Um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) destaca que o Teto de Gastos, implementado em 2016, e seu sucessor, o Novo Arcabouço Fiscal de 2023, comprometeram as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2014-2024. Segundo a pesquisa, além de não atingir os objetivos na educação básica, alguns indicadores apresentaram retrocesso.
A assessora política do Inesc, Cleo Manhas, afirma que de alguma maneira “regras fiscais rígidas sempre impedem o crescimento das despesas correntes líquidas, como saúde e educação. Durante a vigência do Teto de gastos, nós vimos a educação perder recursos ano a ano, e isso afetou não só o orçamento federal quanto os orçamentos dos estados e municípios”.
Manhas argumenta que a educação brasileira sofre com políticas de austeridade, que, em suas palavras, “não se justificam no cenário macroeconômico atual, que é relativamente estável”.
“Nós precisamos de menos austeridade e mais políticas sociais. Gasto com a educação não é gasto, é investimento. É comprovado que o gasto com a educação gera ganhos com relação ao Produto Interno Bruto e movimenta a economia do país. Só o investimento público em políticas sociais reduz as desigualdades”, afirma.
Investimentos e dívida pública
Ela defende que apenas uma decisão política pode garantir um investimento adequado na educação. “Se fala sempre em reduzir os investimentos da educação e saúde. Mas ninguém diz que os juros altos do Banco Central pressionam a dívida pública e que quase um terço do orçamento vai para o pagamento da dívida. Por que isso não é discutido? E a gente só discute redução dos recursos para educação?”, questiona a assessora.
Em 2022, o governo federal destinou R$ 1,879 trilhão ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, representando 46,3% do Orçamento Federal Executado, conforme dados da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD). Em 2023, os valores alcançaram R$ 2,010 trilhões de um total de R$ 5,201 trilhões.
Para 2024, foram reservados R$ 1,746 trilhão de um total de R$ 5,5 trilhões aprovados. Já o Ministério da Educação conta com cerca de R$ 180 bilhões. “É fato que o orçamento de hoje para educação não é suficiente. Nós precisamos de mais recursos para o cotidiano da educação e para investimento em infraestrutura, que está muito defasada na maior parte dos lugares desse Brasil”, afirma Canhas.
Análise
O estudo comparou os recursos destinados à educação básica pública entre 2019 e 2023 em todos os 26 estados e no Distrito Federal, utilizando o indicador Custo Aluno Qualidade (CAQ). Este indicador, criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, calcula o valor necessário por estudante para garantir uma educação de qualidade.
“O que nós percebemos, quando comparamos o que se gasta e o valor calculado pelo CAC, é que estamos distantes do ideal. Nós não temos nem o mínimo para o cotidiano, quem dirá para o investimento em infraestrutura”, afirma Canhas.
Entre 2019 e 2021, apenas sete estados investiram acima da média nacional de aproximadamente R$ 5 mil por aluno. Em 2022, este número subiu para 14 estados devido ao aumento das emendas parlamentares em ano eleitoral. Em 2023, houve um novo aumento nos investimentos estaduais devido ao intervalo entre o fim do Teto de Gastos e a implementação do Novo Arcabouço Fiscal.
O Rio Grande do Sul, Maranhão e Alagoas apresentaram as maiores discrepâncias entre o investimento real e o necessário, com investimentos por aluno significativamente abaixo do ideal calculado pelo CAQ.
Distorções
Os estados do Norte e Nordeste, que investiram menos em educação, registraram as maiores distorções entre a idade dos alunos e a série escolar. Além disso, estudantes negros e indígenas foram os mais afetados pela falta de orçamento.
Estados como Amazonas e Mato Grosso do Sul, com grande população indígena, e Rio de Janeiro e Bahia, com alta proporção de estudantes negros, gastaram abaixo da média nacional e apresentaram as maiores taxas de distorção idade-série.
“A situação se agrava ainda mais se pensarmos que os recursos dispendidos para a educação pública no Brasil também devem buscar corrigir a dívida educacional com as gerações passadas, bem como resgatar estudantes em idade escolar que evadiram da educação básica”, lamenta Cleo.
“Esse estudo mostra que o argumento de que a escassez de recursos melhora a sua alocação é frágil. Na verdade, regras rígidas prejudicam o financiamento de áreas importantes para o país, que não possuem lobby financeiros a seu favor, como é o caso da educação”, conclui.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade
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