A Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae) retoma a luta pelo cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE) e a ampliação de investimentos. A entidade tem nova direção desde 19 de maio e o novo presidente, Luiz Dourado, aponta que, entre diversas metas, ponto fundamental é a execução de investimentos relativos a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. A atual diretoria comandará a instituição no biênio 2023-2025.

A medida é alvo da meta número 20 do PNE e aponta proporção justa entre o principal indicador de crescimento econômico no país e o avanço da educação desde a educação infantil até a pós-graduação. Segundo ele, “a garantia dos 10% do PIB para a educação nacional se coloca como questão crucial”. O pós-doutor em Ciência Sociais, pela Universidade de Paris, aponta que, sem os investimentos requeridos, “não podemos pensar em gestão democrática, participativa”.

“Nós não podemos pensar, por exemplo, no cumprimento do plano, entre outras, na universalização da educação básica, se nós não tivermos aliada uma melhoria da gestão, novos aportes de recursos”, completa. Luiz Dourado é professor emérito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e, entre tantos cargos, foi membro do Fórum Nacional de Educação e (FNE) Diretor da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC).

Cenário de luta

As pautas de reivindicação e debate da nova gestão na Anpae estão conectadas à transformação do cenário político e educacional no Brasil, depois da eleição presidencial de 2022. A luta por ampliação dos investimentos, por exemplo, volta a ter eco na administração pública federal, depois de teto, cortes e contingenciamentos aplicados desde 2016.

“Considerando a eleição de um governo do campo democrático popular e com a coalizão ampla, Anpae continua assumindo seu papel de lutas, de proposição, mas estabelecendo aí um diálogo”, considera o novo presidente. Luiz Dourado destaca a importância do Fórum Nacional de Educação, que volta a se reunir na próxima semana, em Brasília. “O FNE foi retomado na sua feição democrática. Portanto, ele voltou com a composição das entidades que tinha antes do golpe”, explica.  Confirma a entrevista exclusiva:

Primeiro, gostaria que o sr. explicasse: o que é a Anpae?

A Anpae, Associação Nacional de Política e Administração da Educação, é uma entidade sem fins lucrativos, de utilidade pública, de natureza acadêmica, no campo da política e da gestão da educação. Uma entidade com a história já de 62 anos e tem sua história marcada pela defesa do direito à educação com qualidade e tem uma participação muito ativa no monitoramento, acompanhamento, avaliação e proposição de políticas e práticas de gestão democrática na educação nacional. Então, pensando tanto a educação básica quanto a educação superior, o alinhamento desta entidade é para tratar políticas de gestão da educação.

Ela é a entidade representativa mais antiga da América Latina, no setor da Educação. Como foi a criação da associação lá em 1961?

Bom, isso é interessante porque nós vamos ver na Anpae, inicialmente, o interesse de um grupo de especialistas, à época especialistas em administração da educação. Então, a entidade vai sofrendo alterações. Ela começa como uma entidade de um grupo de especialistas em administração escolar, que era a antiga habilitação. Depois, com as mudanças na própria legislação, na configuração, ela vai assumir uma configuração mais abrangente, tratando das políticas e gestão da educação e não somente das questões atinentes à administração escolar. É até importante dizer que o próprio conceito vai sofrendo uma complexificação, uma vez que a ideia da administração não dá conta das diferentes frentes. No Brasil, inclusive considerando as lutas pela democratização das instituições de educação básica, a educação superior, a gestão assume uma configuração muito grande e passa a ser adjetivada como a gestão democrática, uma gestão participativa. E isso leva também com que a Anpae amplie os seus horizontes enquanto uma entidade de estudos, de pesquisa e de proposição no campo das políticas. Aí, obviamente, recortando a sua ação em relação às políticas de gestão da educação.

O slogan da campanha que o levou à presidência da Anpae foi: “Luta e resistências, propositiva”. Qual é o cenário em que o senhor assume a associação? Ou seja, qual era a atuação até o fim do ano passado, com o governo Bolsonaro, e qual é o cenário agora para a entidade?

