções sustentáveis. “Passamos a pesquisar muitos sistemas construtivos para garantir que uma construção tenha a melhor ventilação, o melhor isolamento térmico e a maior economia de energia possível”, explica o arquiteto.

Sérgio esclarece ainda que a vida dele e do cão-da-pradaria se encontraram a partir do momento que a equipe de arquitetos elegeu alguns temas que são vitais em um projeto. “Nesse caso específico, temos desafios importantes com relação às questões do próprio meio ambiente, do paisagismo e de como inserir, com o menor impacto possível, um hotel naquela paisagem”, pontua.

Para solucionar o problema de alta demanda de energia e com a ventilação dos quartos, a equipe resolveu pesquisar através da biomimética o que a natureza já faz para resolver esse problema de umidade, ventilação e controle de calor dentro de um ambiente. Foi aí que encontraram o cão-da-pradaria.

“Finalmente, entre várias possibilidades que foram pesquisadas, havia o cão-da-pradaria, que tem uma engenharia natural em sua toca, além de uma inteligência ancestral incrível, que é da ventilação da toca. Pegamos essa ideia e usamos na construção dos chalés”.

À reportagem, Sérgio explica ainda quais as técnicas utilizadas pelos animais que puderam ser inseridas na vida humana, neste caso. “É uma questão de pressão do ar entrando e saindo de dentro da toca. Isso faz com que o ar sempre circule independente da temperatura, independente da questão externa. E foi exatamente isso que a gente usou para construir cada unidade do chalé. O cão-da-pradaria é um engenheiro de mão cheia e já faz isso naturalmente”.

Confira reportagem:

Na próxima semana, você saberá como este assunto se conecta com a Comunicação.

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