Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

“Veremos mais pessoas presas por cometer esses crimes”, avalia advogado sobre nova legislação contra violência de gênero

A promulgação da Lei 14.994, sancionada em 2024, traz novas perspectivas para o enfrentamento da violência de gênero no Brasil, especialmente no que diz respeito à violência doméstica. Com o aumento de penas para crimes como feminicídio, ameaças e crimes contra a honra em contexto de violência doméstica, especialistas destacam os potenciais impactos dessa legislação a curto e longo prazo.

Em entrevista ao Sistema Sagres de Comunicação, o advogado criminalista, Gabriel Fonseca, explicou as motivações e o contexto social que levaram à atualização da lei, e seus possíveis efeitos na prevenção de novos casos de violência de gênero. “Eu entendo que essa mudança que tivemos esse ano, e não só esse ano, todos os anos nós temos mudanças e alterações na lei que se atualizam conforme a sociedade pensa. Acho que o objetivo do Poder Legislativo é exatamente atualizar em prol da sociedade, e isso vem acontecendo”, afirmou.

Vale ressaltar que o aumento das penas são também para outros crimes de violência de gêenro, como lesão corporal, injúria, calúnia e difamação. A nova legislação, além de ampliar o rigor nas punições, visa reforçar a proteção das mulheres. “Veremos mais pessoas presas por cometer esses crimes”, avalia.

Para Gabriel, essa estratégia é uma forma de desencorajar potenciais agressores. “Uma das formas de prevenir o crime é aumentando a punição. O legislador entende que, à medida que as penas são aumentadas, menos episódios de violência doméstica nós vamos ter”, explicou.

Números

Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado este ano, a gravidade desse cenário é evidente: em 2023, 1.238.208 mulheres foram vítimas de violência de gênero no país. Esse número engloba casos de homicídio, feminicídio (tentados e consumados), agressões domésticas, ameaças, perseguição, violência psicológica e estupro. Apesar das mudanças legais, a violência doméstica continua sendo um problema crescente no Brasil, o que, segundo o advogado, está ligado a fatores como conscientização e visibilidade.

“Primeiro é a conscientização da mulher. Ela tem sido mais informada, mais consciente em relação aos seus direitos e ao que é violência doméstica. Muitas vezes as pessoas acham que violência doméstica é só agressão física, mas ela também envolve ameaças, violência patrimonial, chantagens e até violência contra a honra, como xingamentos e depreciação da imagem da mulher”, afirmou.

Desde 2006, a Lei Maria da Penha tem sido fundamental para combater a violência contra a mulher, com medidas como a criação de proteções legais, atendimento prioritário às vítimas e a possibilidade de apreensão de armas dos agressores. Com a nova legislação, as medidas de proteção se intensificam, especialmente no que se refere ao feminicídio.

Conceito

A ampliação do conceito de violência de gênero e a cobertura midiática têm papel importante no aumento dos relatos de casos. Gabriel aponta que, além dos meios de comunicação, as tecnologias digitais e o fácil acesso a celulares ajudam na coleta de provas e na exposição pública de episódios de violência, o que torna o fenômeno mais visível.

“A mídia tem cada vez mais feito seu papel ao expor casos de violência doméstica. Além disso, o contexto tecnológico permite que pessoas com celulares produzam mais provas, e tudo isso contribui para que vejamos cada vez mais esses casos.”

A nova lei dobra as penas para crimes de agressão, estabelecendo uma pena de 2 a 5 anos, e para crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação. As ameaças também tiveram as penas aumentadas. Essas mudanças, válidas para novos casos a partir de 10 de outubro de 2024, não alteram os processos já em andamento, que seguem a legislação anterior.

A Lei 14.994/24 representa um passo importante na defesa das mulheres, fortalecendo o compromisso do Brasil no combate à violência de gênero. Mas, como destaca Gabriel, novas mudanças são essenciais para manter a legislação atualizada e eficaz. A expectativa é que, com a aplicação dessas medidas, se estabeleça uma cultura de respeito e igualdade na sociedade.

Aplicação da lei

Apesar dos avanços, a aplicação da lei ainda enfrenta obstáculos, especialmente no que se refere à produção de provas, tema que levanta debate sobre justiça e eficácia. “A nova legislação representa uma evolução significativa na repressão a situações de violência doméstica, endereçando uma omissão que há muito deveria ter sido sanada. Claro, é necessário que a lei continue a debater e garantir os direitos das mulheres,” afirma Gabriel Fonseca.

Advogado Gabriel Fonseca | Foto: Arquivo pessoal

Ele ressalta, no entanto, que é preciso cautela para evitar distorções que possam enfraquecer a lei. “Eu vejo casos de mulheres que, infelizmente, se aproveitam da lei com acusações falsas, especialmente em situações de divórcio. Isso prejudica todas as mulheres e acaba descreditando a própria lei,” completa.

A nova lei busca também um rigor maior em casos de denúncias caluniosas. “Uma pena mais severa para denunciações falsas poderia proteger a integridade da lei Maria da Penha, garantindo que seu propósito não seja desvirtuado,” sugere o especialista.

Desafios probatórios: como comprovar a violência?

