Em tempos de quarentena, muitas famílias aproveitaram um tempo agora disponível, que antes a rotina não permitia. Contudo, essa não é uma realidade para todos. Enquanto alguns estão concentrados na linha de frente no combate à covid-19, outros ficaram isolados e ‘trancados’, sem poder ter um contato mais próximo com seus entes queridos.

É o caso do preparador físico Willander Fonseca, que há cinco anos mora fora do Brasil e devido a pandemia não pode sair do país onde vive atualmente. Casado com uma tailandesa, onde também nasceu seu filho, que tem dupla nacionalidade, desde março não vê sua família – sem mencionar os parentes brasileiros.

Em uma conversa com o repórter Rafael Bessa para a Sagres, Willander, que atualmente trabalha com a seleção nacional de Myanmar, falou sobre a experiência no sudeste asiático, a passagem no futebol goiano ao lado do pai Ademir Fonseca – no Vila Nova, em 2010, e no Goiás, em 2011 – e também sobre a distância dos seus familiares.

“É um drama, mas tento analisar de uma maneira positiva, porque nunca passei tanto tempo longe do meu filho e da minha esposa. No ano passado, quando vim (para o Myanmar), decidi morar em um hotel, e a minha família só vinha me visitar, porque iríamos viajar muito e meu filho tinha recém iniciado o maternal na primeira escola dele. Ele ainda estava se adaptando e não queria trazer ele para um novo estresse”, ressaltou o preparador físico.

Quando renovou seu contrato com a federação mianmarense por mais dois anos, buscou uma moradia fixa. Segundo Willander, “iria me mudar em fevereiro, só que o lugar que tinha escolhido existia um inquilino que, por conta da pandemia, acabou ficando. Entendi totalmente o dono e encontrei outro apartamento, que ficaria disponível no dia 1º de abril. Só que no dia 22 de março estourou um surto e o Ministério da Saúde daqui decidiu bloquear as fronteiras”.

“Só entraria no país quem tivesse a passagem comprada e, aqueles que entrassem, teriam que cumprir uma quarentena obrigatória de duas do governo. Conheço a realidade dos hospitais públicos daqui, então não iria expor minha esposa e meu filho. Eles estão na Tailândia, na nossa casa lá, e estão seguros. A Tailândia, hoje, talvez seja um dos países que melhor controlaram a pandemia”, destacou.

Com as fronteiras dos dois países fechadas, “não sei quando encontrarei com eles. Mas temos que olhar o lado positivo, preciso ser grato a Deus, porque continuo empregado, tenho um teto e comida na mesa, a minha esposa e meu filho estão bem, meus familiares no Brasil também. Quantas pessoas estão passando por coisas muito piores, perdendo empregos e familiares? Quando bate a saudade e a solidão, lembro do quão pior poderia ser, e essa fase difícil passará”.

Vida longe do Brasil

Aos 33 anos, e desde 2015 trabalhando fora do Brasil, acumulando passagens por Tailândia, Camboja, Laos, Vietnã e Myanmar, Willander contou que “o meu pai me ensinou que se quiser vencer no futebol, você não pode ter medo de desafios, tem que colocar a mochila nas costas, cair no mundo e aprender. Quando vim para o sudeste da Ásia, a minha intenção não era deixar de trabalhar com o meu pai, mas sim sair da sombra dele, construir a minha história e ser respeitado pelo profissional que sou”.

“Não pelo sobrenome que carrego, porque sou muito orgulhoso do sobrenome que tenho e do meu pai, mas era chato chegar nos lugares e ser tratado com desdém ou ser menosprezado e ter que provar que eu era bom, isso me ‘enchia o saco’. Quando vim para cá, pude construir a minha carreira, por mim mesmo, e ganhar o respeito das pessoas. E isso que gostaria de ter, a minha marca”, revelou.

