Matéria publicada no Diário da Manhã desta quinta-feira (29) relata que inquérito do caso Valério Luiz pode ser reaberto, pois perícia feita, logo após o crime, desmonta provas apresentadas. Veja o texto na íntegra.

Na edição de ontem, o DM apresentou quadro com a versão da Polícia Civil para o assassinato do radialista Valério Luiz de Oliveira. Desde o dia do crime, 5 de julho de 2012, diversas famílias vivem o calvário. A de Valério e a dos cinco acusados, um sargento (Djalma da Silva) e um cabo (Ademá Figueiredo) da Polícia Militar, o motorista Urbano Malta, o açougueiro Marcus Vinícius Xavier, o Marquinhos, e o empresário Maurício Sampaio. A resposta da polícia está em mil páginas do inquérito que o Ministério Público tomou como suas e transformou em denúncia. Não contavam com a perícia feita logo após o crime por especialistas do Instituto de Criminalística da Polícia Técnico-Científica. Eles simplesmente demoliram as alegações da Polícia Civil. Aos laudos dos peritos se somam os depoimentos dados em juízo, que acabaram com as obscuridades geradas em delegacias.

Pelos erros formais e materiais, um choque entre a realidade e a acusação, os advogados de defesa querem que o inquérito seja anulado e se inicie nova investigação. Como publicado ontem no DM, uma das mais gritantes inconsistências entre o que ganhou destaque na mídia e o resultado da perícia é a forma como o crime ocorreu. O jornal O Popular de 20 de fevereiro de 2013 trouxe em destaque o acesso até então exclusivo do inquérito policial, que deveria ser restrito aos delegados responsáveis pela investigação. Na reportagem, afirma-se que o assassino de Valério utilizou uma moto CG 125 preta e que o executor atirou de cima da moto contra Valério. A conclusão entregue aos jornalistas é diferente das apresentadas pelos peritos. Em laudo datado de 7 de dezembro de 2012, a conclusão é que “o atirador (…) certamente estava em pé” (veja reprodução).

Dia 4 de fevereiro de 2013, a delegada Adriana Ribeiro, responsável pela investigação, convocou mais uma das inúmeras entrevistas coletivas durante a apuração do caso. Apresentou um vídeo que supostamente mostraria o assassino de Valério transitando com a moto antes e depois de cometer o crime. A imagem circulou em todos os jornais, ganhou a televisão no horário nobre e foi tema de intenso debate na sociedade. Apesar do poder midiático, a gravação não consta no inquérito. A polícia não anexou o vídeo por um simples motivo: ele não retrata o executor de Valério.

Abaixo, vídeo de entrevista da delegada Adriana à TV Anhanguera.

 

https://www.youtube.com/watch?v=3kgQEQrPA4Q&feature

 

A moto usada pelo assassino seria a do pai de Marquinhos. Na verdade, a moto do pai do açougueiro possui armação de metal cromada usada para transportar carne. A moto registrada pelas câmeras de segurança não tinha o suporte. Essa contradição não chegou até à imprensa e sequer foi admitida no inquérito. Nem mesmo uma nota informando o erro foi divulgada pelas autoridades.

Se as imagens não foram anexadas ao inquérito, por que foram repassadas à imprensa? Porque reforçaria a tese de crime praticado por policiais. Exibir as imagens do suposto atirador atrairia ainda mais a população contra os acusados, para sofrimento das famílias. A batalha não seria travada por meio de informações técnicas advindas de uma ampla investigação, mas o tribunal seria montado nos jornais e na televisão.

 

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As “provas” da polícia

1)Momentos após o crime foi realizada perícia no local e os resultados foram divulgados alguns meses após. Quatro semanas depois, aparece na delegacia a testemunha J. Diz que viu o assassino, dirigindo uma moto, e reconhece o cabo Figueiredo.

2) É apresentada uma gravação de câmera de segurança. Mostra a moto, com o assassino, chegando ao local do crime e dele retornando, menos de um minuto depois (a imagem foi divulgada, à exaustão, em todas as televisões locais). O assassino teve poucos segundos para percorrer um quarteirão, cercar o carro de Valério, descer da moto, atirar uma vez, se aproximar do carro, atirar mais cinco vezes, subir na moto e percorrer de novo o quarteirão.