Outro ponto destacado é o desafio de produção de provas, especialmente em crimes que ocorrem em contextos privados. “A violência doméstica geralmente ocorre entre quatro paredes, sem testemunhas. Muitas vezes, temos apenas a palavra da mulher contra a do homem. A lei fortalece o testemunho da vítima, mas a falta de provas concretas ainda é um grande desafio,” comenta o especialista, ressaltando a importância do material probatório.

Para contornar essa dificuldade, ele aponta a necessidade do uso de tecnologia. “A produção de provas como áudios, vídeos ou outros registros digitais é crucial para comprovar a veracidade dos fatos. Esses elementos podem, muitas vezes, ser a diferença entre a culpabilidade ou a inocência de alguém,” destaca.

O especialista ainda compartilha sua análise sobre o perfil dos agressores, afirmando que eles geralmente carregam um histórico de exposição à violência. “Pela prática, eu vejo que os agressores têm um perfil que vai além do fato. Vai de um contexto histórico de criação, de já ter presenciado algum tipo de violência. Tem todo um contexto por trás para chegar até aquele ponto de cometer uma violência doméstica”, afirmou.

Endurecimento das penas

O especialista destacou que muitos dos crimes acontecem em momentos de “fúria, de raiva, sem pensar”. Ele acredita que o endurecimento das penas pode influenciar uma parcela de agressores a refletirem antes de cometerem um ato violento, mas reconhece que isso pode não ser suficiente para conter crimes passionais.

“A punição, o aumento da pena, ajuda sim, porque a pessoa que vai cometer o crime, se ela consegue raciocinar antes, ela vai pensar: ‘Nossa, aqui o crime aumentou, minha punição vai ser maior’. Então, eu posso não fazer, não cometer esse crime”, explicou. No entanto, ele ponderou: “Na grande maioria dos casos, esse fato envolve todo um contexto. E na hora que a pessoa vai cometer o crime ela não tem esse raciocínio lógico”.

O especialista também comentou a respeito da crescente visibilidade da violência de gênero, sugerindo que o aumento de denúncias pode dar a impressão de uma alta nos casos, embora ele entenda que essa percepção decorre da maior conscientização. “Essa questão de violência contra a mulher tem sido pauta em várias ocasiões, e a mulher tem ganhado voz. Não só contra a mulher, mas também temos muitos casos de agressões entre mãe e filho, filho e avó, que entram na questão de violência doméstica”, disse ele.

Ele acredita que a difusão de informações sobre os direitos e mecanismos de proteção tem estimulado mais vítimas a buscarem ajuda. “Eu não acredito que o número de casos que vemos hoje é porque tem mais violência acontecendo. Eu acredito que é porque a informação tem sido mais difundida, as pessoas estão mais conscientes sobre isso”, afirmou.

Demandas sociais

Para o especialista, o cenário legislativo também acompanha a evolução das demandas sociais, sendo ajustado para responder melhor à realidade da violência doméstica. Ele acredita que, com o tempo, a legislação se tornará ainda mais rigorosa e novas tipificações criminais poderão surgir.

“Quando a gente compara as leis antigamente com as de hoje, a gente vê várias mudanças, tanto em questão de pena quanto de novas leis. Esse é um cenário em que vamos ter, sim, novas adequações”, concluiu, destacando a importância de uma legislação dinâmica que responda às transformações da sociedade.

Questionado se o Brasil está pronto para aplicar a nova legislação, Gabriel Fonseca respondeu que sim – com uma ressalva importante: a falta de recursos humanos e estrutura no Judiciário. “Eu vejo que, em boa parte do Brasil, existem comarcas específicas para atender a essa questão de violência de gênero. O que falta é estrutura,” afirmou.

Ele destacou que, apesar do preparo dos magistrados e promotores, as limitações de equipe impactam diretamente a agilidade e eficiência dos processos. “Aqui eu não estou falando só em relação à Lei Maria da Penha, estou falando em todos os casos”, ressaltou. Segundo ele, a sobrecarga de trabalho dos profissionais da Justiça resulta em uma resposta mais lenta em questões de gênero e em outras áreas igualmente importantes.

Apoio do Executivo

O especialista defendeu que, para superar esses entraves, seria fundamental um apoio maior do Poder Executivo. “Eu acho que deveria haver um investimento do Poder Executivo para ter mais pessoas trabalhando no Poder Judiciário. Deveria existir um investimento para que mais concursos públicos fossem abertos”, propôs.

Ele acredita que, com um número adequado de servidores, a justiça se tornaria mais eficiente e menos sujeita a atrasos, beneficiando diretamente as vítimas de violência e contribuindo para uma maior celeridade nos processos. “Em relação à aplicação da lei, eu vejo juízes e promotores muito bem preparados e atuando muito bem. O que vejo como essencial é que haja mais profissionais para que esses servidores não fiquem tão abarrotados de trabalho.”

A necessidade de reforçar a estrutura judicial brasileira reflete a crescente demanda por serviços especializados e mostra que, embora o país tenha avançado em legislação de proteção, ainda há um longo caminho para garantir que a Justiça possa atender a essas necessidades de forma plena e ágil.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 05 – Igualdade de Gênero

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