O preparador físico acrescentou que “tem um ditado que diz que nada resiste ao trabalho. Uma vez que você faz o teu trabalho bem feito, as coisas acontecem, e assim foi comigo. Quando fui para o Vietnã, fiquei menos tempo do que gostaria. Tinha um contrato de um ano e meio, sendo que tinha começado um curso de treinador da Confederação Asiática de Futebol (AFC). Decidi fazer aqui na Ásia, porque o curso já é reconhecido no mundo inteiro, e o da CBF ainda não é reconhecido fora do Brasil”.

“Pela minha questão familiar também, quero permanecer mais alguns anos na Ásia, então decidi fazer aqui, o que facilitaria essas questões. Fiz a primeira parte do curso e me apresentei na seleção do Vietnã. A segunda parte seria exatamente no mesmo período de uma eliminatória para a Copa da Ásia sub-23. Era um período de duas semanas e eu perderia os jogos, porque no Vietnã trabalhei para a principal e a olímpica”, contou.

Depois de uma conversa com o treinador e um diretor da seleção vietnamita, que reforçaram que precisariam do seu trabalho e que não tinham condições de contratar outro, optou por sair. Segundo Willander, “foi uma das decisões mais difícil que tive que tomar na minha carreira, que foi sair de um lugar que era feliz e gostava demais de trabalhar. Porém, ter essa formação profissional era muito importante para mim. É para sempre. O trabalho vem e vai, a sua habilitação é para sempre”.

Entre as andanças da vida, o treinador búlgaro Velizar Popov, com quem trabalha atualmente em Myanmar, entrou em contato com Willander, que o conheceu através de uma competição na região, em que “trocamos contato e ficamos próximos. Quando saí, ele me ligou e perguntou o que aconteceu, eu expliquei e ele falou ‘termina o teu curso, quando acabar me manda uma mensagem e acho que consigo te trazer para cá’”.

“Não deu outra: terminei o curso, ele me fez o convite e voltei à ativa em mais uma seleção. Aconteceu tudo muito rápido e jamais imaginaria, em 2015, que em cinco anos, mais especificamente nos últimos três, iria trabalhar por três seleções diferentes. Posso dizer que alcancei um objetivo que tinha, quando decidi sair do Brasil. Por circunstâncias da vida, a minha decisão é de não voltar e tentar permanecer aqui um pouco mais”, ponderou.

Myanmar

Hoje no Myanmar, antigamente conhecido como Birmânia, e entre as principais diferenças e semelhanças com Goiás, Willander brincou que “o calor é o mesmo (risos), só que aqui chove. Em Goiânia, acho que nunca peguei um dia de chuva. Aqui em Myanmar, tal qual o Camboja, é um país que ainda sofre alguns reflexos por conta de um regime ditatorial. Pensar que há 10 anos você não conseguia comprar um chip para o seu telefone ou ter internet com facilidade”.

“De 10, 15 anos para cá começou a ter essa abertura, a abrir para o estrangeiro e o país entrou em um processo de desenvolvimento em todas as áreas. A nossa federação é presidida pelo vice-presidente da Confederação Asiática, que é um dos caras mais ricos do mundo, e está investindo muito forte na formação. Vejo perspectiva de crescimento a longo termo se continuarem esse trabalho, que no Brasil não precisa ser feito. A criança no Brasil joga bola, porque ela joga, não precisa de nenhuma incentivo externo. Aqui não, você precisa ofertar essa possibilidade”, destacou.

Laos

Antes do Myanmar, passou por Laos, “um país que nunca tinha ouvido falar antes. O futebol lá não é muito desenvolvido e, à época, quando recebi o convite, trabalhava na Tailândia, nas categorias de base do Buriram United, um time que tem uma estrutura para a base que vi em poucos clubes profissionais que trabalhei no Brasil. Só que não gostaria de seguir trabalhando na base, já que a minha carreira no Brasil foi de times profissional”.