3) Os colegas de rádio de Valério depõem dizendo que as emissoras (de rádio e TV) em que ele trabalhava haviam sido proibidas de acompanhar os treinamentos do Atlético. O mandante da censura? Maurício Sampaio, que ofereceu R$ 15 mil para a TV demitir Valério.

4)No dia do crime, Urbano ligou no cartório de Sampaio na parte da manhã e à tarde. Após o assassinato, foi ao cartório avisar a Maurício.

5)Foi apresentado um diagrama mostrando que, no dia do crime, Urbano e Da Silva falaram entre si várias vezes, e que Da Silva conversou com Marquinhos uma vez.

6)Relatório apresenta ligações feitas dos telefones habilitados apenas para prática do crime, os tais “bodinhos”, mostrando que as três ligações foram feitas da região onde estão a rádio em que Valério trabalhava, o local do crime e o açougue de Marquinhos.

7)O apresentador Joel Datena não confirmou o álibi de Figueiredo, que disse ter estado com ele durante todo o dia em que ocorreu o crime, e em especial no momento do homicídio (por volta das duas horas da tarde).

8) Marquinhos confessou, inicialmente, que foi ele o executor, a mando de Da Silva e Urbano e a pedido do patrão de Urbano (que seria Maurício Sampaio). Com base nesta confissão, todos foram presos. Com todos na prisão, Marquinhos mudou a confissão e disse que o executor foi Figueiredo e que ele apenas emprestou a moto e o capacete, e, no dia do crime, entregou para Figueiredo o revólver providenciado por Da Silva (a polícia aceitou como verdade absoluta esta segunda versão da confissão de Marquinhos).

 DM

O que conclui a perícia

1)A perícia desmente praticamente tudo o que a polícia pôs no inquérito. Só se aproveitam a data e o nome das pessoas. Quanto aos fatos e conclusões, a perícia demole tudo. O atirador veio andando, a pé, pela frente do veículo, deu um primeiro tiro em diagonal, depois parou ao lado do vidro e, da mesma posição, parado, imóvel, fez outros cinco disparos. Tudo bem próximo do vidro do motorista.

2)Nenhuma testemunha, nem as de acusação, viu motoqueiro atirando em Valério. Foi vista uma moto saindo do local, provavelmente com o motoqueiro, apavorado, fugindo dos tiros, como faria qualquer outro veículo que virasse na rua e se deparasse com o atirador descarregando revólver na vítima. Foi o que viu um radialista, também colega de Valério, que depôs no caso.

3) A testemunha J., apresentada pela polícia como quem reconheceu o atirador, negou: disse ao juiz que não reconheceu Figueiredo nem qualquer outra pessoa. Ela nem viu o rosto do motoqueiro (que, aliás, não era o atirador, como prova a perícia).

4) Para reconhecimento, existem formalidades. No afã de culpar Maurício Sampaio, a polícia as subverteu. A testemunha J. disse ao juiz que a delegada Adriana Ribeiro foi à rádio levando cópia de foto de Figueiredo impressa em papel A-4. Dias depois, levou também uma cópia da foto de Marquinhos e também lhe mostrou. Nas duas vezes, a testemunha disse apenas que a cor da pele era parecida com a do motoqueiro que cruzou com ela momentos antes do crime, que usava capacete e que ela havia achado suspeito, pois ele reduziu a marcha e permitiu que ela passasse por ele, em direção à rádio. Ela esclareceu que viu o motoqueiro por uma fração de segundos, o olhou apenas nos olhos, e viu somente os olhos, sobrancelhas e nariz, já que ele estava de capacete. Ela nem sabe a cor da moto ou do capacete, ou da camisa do motoqueiro.

5) J. sequer viu para onde a moto foi. Ela repetiu em juízo que apenas viu um motoqueiro virando na esquina, junto com ela, momentos antes do crime. Não reconheceu ninguém nem foi levada à delegacia para reconhecer ninguém. Mesmo assim a delegada Adriana Ribeiro mandou que ela assinasse um documento que atestava que reconheceu Figueiredo, depois reconheceu Marquinhos e depois reconheceu novamente Figueiredo como executor de Valério.

