Um estudo da ONG Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) publicado em dezembro do ano passado mostrou que as 67 termelétricas fósseis conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) emitiram, em 2023, 17,9 milhões de toneladas de gás carbônico (CO₂), que é o principal responsável pelo aquecimento global.
Isso significa que as termelétricas do país emitiram mais gases do efeito estufa que a cidade de São Paulo, que emitiu, no mesmo período, 14,5 milhões de toneladas do gás, de acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
“Ou seja, apenas as térmicas fósseis do SIN emitiram mais gases de efeito estufa do que a maior cidade do país, com seus mais de 11 milhões de habitantes e intensa atividade econômica”, comparou a pesquisadora do IEMA, Raíssa Gomes.
Por que o Brasil ainda aposta em termelétricas
Com uma ampla possibilidade de gerar energia de fontes renováveis, por que o Brasil ainda aposta em termelétricas que emitem esse percentual alto de CO₂? Uma das principais justificativas para a questão está na segurança energética, argumento sustentado principalmente por causa da crise que ocorreu em 2001.
Naquele ano, o país enfrentou uma forte escassez de chuva e isso comprometeu os reservatórios de água das usinas hidrelétricas e o fornecimento de energia. As termelétricas não dependem de condições climáticas e podem ser acionadas a qualquer momento.
“A maior parte das termelétricas que estão em operação hoje vieram do apagão que teve no governo Fernando Henrique. Eles criaram um programa prioritário de térmicas, que era basicamente térmicas a gás. Naquela época já se falava em aquecimento global, mas nada parecido com o que se fala hoje”, contou o físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do Instituto ClimaInfo, Shigueo Watanabe Jr.
A independência de água, vento ou sol foi, inclusive, a justificativa que o Ministério de Minas e Energia (MME) usou durante o lançamento do Plano Decenal de Expansão de Energia 2034 na defesa do “fortalecimento da geração termelétrica”.
Lobby do gás e do carvão
A insistência do Brasil nas termelétricas também é pautada no lobby do gás e do carvão. Shigueo Watanabe Jr disse haver interesses econômicos que estão por trás de grande parte das termelétricas. “Existe um lobby muito forte para alavancar mais ainda o gás natural. Toda vez que você tem alguma obra de uma termelétrica, há vários interesses políticos e econômicos e um lobby muito forte dentro do Congresso e dentro dos ministérios para poder ter mais gás, mais termelétrica”, afirmou.
Dois jabutis – termo usado para designar um apêndice incluído em um projeto que trata de tema diferente do assunto principal – explicam como esse lobby ocorre. O Congresso Nacional aprovou em 2021 uma lei que viabilizou a privatização da Eletrobras. No texto final, os parlamentares colocaram a obrigação da contratação de 8 gigawatt (GW) de eletricidade das termelétricas a gás natural sem infraestrutura de distribuição.
Outro jabuti foi colocado no projeto de lei do marco legal para a geração de energia eólica offshore (em alto mar) que obrigava a contratação de 4,25 GW de usinas termelétricas a gás natural. Além disso, os parlamentares prorrogaram os contratos das usinas a carvão de 2040 para 2050.
Os dois projetos foram sancionados com vetos aos dois jabutis, porque o Planalto entendeu que são matrizes mais poluidoras, caras e ineficientes. Ainda há a possibilidade de o Congresso derrubar os vetos.
Mais termelétricas no Brasil
Raíssa Gomes afirmou que a transição para fontes renováveis como a solar e a eólica é fundamental. “As termelétricas fósseis são altamente emissoras de gases de efeito estufa e de emissões atmosféricas locais como óxidos de nitrogênio, enxofre, monóxido de carbono e material particulado”, contou.
Ela estima que existam cerca de cem empreendimentos tramitando em fases diferentes no país, o que indica que há interesse de investidores em disputar futuros leilões que envolvem gás e carvão. Dois casos envolvendo termelétricas chamaram a atenção recentemente e geraram debates sobre impactos ambientais.
Em Samambaia (DF), a Justiça suspendeu uma audiência pública sobre a instalação de uma termelétrica a gás porque não houve tempo hábil para informar a população. No Rio Grande do Sul, duas empresas iriam construir uma usina a carvão em Candiota e Hulha Negra, mas desistiram depois que o empreendimento foi questionado judicialmente.
O empreendimento se chamaria Usina Nova Seival, consumiria cerca de 12,6 mil toneladas de carvão por dia e usaria água equivalente ao consumo diário de um município de 230 mil habitantes. O projeto foi questionado judicialmente pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) e a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) que mostraram inconsistências nos estudos e pediram a suspensão do licenciamento ambiental.
Licenciamento
As empresas que iriam construir a usina são a Energia da Campanha Ltda e a Copelmi Mineração Ltda, que desistiram do empreendimento. Mas a ação das organizações fez com que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmasse o pedido para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) considerasse os impactos climáticos nos próximos licenciamentos ambientais.
“A decisão inclui o componente climático no licenciamento ambiental de termelétricas no Rio Grande do Sul. Ela determina e obriga que, a partir de agora, isso seja sempre observado pelo Ibama. Isso significa a inclusão das diretrizes da Política Nacional da Mudança do Clima e da Política Gaúcha da Mudança do Clima”, explicou o advogado da InGá e Agapan, Marcelo Mossmann.
Raíssa Gomes apontou que isso é importante e que é fundamental que haja a avaliação das emissões de gases de efeito estufa das usinas termelétricas.
*Com o texto de Maurício Frighetto para o Deutsche Welle
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 07 – Energia limpa e acessível e o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima.
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