“Por conta do idioma, que não falava em inglês na época, decidi pela experiência e para a aprendizagem. A medida que fiquei seguro da minha comunicação e da adaptação aqui no sudeste da Ásia, quando recebi esse convite para ir para o Laos, que era uma equipe profissional, decidir ir e me surpreendi. Era um time com estádio e centro de treinamento próprios, tudo de alto nível”, revelou.

Para o preparador físico, “foi um momento bacana, porque fomos campeões nacionais, com 22 jogos de invencibilidade, e chegamos na final de uma competição internacional, chamada Mekong Club, que perdemos para o Buriram (seu ex-clube). Foi a primeira vez na história do Laos que um clube chegou em uma competição internacional”. A competição, no caso, reúne os campeões nacionais do países banhados pelo rio Mekong – Camboja, Laos, Myanmar, Tailândia e Vietnã.

Camboja

Do Laos, acompanhou o treinador Leonardo Vitorino no Camboja, “uma experiência muito legal e a primeira seleção que tive a oportunidade de trabalhar, então é uma coisa que vai ficar marcado para sempre na minha história. O que me surpreendeu no Camboja foi a paixão do povo com a seleção. A liga não tem bastante público, mas nos jogos da seleção nacional é difícil ter menos de 40 mil espectadores. Ganhando ou perdendo, eles aplaudem e cantam, e foi bem bacana”.

“Vi um país que ainda está se reconstruído, e não fazem 50 anos que eles viveram o Khmer Vermelho, que foi um momento trágico, com um regime ditatorial que matou milhões de pessoas indiscriminadamente. É um país que ainda está se reerguendo e pude conviver com pessoas em que suas gerações sofreram perdas por conta desse regime. Então você consegue entender um pouco a realidade e as necessidades do país, e vê no futebol a esperança de muitos deles de tentar uma vida melhor”, acrescentou.

Vietnã

Quando se fala em Vietnã, a imagem da guerra, que aconteceu entre 1955 e 1975, ainda vem à mente “e eles são muito orgulhosos dessa guerra, diga-se de passagem. Quando fui para o Vietnã, acabei chegando por conta do meu trabalho no Camboja. Teve uma competição aqui em Myanmar que acabei conhecendo um profissional que se identificou comigo, gostou do meu trabalho e falou ‘um dia vou te ajudar’. Guardei isso no meu coração e esperei. Passou-se um ano e ele me ligou”.

O profissional, no caso, é o experiente treinador sul-coreano Park Hang-seo, conhecido pelos trabalhos de destaque na região. Ao perder o preparador físico Bae Ji-won, buscou um substituto brasileiro e lembrou de Willander, que destacou a sensação maravilhosa de ter trabalho no país e que “já cheguei para começar a preparação para a Copa da Ásia, que jogamos no começo ano passado, no Catar”.

“Quando cheguei, conversando com um dos diretores, falei ‘diferente do que experienciei na Tailândia, no Laos e no Camboja, vejo o jogador vietnamita mais centrado e mais forte mentalmente. O que acontece aqui no Vietnã, por que eles são assim?’. Ele falou ‘esse é o espírito vietnamita, porque somos orgulhosos de sermos quem nós somos, o único país no mundo que lutou uma guerra contra os Estados Unidos e venceu’”.

Ainda de acordo com Willander, “na minha primeira partida, na hora do início nacional – eu respeito o hino e coloco as minhas mãos atrás -, o treinador de goleiros me cutuca e fala ‘bota a mão no peito’. Essa atitude dele me fez, inclusive, a querer aprender o hino, porque iríamos para uma competição muito importante e queria cantar junto. Acabaram me ensinando, e não entendia nada, mas consegui e isso rendeu boas histórias”.

Passagem no futebol goiano

No Vila Nova, o trabalho liderado por Ademir Fonseca foi considerado heroico com a campanha que salvou a equipe colorada do rebaixamento para a Série C em 2010. Para Willander, “o Vila é um clube que gosto e grande parte das boas lembranças do meu passado profissional são dedicados ao Vila Nova, porque aquela campanha teve um sabor de título para mim”.