6)A gravação apresentada pela polícia à imprensa, com um motoqueiro na contramão e voltando pela mesma rua, não foi nem juntada no inquérito. A polícia viu que não enganaria ninguém que estudasse o caso. É prova falsa, o vídeo nada tem a ver com o crime. O horário que aparece na câmera está certo (uma hora depois do assassinato). Mostra um motoqueiro entrando na rua, se deparando com polícia, isolamento, multidão de curiosos e todo o caos que se instalou após a tragédia. O motoqueiro volta e vai embora. E só. Era a polícia precisando de uma imagem para sacramentar que o atirador estava de moto, no modus operandi que um suposto policial usaria em execuções. O filme foi mostrado, à exaustão, por toda a imprensa. Depois, sumiu, descartado, já que nada tem a ver com o processo.

7)Joel Datena, apresentador do Brasil Urgente Goiás, na TV Goiânia, confirma em juízo ter certeza absoluta de que Figueiredo estava em sua casa no momento do crime. Disse que almoçou com Figueiredo minutos antes. Ao subir para o pavimento superior e receber, via web, a notícia do homício, ocorrido 10 minutos antes, imediatamente chamou Figueiredo, que imediatamente respondeu. Pelo depoimento de Datena, acredita-se que não foi Figueiredo quem matou Valério. Para o juiz, Joel ainda esclareceu que a delegada Adriana Ribeiro colheu dois depoimentos seus. No primeiro, confirmou exatamente o que disse em juízo. No segundo, a delegada não quis saber o que aconteceu no dia, mas apenas a rotina de Joel. E, ao relatar sua rotina, Joel disse que sempre dormia após o almoço. E foi só isso que a delegada colocou no depoimento, dando a possibilidade de Figueiredo ter se aproveitado, saído, executado Valério e voltado para a casa de Joel. Naquele dia, foi diferente: Joel não teve tempo de dormir, pois ficou sabendo do crime minutos após e chamou Figueiredo, para que se apressassem em ir para a TV preparar programa especial. Derrubou a versão montada pela polícia.

8)No dia do crime, Djalma da Silva estava em Leopoldo de Bulhões, numa operação policial contra roubo de carga, só voltando para Goiânia após as 20h. Isso foi confirmado por todos os policiais que o acompanharam na operação e até pelos presos, todos ouvidos pelo juiz. Há o relatório policial da operação, inclusive com os telefones, atestando que, às 19h, Djalma fez uma ligação telefônica quando ainda estava na antena (ERB) de Leopoldo de Bulhões. É impossível que tenha, no mesmo dia, às 16h, ido buscar o revólver com Marquinhos.

9) Fala-se na casa que Maurício Sampaio havia emprestado a Urbano. Não é uma casa, mas uma área com 7 mil m², onde antes era a Faculdade Ávila. O imóvel, no qual Sampaio ia fazer prédios residenciais, custou mais de R$ 15 milhões e foi comprado em dezembro de 2011, tendo a negociação se iniciado em julho de 2011, um ano antes do crime, onze meses antes do programa em que Valério afirmou que “os ratos são os primeiros a abandonar o navio”. À época, o Atlético ia bem no Campeonato Brasileiro e seus dirigentes, inclusive Sampaio, eram elogiados.

10)O açougueiro Marquinhos mudou seu depoimento algumas vezes. Na mais recente, junta declaração por escritura pública onde diz que foi torturado para assinar as duas confissões. Garante que duas personagens midiáticas, presentes no inquérito, acompanharam a tortura. Marquinhos também disse que o depoimento prestado ao delegado Manoel Borges é verdadeiro. Ele o desmentira, em depoimento na corregedoria, por medo de ser novamente torturado.

11)A polícia não juntou a informação da companhia telefônica mostrando que os telefones celulares por ela apontados foram habilitados três dias antes e usados apenas no dia e na região do crime. Por estar sem prova, não tem valor o relatório policial mostrando que havia dois telefones habilitados três dias antes, e que teriam feito três ligações entre si, na região abrangida pelo bairro onde está a Rádio 820 e pelo bairro onde está o açougue de Marquinhos. Não dá pra saber de onde a polícia tirou as informações que embasaram o relatório, pois esta informação, que teria que ser prestada pela companhia telefônica, não está em lugar nenhum.