O que você leva em consideração ao escolher a sua próxima leitura? Para muitos, os produtos culturais — como cinema, televisão e claro, a Literatura — servem mais como um escape da realidade, uma rota de fuga para o cesto preenchido por problemas. Dessa forma, acessar histórias para, assim, acessar também um desvio da sua própria, que se desenrola sem pedir licença em nosso cotidiano.

Por falar em história, gosto muito de ler sobre a relação entre literatura e a História com “h” maiúsculo. Por isso, dias atrás, me vi lendo sobre um campo de pesquisa dos Estudos Literários, o de “Literatura e Sociedade”, que investiga essencialmente as conexões entre a literatura e o contexto histórico e social. 

Para facilitar a compreensão do que seria essa ideia na prática, basta pensarmos em como ler a obra de Machado de Assis, por exemplo, é compreender boa parte da sociedade carioca de sua época.

Do mesmo modo, “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus, é um dos principais registros da dureza do cotidiano de tantas mulheres negras, pobres e periféricas da São Paulo dos anos 50 e 60. A realidade chama, os livros a escancaram.

Novas gerações

Vivemos em um mundo onde cerca de 1 bilhão de pessoas convivem com algum tipo de transtorno mental. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 17% desse número corresponde a adolescentes. Os dados são de 2023.  

Essa é a nossa realidade. Claro, transtornos mentais não são “coisas de hoje em dia”, como alguns ainda insistem em acreditar. Porém, toda a dinâmica atual — e suas relações trabalhistas, econômicas e culturais — tornam esse contexto em um molde quase “perfeito” , um terreno fértil, tanto para a origem, quanto para o agravamento de problemas emocionais.

“A forma como as pessoas se comunicam hoje em dia, conseguimos falar mais abertamente sobre algumas coisas. Apesar de ainda existirem tabus e preconceitos, evoluímos bastante em relação ao que era há uma década atrás”, diz Samara Buchweitz, criadora da Mood, editora literária com grande número de publicações voltadas ao público jovem.

Se palavras como “automutilação” e “ansiedade social” aparecem com naturalidade entre conversas de intervalo entre amigas, autores captam a necessidade de trazer personagens que sejam capazes de se conectarem com esses problemas.

Nesse sentido, a tarefa não é fácil, exige tato, pesquisa e o cuidado para não universalizar experiências que não acontecem sempre da mesma forma. Para Buchweitz, que trabalha justamente com o recebimento de materiais enviados por diferentes autores, as palavras-chaves são identificação e vulnerabilidade.

“O público jovem está buscando personagens mais vulneráveis e com mais espaço para identificação”, ela explica. Como leitora, gosto de reparar no modo de construção dos personagens e seu desenvolvimento ao longo de uma narrativa.

Sempre digo que tenho dificuldade de continuar presa a uma história quando simplesmente não me conecto com a protagonista. Essa conexão nem sempre vem por meio de semelhanças, muitos dos meus personagens favoritos em nada se parecem comigo. Quando se trata de leituras que abordam algum transtorno emocional, percebo que um sentimento é evocado de forma mais rápida: a empatia.

Young Adult 

O termo da Língua Inglesa, resumido por alguns como YA, se refere à parcela de livros que se destina a jovens adultos, em geral entre 18 e 30 anos. Não se trata de limitar o público que pode ter acesso ou mesmo gostar desses livros, mas indicar que grande parte das questões e desafios vivenciados pelos personagens dessas histórias são típicos dessa fase da vida.

“Creio que as publicações antigamente eram mais veladas. Os temas eram tratados de uma forma mais metafórica. Hoje, as questões estão mais explícitas. O que é bom. A arte é um respiro, um abraço para o que eles (os leitores) estão passando”,  conclui a editora da Mood. 

No entanto, embora seja positiva a abertura encontrada no mercado editorial, é importante ressaltar os desafios em abordar temáticas sensíveis com a devida responsabilidade. 

“Não se pode apropriar de um lugar de fala que não é o seu. Ser o mais empático e profissional possível. Sempre buscar respaldo de pessoas e profissionais que entendem do assunto. Publicar esse livro de uma forma cautelosa”, adverte.

Blu, como a cor azul

Beatrice desiste de seu nome. Passa a atender apenas como Blu, em ressonância com o tom azulado de seus cabelos. Blu não é de muitos amigos. Sobretudo, não é uma amiga de si mesma. Convive com distúrbios, medos e depois, com o “peso” do diagnóstico de um transtorno mental.

Esse é o plano de fundo da história de “Blu, como a cor azul”, um dos mais recentes lançamentos da editora Mood. Além de abordar problemas relacionados à autoimagem, a história escrita por Marie-France Leger também destaca os efeitos de relacionamentos tóxicos na construção de hábitos, comportamentos e autoestima.

“A personagem procura ajuda, vai atrás de terapia para melhorar e tentar ser a melhor versão dela mesma. Esse livro é um exemplo desse movimento”, conclui a editora. 

Depois de ler o livro, percebi que nunca havia lido uma história onde “Transtorno de personalidade limítrofe” aparecia ao lado do nome da personagem principal. Ao mesmo tempo, são inúmeros os vídeos sobre o mesmo tema que vez ou outra aparecem na linha do tempo das minhas redes sociais. 

Muitas vezes, esses vídeos são rápidos, generalizantes e com pouco tempo para informar sobre temas tão complexos. Não acredito que os livros, em especial os de ficção, precisam se propor a esgotar essas temáticas. Importante lembrar que “no mundo real”, profissionais investem anos para chegarem a abordagens mais sensíveis e completas.

No entanto, essas histórias podem ser o pontapé que muitos precisam para sair do “limbo do desconhecimento”, ou até do desinteresse em procurar saber sobre o que não necessariamente lhes atinge de modo direto. 

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