“Imagina você chegar na 16ª rodada, com 11 pontos para sair da zona de rebaixamento, em um clube que vivia problemas financeiros e com cinco treinadores, se não me engano. Chegamos em um sábado de madrugada para jogar de tarde contra o Bragantino, e o Ademir já decidiu ir para o banco. Tem uma história particular do Bruno Lopes, que na época era um jogador contestatídissimo e fez dois jogos naquele jogo e conseguimos ganhar”, lembrou.

Com seis vitórias seguidas e uma série de invencibilidade, o Vila Nova conseguiu sair da zona de rebaixamento, porém seguiu em posição perigosa. Mas como recordou o preparador físico, “no final, contra o São Caetano em um Serra Dourada lotado, com gols do Éberson e do Max Pardalzinho, vencemos e nos livramos. Foram momentos únicos, e lembro que chegamos sob o olhar de muita desconfiança, porque assumiu uma empresa na época que trouxe mais de dez jogadores”.

“Na nossa apresentação, os jogadores olhavam desconfiados para nós, mas conseguimos trabalhar. Entraram dois jogadores contratados, o lateral-direito Ivan e o meia Éberson, mas, no mais, quem jogava eram os que já estavam lá: o falecido Max, Cris, Jorge Henrique, Thyago Fernandes, Adílson, Juninho, David, Ceará, Bruno Lopes e Roni. É um time que tenho na minha cabeça, porque ficou marcado realmente”, destacou.

Em um breve retorno ao Brasil em 2018, pelo Ferroviário-CE, “foi gostoso reencontrar o Vila. Fomos fazer a Copa do Brasil, em que antes tivemos um jogo fantástico contra o Sport, de sair perdendo de 3 a 0, conseguir empatar e eliminar o Sport dentro da Ilha do Retiro nos pênaltis. Na sequência, o Vila Nova, em que empatamos em casa e vencemos por 1 a 0 no Serra Dourada. Foi um momento especial de reencontrar alguns amigos que deixamos em Goiânia”.

No Goiás, um ano depois, contudo, a comissão técnica de Ademir Fonseca não teve a mesma sorte. Para Willander, “foi um momento diferente. O Vila Nova, naquela época, lutava pela sobrevivência, e quando você luta pela sobrevivência os seus esforços são maiores. O Goiás, na época, lutava por uma reestruturação, de voltar ao lugar que não deveria ter saído, no caso a Série A”.

“Chegamos em um Goiás com muitos jogadores no departamento médico, jogadores importantes, especialmente no meio-campo. O Douglas jogava com um problema no púbis, tínhamos Marcelo Costa e Zé Antônio machucados, o Iarley com um problema no tornozelo. Enfim, não existiam muitas opções para o meio-campo, o Ademir observou um treino dos juniores e promoveu o Thiago Mendes à equipe profissional”, lembrou.

Apesar de revelar o volante maranhense, hoje consolidado no futebol europeu pelo Lyon-FRA, depois de passagens por São Paulo e Lille-FRA, “foram apenas cinco jogos. Tivemos problemas de ordem física e se você chega na Série B jogando terça e sexta não tem tempo de treinar e recuperar, o resultado não vem, então é normal que as mudanças aconteçam”.

“É a instabilidade do futebol brasileiro: em cinco jogos se mede o trabalho e não se analisa o rendimento e a metodologia, apenas os resultados. Resultados por resultados, não trazer sucesso longevo. É um sucesso, se acontecer, repentino e a curto prazo. Mas quando existe uma metodologia de trabalho e uma crença naquilo que está fazendo, naturalmente você conseguirá desenvolver melhor e alcançar boa performance a longo plano”, ponderou.

Confira um trecho da entrevista de Willander Fonseca ao repórter Rafael Bessa no programa Tom Maior