Já passa da meia-noite. Já é o Dia dos Namorados. Horas lentas, sono que não vem e barulho perturbador do pensamento, neste silêncio da madrugada em tempo de pandemia. Ruas vazias. Máscara protetora e a oportunidade de caminhar sem rumo, para matar a saudade de andar pelos arredores.

Poucas luzes acesas nas garagens, menos ainda edifícios acima, que juntos com a ineficiência das lâmpadas instaladas nos picos dos postes de Goiânia, deixam a noite ainda mais escura.

É dia de reverenciar o mais nobre dos sentimentos, na sua forma mais encantadora, o namoro, que celebra o encontro da luz de dois olhares, que aproximam dois corações para que dois corpos se permitam a harmonia das carícias e os sonhos de muitas realizações juntos. Junto com o fogo tem as crises e até as decepções.

Muitas vezes tem o afastamento e a liberdade para o olhar encontrar com outro olhar e começar tudo de novo, até que as juras e o desejo se misturem e o namoro fica mais duradouro. Cada tentativa é uma esperança, e tanto as que duram, quanto as que passam, e até as que perpetuam valem a pena. Em todas elas há um momento de amor e nada vale mais a pena do que amar, ainda que seja por alguns poucos momentos.

Na solidão da cidade escura, o pensamento fica mais longe e as distâncias mais perto. Se poeta fosse, escreveria versos lembrando o primeiro olhar, o primeiro beijo, a primeira grande cumplicidade e o desenfreado desejo de viver junto, coladinho em todos os momentos que fez o encanto do namoro colocar alianças em nossas mãos, meu sobrenome no nome dela e nossa cúmplice esperança de caminhar juntos.

Caminhamos e, apesar de alguns tropeções (daqueles que arrancam a unha do dedão), o caminhar foi maravilhoso. Seus passos findaram antes dos meus. Os melhores caminhadores chegam primeiro ao último destino. Por isto nesta madrugada de pandemia, escuridão e silêncio, meu corpo caminha só e minha cabeça caminha acompanhada de lembranças, saudade e agradecimento por ter tido a oportunidade de viver um amor que a morte não mata e o tempo eterniza.

Já estou em uma pista de caminhada em volta do zoológico de Goiânia e posso ver o quanto são ineficientes aquelas lampadazinhas que deveriam clarear o local, mas não clareiam. As sombras das árvores seculares escurecem ainda mais as trevas desta noite.

Um piado triste, agoniado vem da copa de uma árvore. Sei quem piou: foi o urutau, pássaro feio, dissimulado que se camufla para pegar suas presas e fugir dos seus predadores. Bicho do olhar esquisito, daqueles que arrepiam a gente. Ele só se atreve a cantar com aquele piado cavernoso, quando os canarinhos, pardais, bicudos, e bem-te-vis, donos de cantos encantadores, já estão dormindo.

Nada na rua, nada em lugar nenhum, só um corpo caminhando só e sem rumo. De repente entre a copa de uma árvore e outra, aparece a lua, que também está com pouco brilho e isolada lá em cima. As estrelas, que são muitas, foram namorar, mas a lua, que é uma só, também está condenada a vagar solitária nesta noite dos namorados.

Olhei fixo para ela e nós dois vimos que não estávamos mais sós. Viva a lua companheira solitária de todos os outros sozinhos, viva os namorados companheiros da esperança e do amor, e viva o amor que, de tudo na vida, é o que verdadeiramente vale a pena!!!