Isso é importantíssimo, porque eu acho que nós vamos ter que recuperar um pouquinho antes de, digamos, do golpe de 2016. A Anpae sempre teve uma atuação muito presente na avaliação, como eu disse, na proposição de políticas. Então, participando do Fórum Nacional de Educação e da luta em outras instâncias. A Anpae já teve assento no Conselho Nacional de Educação. E o que a gente vai identificar é que o golpe de 2016 leva a um conjunto de inflexões. Particularmente, o último governo foi pautado pela ausência de participação. Então, a Anpae, durante esse período do pós-golpe e a partir da intervenção unilateral do Ministério da Educação no Fórum Nacional de Educação, faz parte de um conjunto de entidades que cria o Fórum Nacional Popular de Educação. Então, a ação dela vai ser uma ação de luta e de proposição, como foi na história da entidade. Mas, obviamente, nesse período, com muitos retrocessos nas políticas e na gestão, na implementação do Plano Nacional de Educação, ela vai ter uma atuação de luta conjuntamente às 45 entidades do Fórum Nacional em defesa da Democratização do Estado, das Políticas Públicas e da Educação.

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Foto: Professor Luiz Dourado assume presidência da Anpae para o biênio 2023/2025. (Crédito: Sagres Online)
E sobre o cenário atual?

No cenário atual, e considerando inclusive a eleição de um governo do campo democrático popular e com a coalizão ampla, a entidade continua assumindo seu papel de lutas, de proposição, mas estabelecendo aí um diálogo. A Anpae já faz parte do Fórum Nacional de Educação, que foi retomado na sua feição democrática. Portanto, ele voltou com a composição das entidades que tinha antes do golpe. O Ministério da Educação, então, tem uma atuação muito forte e entende que a perspectiva da luta é a defesa dos direitos sociais, da educação, da educação básica, da educação superior com qualidade e, portanto, da democratização dos processos de gestão e de participação nessas instituições. É fundamental, então, essa uta pelo redirecionamento das políticas de gestão da educação, por exemplo, particularmente desde o Plano Nacional de Educação (PNE) como epicentro das políticas educativas. Ou seja, este plano, que tramitou durante quase quatro anos no Congresso Nacional, que recebeu quase 3 mil emendas e que foi totalmente secundarizado pelo último governo.

Mas o PNE ainda tem essa importância? Afinal o prazo para atendimento das metas já termina em 2024.

Ele precisa estar no centro da ação das políticas educativas e, ao mesmo tempo, é preciso fazer cumprir esse plano, mas que já está aí na sua reta final. Vai até 2024, mas já em 2023, a Anpae já está participando de grupos de trabalho para pensar o novo Plano Nacional de Educação e um conjunto das próprias metas deste plano que não foram efetivadas. Então, há um entendimento da nossa entidade, historicamente, de que precisamos, sim, cada vez mais, defender esse projeto democrático de nação e ele só se efetiva com a garantia dos direitos sociais. E é aí, no campo educacional, a nossa defesa. Nós saímos de políticas de governo para políticas de Estado, para um planejamento com participação, um investimento público que de fato consolide estratégias para garantir uma educação pública popular, com gestão pública, gratuita, laica, inclusiva, democrática, de qualidade social, que são referenciais históricos da entidade.

Entre objetivos tão amplos e abrangentes, um ponto específico prioritário é a luta pelo investimento referente a 10% do PIB?

Você toca num ponto crucial. De fato, nós entendemos que a expansão do financiamento público da educação e o cumprimento da meta 20 do Plano Nacional de Educação, de ampliação do investimento público na educação pública, ou seja, a garantia dos 10% do PIB para a educação nacional, se coloca como questão crucial, até porque sem isso nós não podemos pensar em gestão democrática, participativa. Nós não podemos pensar, por exemplo, no cumprimento do plano, entre outras, na universalização da educação básica, se nós não tivermos aliada uma melhoria da gestão, novos aportes de recursos. E o que que houve no pós-golpe? Houve um congelamento dos recursos para educação, em alguns casos até retrocessos nesses recursos. Então, retomar este marco é fundamental.

Quais são outras pautas consideradas metas de luta da atual gestão da Anpae?

Nós temos aí um conjunto de outras questões, quer dizer, para garantirmos também conselhos de controle social e popular, para que você tenha a efetiva implementação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica. O Fundeb não materializa a discussão do custo aluno, qualidade, e todas essas questões articulam gestão e financiamento. É falso o discurso de que nós não precisamos de mais recursos para a educação, de que basta melhorar os processos de gestão. Eu quero dizer que nós temos sim, que cada vez mais melhorar os processos de gestão, no âmbito dos Estados, Federal, nos municípios, mas nós temos que ter novos recursos face aos desafios que temos para garantir, inclusive a universalização da educação básica, que já foi definida a Emenda Constitucional 59 de 2009. Ela ampliou a educação básica obrigatória no Brasil, que era somente o ensino fundamental. Era expandir a educação básica obrigatória, agora de 4 a 17 anos, então envolvendo a pré-escola, o ensino fundamental e também o ensino médio, garantindo a sua universalização até 2016. Então, para fazer valer a dívida histórica do Estado brasileiro com a garantia de educação de qualidade, com a universalização da educação básica, mas não somente isso. Nós vamos garantir também a universalização da educação básica no campo, nas cidades, com as populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas, com suas especificidades. Não basta só a educação básica obrigatória, essa é fundamental, um preceito constitucional fundamental. Mas é preciso também garantir a expansão da educação superior e da pós-graduação. Então, daí a centralidade da defesa de uma luta histórica a Anpae e de um conjunto das entidades do campo, pelos 10% do Produto Interno Bruto para a educação nacional.

