Universidades particulares que acumulam patrimônios incalculáveis com o valor cobrado das mensalidades, mas que gozam de imunidade tributária. Esse é o cenário que predomina não só em Goiânia, mas em todo país. Para serem agraciadas com a isenção, basta que as instituições privadas de ensino tenham no seu escopo associações mantenedoras responsáveis pela sua administração e preencham requisitos previstos na Constituição Federal.

Porém, a atividade de algumas instituições de ensino levantam dúvidas e são alvos de denúncias anônimas e questionamentos de vereadores na Câmara de Goiânia. Na semana passada, o vereador Djalma Araújo (PT) apresentou requerimento em plenário para obter informações sobre os impostos que são pagos pela Universidade Salgado de Oliveira, a Universo. Ele recebeu uma denúncia anônima que a instituição não repassa o ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) para o município. Além disso, o vereador Antônio Uchôa (PSL) defendeu a possibilidade da Câmara de investigar o caso. No entanto, o requerimento de Djalma recebeu vistas da líder do prefeito Paulo Garcia (PT), Célia Valadão (PMDB). Há informações que a instituição deve R$ 70 mil de ISS e R$ 500 mil de IPTU.

A Rádio 730 também recebeu a mesma denúncia de que a Universo não repassa o ISS à prefeitura. Ao apurar com mais detalhes o caso, verificou que não só ela como outras instituições de ensino privado possuem associações mantenedoras para terem amparo legal e poder gozar de imunidade tributária. A Universo, por exemplo, com sede no Estado do Rio de Janeiro, é mantida pela Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura, a ASOEC.

Além da Universo, outra instituição privada de ensino reconhecida em todo país é a Pontifícia Universidade Católica (PUC). Em Goiás, a PUC é mantida pela Sociedade Goiana de Cultura (SGC), que se caracteriza como entidade de natureza católica, comunitária, filantrópica e de assistência social. Ao longo de sua história, a instituição vem cumprindo uma série de ações de responsabilidade social, oferecendo, por exemplo, bolsas para que os estudantes possam custear seus estudos de nível superior.

Mas o que pensar a princípio de outras instituições de ensino privadas no Estado que acumulam patrimônios incalculáveis para o deleite de seus fundadores e recebem as benesses do poder público? Desde que elas cumpram integralmente uma série de requisitos da Constituição Federal e do Código Tributário do município, não há problema algum na concessão da imunidade tributária.

A Secretaria Municipal de Finanças não quis informar e nem confirmar outras instituições particulares que gozam do benefício. Alegam que esse tipo de informação trata-se de sigilo fiscal. Porém, a Rádio 730 pesquisou que a Faculdade Alves Faria, a ALFA e a Universidade Paulista, a UNIP, também são mantidas por associações. A primeira possui como mantenedora o Centro Educacional Alves Faria, o CENAF. A segunda, com sede no Estado de São Paulo, é mantida pela Associação Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo (Assupero), uma sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos. Portanto, nada impede que as duas também sejam agraciadas pela isenção tributária.

O caminho até o benefício
Para conseguir o benefício, as instituições privadas de ensino precisam atender aos dispositivos do artigo 150 da Constituição Federal que veda à União, aos Estados e aos municípios instituir impostos sobre as instituições de educação sem fins lucrativos e cumprir os requisitos do Código Tributário do município.

As instituições privadas de ensino não podem remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; precisa aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais; manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros; conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos contados da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação das despesas; apresentar anualmente, Declaração de Rendimentos da Pessoa Jurídica e da Pessoa Física dos dirigentes; recolher os tributos retidos sobre serviços prestados por terceiros e assegurar, por ato constitutivo, a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda as condições de gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades.

Escalada pelo secretário municipal de Finanças, Reinaldo Barreto para explicar como é dada essa imunidade tributária, a chefe de gabinete do órgão e auditora de tributos, Eliane Suzy Bomtempo Laperche, diz que no momento que a entidade de educação requere o certificado de imunidade tributária, um processo é aberto  e é enviado para a Fiscalização Tributária. Um auditor de tributos é incumbido de fiscalizar toda a contabilidade da entidade e verificar se ela preenche todos os requisitos da lei.

“O auditor não dá parecer nem favorável e nem contrário. Ele simplesmente diz se a entidade preencher os sete requisitos”, diz Eliane. Em seguida, o processo é enviado para análise dos assessores jurídicos e pelo responsável da Diretoria de Contencioso, que dá seu parecer favorável ou não. A última fase cai nas mãos do secretário de finanças, que analisa o documento e decide pela concessão ou não da imunidade tributária à instituição.

Fiscalização que deixa a desejar
Como não podia deixar de ser, a fiscalização do poder público ainda é frágil e deixa aberta a possibilidade que muitas instituições de ensino podem estar desviando de suas finalidades para lucrar indevidamente sobre o imposto não recolhido. Eliane explica que o órgão não tem que mandar todos os anos um fiscal até a entidade de ensino para ver se ela vem cumprindo os requisitos da lei.

Para começar, a diferença entre o contingente de empresas e entidades existentes em Goiânia e o número de auditores de tributos responsáveis por fazer a “devassa” em cada uma delas impede que a fiscalização seja mais rigorosa e frequente. Por isso que a Diretoria de Receitas Diversas, que trata do ISSQN, programa uma escala de fiscalizações durante o ano. “Ela faz uma escala para ver qual tipo de segmento vai ser fiscalizado naquele ano. Nenhuma esfera de poder tem condição de ir a todas às empresas todos os anos. É impossível”, justifica a chefe de gabinete.

Hoje a prefeitura conta com 48 auditores tributários que são escalados para a tarefa e, uma vez ou outra, muda a programação para fiscalizar uma entidade alvo de denúncia. “Sempre que há uma denúncia, aí entra como prioridade. Às vezes o Ministério Público manda para nós uma recomendação, ou chega uma denúncia anônima e todas elas são verificadas. Eu sei que não é o ideal, mas a gente tenta fazer o possível”. No caso da denúncia que chegou à Rádio 730 e aos vereadores da Câmara, a secretaria informou que vai encaminhar um auditor de tributos para verificar a contabilidade da Universo.

Eliane explica também que no caso da imunidade concedida às instituições de ensino, ela é temporária. Se ela deixa de preencher um dos requisitos, ela perde a imunidade neste momento. A lei permite também que a fiscalização retroaja nos últimos 5 anos. Ou seja, se o auditor verificar que a entidade não cumpriu sua finalidade em determinado ano, ela será autuada e a imunidade será cassada.

“Se o auditor de tributos verificar que ela feriu algum dos requisitos, ele vai apurar o imposto devido nesse tipo de serviço que é 5% sob o faturamento bruto. Ele apura esse valor devido e lança uma guia de fiscalização, faz autuação e todo o caso passa por um procedimento administrativo. Vai para a primeira, para a segunda instância. A entidade vai ser autuada e cobrada de toda a diferença”. Já houve casos na Justiça que as mantenedoras de instituições de ensino tiveram que devolver os milhões de benefícios fiscais abatidos pelo poder público.

Procurada pela reportagem, a diretoria-geral da Universo disse que não tinha informações para serem repassadas e não quis se manifestar sobre os questionamentos dos vereadores da Câmara. Só informou de grosso modo que possui o Projeto Talento, que é um programa de concessão de descontos sobre as parcelas da semestralidade dos alunos matriculados.