Trégua entre Israel e Irã diminui tensão, mas guerra em Gaza segue intensa

Após semanas de ataques mútuos, Israel e Irã anunciaram uma trégua temporária que, embora tenha reduzido momentaneamente as tensões diretas entre os dois países, não trouxe alívio para o restante da região. Os combates na Faixa de Gaza continuam intensos e os Estados Unidos voltaram a atuar como mediadores, buscando ampliar as negociações por uma paz mais duradoura no Oriente Médio.

Em entrevista ao programa Pauta 2 da Sagres TV, o professor da PUC Goiás Giovanni Okado, especialista em relações internacionais, analisou as causas históricas e políticas que levaram ao confronto e avaliou os desdobramentos do cessar-fogo. Segundo ele, o atual embate tem raízes profundas, que remontam à Revolução Iraniana de 1979.

“Desde que o Irã se tornou um regime teocrático, passou a adotar como política externa a exportação da revolução para outros países da região. Isso gerou uma ameaça direta à segurança de Israel, que já se vê cercado de inimigos”, afirmou.

Entre os fatores que intensificaram a rivalidade nas últimas décadas, o professor destaca o financiamento iraniano a grupos como Hamas e Hezbollah, o programa nuclear iraniano e declarações hostis de líderes como Mahmoud Ahmadinejad. “Ele chegou a dizer que o objetivo do Irã era riscar Israel do mapa”, lembrou Okado.

O especialista também comentou a recente ofensiva militar conjunta de Israel e Estados Unidos contra instalações nucleares iranianas. Segundo ele, houve clara sincronia entre os ataques dos dois países. “É provável que Israel tenha feito ataques preliminares para neutralizar as defesas antiaéreas do Irã, permitindo que os Estados Unidos usassem seu poder de fogo com mais eficiência, com bombardeiros B-2 e bombas antibunker”, explicou.

Mesmo durante a trégua com o Irã, Israel manteve ofensivas em Gaza, Síria, Iêmen e Líbano, o que, para Okado, tem como objetivo enfraquecer aliados indiretos do regime iraniano. “A proposta é neutralizar uma resposta que possa vir de milícias como o Hezbollah, ou de grupos apoiados e treinados pelo Irã na região”, destacou.

Fragilidade da trégua e vitória simbólica

Apesar do cessar-fogo, os dois lados alegam vitória. O Irã afirma que seu programa nuclear não foi totalmente desmantelado e que parte do urânio enriquecido foi realocada. Já Israel e os Estados Unidos comemoram o sucesso militar das operações. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, inclusive, agradeceu publicamente o apoio do presidente americano Donald Trump.

No entanto, Giovanni Okado alerta que a vitória militar não representa necessariamente uma vitória política. “Se a intenção era desmontar o programa nuclear iraniano, o efeito pode ter sido o oposto. O Irã, agora mais do que nunca, sabe que precisa da bomba para garantir sua soberania”, avaliou.

Ele explicou que o país pratica uma estratégia conhecida como “aposta nuclear”, que consiste em manter a capacidade técnica de produzir armamentos nucleares sem efetivamente fabricá-los. “Até hoje não há evidência concreta de que o Irã possua uma bomba atômica, mas, após esses ataques, dificilmente vai hesitar em avançar nesse sentido”, disse.

Outro objetivo implícito de Israel e dos EUA seria enfraquecer ou até derrubar o regime dos aiatolás, vigente desde 1979. Para Okado, essa possibilidade traz riscos: “Em caso de queda do líder supremo, o que viria depois pode ser ainda mais radical. Um regime militar, com forte retórica antiocidental, é o cenário mais provável”.

O professor também observou que, historicamente, conflitos externos tendem a fortalecer governos impopulares. “O aiatolá, que vinha sofrendo pressões internas, pode até sair fortalecido politicamente, diante do sentimento nacionalista que cresce em momentos de ataque estrangeiro”, afirmou.

Segundo Okado, mesmo pressionado, o Irã deve manter apoio a aliados regionais. “Os grupos provavelmente terão menor assistência militar e logística, talvez até econômica, mas não acredito que o Irã vá deixar de mobilizar quem simpatiza ou é financiado diretamente pelo regime”, avaliou. A resposta iraniana ao ataque foi considerada “fraca” pelo especialista, mas carregada de simbolismo.

“A resposta do Irã foi muito simbólica, mais para dizer ao público interno que o país não aceitaria a agressão impune, do que para escalar o conflito”, disse. E completou: “Foi uma mensagem do tipo: ‘Eu posso chegar até aqui, então cuidado’”. Ele lembrou que a base americana atingida no Qatar era uma instalação secreta e a maior dos EUA no Oriente Médio.

“Ainda que não tenha causado danos ou vítimas, o ataque serviu para mostrar que o Irã tem capacidade de acerto cirúrgico”. A estratégia do Irã, segundo o especialista, segue pautada na “guerra simétrica”, apoiando grupos para desgastar psicologicamente e politicamente Israel e seus aliados.

“É improvável que o Irã consiga repetir ações de grande impacto como a crise dos reféns entre 1979 e 1981, mas ataques pontuais, capazes de abalar a confiança em Israel ou em seus aliados, seguem no radar”. A indefinição sobre a Síria e o vácuo de poder em países como Iraque também podem alterar a correlação de forças, alertou o professor.

“Ninguém sabe qual será o destino da Síria, que hoje tem um presidente interino que sinaliza até a possibilidade de se aproximar dos EUA. Já o Iraque, desde a retirada quase completa das tropas americanas em 2023, tem um governo xiita alinhado ao Irã. Então, a conjuntura pode mudar a qualquer momento”, explicou.

Questionado sobre a possibilidade de cessar-fogo ou acordo de paz, o especialista foi cético. “Um cessar-fogo, sim, é possível. Mas um acordo definitivo para acabar com as hostilidades? Acho que não. O Conselho de Segurança da ONU está dividido, e China e Rússia não vão apoiar uma resolução que favoreça os Estados Unidos. Além disso, a ação americana nem passou pelo Conselho”, apontou.

Ele fez ainda uma crítica às tentativas unilaterais de impor soluções: “O pior erro seria repetir o que aconteceu na Ucrânia, quando se tentou impor uma paz sem a participação direta das partes beligerantes. Qualquer acordo real precisa ser negociado entre Irã e Israel, e não decidido por terceiros”.

O papel do Brasil, Rússia e China

Sobre o papel de outros atores, o especialista destacou que China e Rússia são parceiros do Irã, mas não têm o mesmo grau de aliança militar de EUA e Israel. “Rússia e China são aliados comerciais e, no caso da Rússia, militares em alguns aspectos, mas não chegam nem perto da coordenação que existe entre Israel e Estados Unidos”, disse.

Ele lembrou que a Rússia, envolvida no conflito na Ucrânia, não tem hoje condições de apoiar militarmente o Irã: “A Rússia está enfraquecida e não quer piorar sua relação com os EUA. Já a China, tradicionalmente não intervencionista, está mais preocupada com seus interesses econômicos e a segurança de rotas comerciais, como o Estreito de Ormuz”.

Quanto ao Brasil, apontou que o país mantém uma postura histórica de neutralidade e defesa de soluções pacíficas: “O Brasil dificilmente se envolveria diretamente no conflito. Mas, por questões históricas, como a atuação de Oswaldo Aranha na criação do Estado de Israel, pode ser chamado a ajudar em futuras negociações. Porém, a conjuntura hoje é desfavorável”.

Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.

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