Qual é hoje a proporção do investimento em educação em relação PIB?

A meta do Plano Nacional de Educação foi escalonada estabelecendo uma saída que estava na ordem de 5% do PIB, de modo que chegássemos nos 10% até o fim do prazo. Em 2014já se praticava 5,2% do PIB da educação nacional para chegarmos a 2024 com 10% do PIB. O que é que houve no pós-golpe? Como eu disse, o congelamento e em alguns casos até retrocessos. Então nós continuamos aí com 5,3% do PIB pra educação nacional. Então, é preciso dobrar esses valores e para isso a educação precisa ser uma prioridade nessa luta. Senão nós vamos criar um novo Plano Nacional de Educação e ele não vai se efetivar, não vai se materializar, porque é preciso recurso para fazer valer a expansão requerida pelo plano.

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Foto: Luiz Dourado em entrevista ao Sistema Sagres, em 2022. (Crédito: SagresOn)
Que tipo de expansão, por exemplo?

Isso implica, como nós já falamos, a educação básica obrigatória, mas implica também a educação de tempo integral. Expandir a educação de tempo integral, garantir processos formativos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) com qualidade. A especificidade da educação quilombola e indígena. A educação superior. Então, os desafios são enormes e para isso há necessidade, sim, de nós saímos deste patamar. É importante dizer que este governo já estabeleceu um conjunto de movimentos visando alguma recomposição, inclusive dos recursos. Foi o esforço do governo ainda na transição. O presidente Lula ainda não havia sido eleito e nós tivemos alguma recomposição de recursos, tanto para educação básica quanto para educação superior. Mas, então, urge retomarmos isso com a centralidade necessária. E penso que a construção do novo Plano Nacional de Educação pautará certamente essa demanda histórica.

E como a Anpae avalia, com a visão de gestão e de política educacional, esse debate sobre o novo ensino médio? As alternativas entre o antigo ensino médio, a proposta efetivada no governo Temer e agora essa questão de suspensão ou revogação. O que será do ensino médio no Brasil?

Essa questão é super importante. E a Anpae tem participado inclusive de audiências públicas. Eu estive na semana passada no Senado Federal e a nossa proposição é a defesa de uma política nacional para o ensino médio. Nós entendemos que não é aceitável a reforma daquela maneira. Com os limites e com a redução da carga horária para a formação geral. Além dos itinerários formativos que de fato nem qualificam para a educação superior nem para uma formação profissional consequente. Então, o nosso entendimento é de que é preciso avançar. É preciso revogar essa reforma e é preciso construir uma política nacional. E aí eu quero dizer que essa não é uma posição de voltarmos àquele ensino médio. Já sabemos a nossa posição. Ela está ancorada, por exemplo, nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2012, que não foram tiveram implementação. Então é possível pensar dinâmicas formativas que dialoguem e que permitam uma boa formação aos estudantes. Garantindo o direito constitucional, que é de uma formação não somente para o trabalho, mas para a cidadania, uma formação ampla. E nós apostamos muito no protagonismo juvenil, não esse protagonismo dos receituários meritocráticos de um conjunto de itinerários formativos. É preciso, sim, enfatizar o protagonismo. É preciso articular uma formação básica com uma formação diversa, mas isso é como uma política geral. No caso do ensino médio, ela se restringiu ao currículo e não considerou a realidade sequer das instituições que nós temos. Nós sabemos que mais de 80% do ensino médio é pelas redes públicas estaduais. É preciso toda uma política nacional, inclusive de apoio, de assistência técnica e financeira, para a garantia de um ensino médio de qualidade.

Obrigado, professor, pela entrevista. A educação é uma pauta muito importante para a Sagres e a presença do sr. também é sempre muito importante. Obrigado pela conversa, até mais.

Eu agradeço muito, pois eu fico muito feliz porque vocês são muito consequentes na discussão, então é muito bom. Eu quero saudar a equipe Sagres por esse trabalho e dizer que a Anpae tem reconhecimento pelo trabalho que vocês desenvolvem. Muito obrigado.