Na última quinta-feira (30 de março), o Governo Federal divulgou o novo arcabouço fiscal em substituição ao teto de gastos, medida implantada em 2017 durante a gestão do presidente Michel Temer e que ainda se encontra em vigor.

A intenção é que o novo arcabouço fiscal comece a ser analisado no Congresso Nacional nos próximos dias, logo depois da páscoa. Em seguida deve ser votado por deputados e senadores. Em Brasília, a expectativa é grande por parte do Governo Lula para que o projeto seja aprovado, afinal, como disse Fernando Haddad, ministro da Fazenda, “é a chance, a partir dessa regra, de construir uma base fiscal sólida para o estado brasileiro”.

Mas o que é o arcabouço fiscal? Para que serve? No dia a dia, como mães e pais de famílias podem se beneficiar com essas novas regras para a economia brasileira?

Economista Júlio Paschoal

“Nada mais é do que um conjunto de regras que o governo coloca pra poder gastar”. Assim explicou, resumidamente, economista Júlio Paschoal, professor da UEG – Universidade Estadual de Goiás. Mas é claro que existem mais detalhes que ajudam a definir o que, de fato, pode mudar. Aliás, uma breve comparação com a famosa “economia do lar” também ajuda a entender o que é o arcabouço fiscal.

“Claro que o Governo não é como na nossa casa, mas ele deve fazer o dever de casa. O ideal é que se você ganha 10, deve poupar pelos menos 30% e jogar a nossa despesa nesse contexto. Quando a gente não cumpre isso, temos que ir para o cheque especial, aí não é uma coisa boa. Já no governo não dá pra ser exatamente zerado, porque tem o compromisso de prestar serviços para a sociedade sem fins lucrativos com recursos ou não”, completou o economista.

Pontos da proposta

Em resumo, a proposta do novo arcabouço fiscal chama a atenção nos seguintes pontos:

Prevê um superávit primário com o compromisso de zerar o déficit a partir de 2024 e atingir um superávit primário a partir de 2025.

Também indica crescimento da despesa entre 0,6 e 2,5% ao ano em relação ao atual teto de gastos. A regra atual permite a variação de acordo com a inflação, sem crescimento real. O crescimento das despesas na nova regra, estará limitado a 70% da variação da receita do ano anterior.

“Tínhamos antes um teto de gastos, mas ao meu ver ele foi se perdendo no tempo porque não foi ajustado e inviabilizava o governo do Bolsonaro como o próprio governo Lula. Então essa nova regra fiscal criada pelo ministro Haddad pra que o Governo demonstre para o mercado, principalmente para o Banco Central, que embora ele tenha investimentos a fazer nas áreas social e econômica, ele deve ter responsabilidade. Procura colocar a despesa praticamente dentro da receita. Esse é o ponto principal”, analisou o economista Júlio Paschoal, que ainda elogiou outras metas estipuladas pelo Ministério da Fazenda.

“O que é importante também, é que neste arcabouço busca a redução do déficit fiscal. Foram criadas metas factíveis. No primeiro ano, 0,5% do PIB, para o segundo ano entre 0,5 a 1%, enquanto que no terceiro ano entre 1 e 1,15%, então com um PIB de mais de 9 trilhões, desde que isso seja bem gerido, dá pra fazer essa redução do déficit e sua quitação sem engessar o governo. E o principal: investir em áreas importantes como educação saúde e infraestrutura”.

Despesas

De acordo com Paschoal, analisar o novo arcabouço fiscal a partir da redução das despesas, pode tornar a missão de equilibrar a economia um pouco menos complicada.

“Pra ficar nos 70% é preciso ser feito um esforço. O ministro Fernando Haddad deve buscar algumas receitas que não estão vindo em função de isenções que foram dadas pelo governo anterior. Como exemplos, o e-commerce e as apostas que não são tributados. Mas é claro que quem mexe com o e-commerce vai entrar na justiça pra diminuir a tributação ou pelo menos ganhar tempo. Então não tem como pegar essa receita extra que ele está pensando em receber e achar que isso vai acontecer da noite para o dia. Ele tem de atacar a despesa. Se o esforço do governo der certo, já vamos ter um ganho de 30%”, ponderou o economista, que foi claro quanto ao que deveria ser feito para redução das despesas na máquina pública.

“A melhor forma para reduzir a despesa seria com uma reforma administrativa séria. As reformas que assistimos ao longo do tempo pegam apenas os funcionários que ganham menos. É preciso cortar na carne nos poderes executivo, legislativo e judiciário. Tem espaço para cortar despesas nos salários e na estrutura também”.

Penalidades

Ao mesmo tempo que elogiou a meta de 70% da arrecadação para as despesas, Júlio Paschoal também fez um alerta sobre o não cumprimento das metas e os problemas que pode acarretar.

“Se o Governo derrapar e gastar mais de 70%, no ano seguinte ele só pode gastar 50%. Se no outro ano ele repetir, só pode gastar 30%. O arcabouço faz uma ligação entre as lei 4.320/64, a Lei Orçamentária, com a lei 101/97, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz que só pode ser empenhado o que você tem de recurso e não pode empenhar para o ano seguinte criando o “restos a pagar”, o que é comum na administração pública do Brasil. Aí vira uma despesa de exercício do ano anterior e gera os problemas que estamos acostumados a assistir”.

Setores prioritários

Os investimentos em educação e saúde não serão limitados com base no novo arcabouço fiscal. Segundo Paschoal, uma decisão correta do atual governo.

“Nesse ponto eu concordo plenamente com o atual governo. Não podemos ter educação e saúde como despesas, até porque temos uma defasagem de mais de 22 anos no SUS, além de um problema em que devemos ajustar as etapas da educação: fundamental 1 e 2, médio e o superior. Assim, entendo que a educação e a saúde permanecerem em 100% está perfeito. Tirar 30% de possíveis gastos de outras receitas, já nos dá um ganho fiscal sem operar o arcabouço”.

Fiel da balança e programas sociais

Sempre um ponto polêmico: o pagamento dos programas sociais prometidos durante a última eleição presidencial não deve ser um problema para a execução do novo arcabouço fiscal. Júlio Paschoal considera que a estabilização monetária será o fiel da balança para que as novas medidas tenham sucesso, especialmente porque o governo sinaliza com as novas propostas, se preocupar mais com as despesas do que com as receitas.

“Olha que sou um cara cético, mas como ataca a questão da despesa e eu sei que não dá pra pensar muito em receita, acredito que vamos conseguir mostrar no mercado e para o Banco Central, que poderemos criar um viés sobre a redução da taxa de juros e que o crescimento do país pode acontecer pela produção e não pelo aumento da carga tributária”, disse o economista, que foi direto: não tem como ter uma economia forte sem regras.

“O arcabouço influencia em tudo. A gente deve ter regras. A definição de economia é como uma ciência social que estuda a produção, distribuição e o consumo de bens ou serviços em um ambiente de escassez. E hoje temos escassez de fatores de produção que multiplicam a economia, como terra, capital, trabalho, tecnologia e unidades de produção. Não há mágica, ter gestão é muito importante para o alcance dos resultados em prol da população. Então, se nós não tivermos responsabilidade fiscal, piora para todo mundo”, finalizou.

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