Quando vi Guilherme jogar pela primeira vez, tinha 9 anos. Me encantei com com aquele negrinho rápido, que realizava jogas espetaculares, com dribles desconcertantes e belos gols. Era 1969, ele já tinha dois anos de Vila Nova e já era o que ainda é hoje, o maior ídolo da história do Clube. Naquele dia só fui capaz de ver a genialidade de um atacante que não tomava conhecimento dos marcadores, não tinha paredes, só horizontes.

Depois mais tarde, já na condição de jornalista esportivo, fui pesquisar mais sobre aquele Vila Nova, campeão goiano de 69 e descobri que do meio campo pra frente era composto por grandes jogadores: Zé Geraldo e Mosca. Sabará, Haroldo, Guilherme e Helvécio. Uma constelação, mas o astro rei era Guilherme. O companheiro José Carlos Rangel já atuava na crônica esportiva naquela época e me contou que Guilherme estreou no Vila juntamente com o Goleiro Bajoso e o volante Zé Geraldo, num jogo fora de casa contra o São Luiz. Perdeu o jogo. Mesmo desentrosado com os companheiros Guilherme foi destaque na partida, mas não deu conta de segurar o adversário.

Na sequência o Vila Nova fez um amistoso, para apresentar à sua torcida, os novos contratados. O adversário foi o Vasco da Gama, que tinha na época a dupla de zaga considerada como a melhor do futebol brasileiro: Brito (tricampeão com a Seleção Brasileira em 70) e Fontana. Guilherme estragou o prestígio da dupla. Chegou a fazer uma jogada na área adversária em que os dois super zagueiros trombaram de frente e ele saiu com a bola dominada. O Vila venceu o jogo e Guilherme se apresentou aos vilanovenses.

Só conheci Guilherme pessoalmente bem mais tarde, na década de 2000. Fui cumprir uma pauta sobre os preços das verduras que disparou, para a TBC, na CEASA. Me encontro com Walmor Oderdeng, conselheiro vilanovense, que mantinha um lar de idosos e recebia algumas doações de verduras e frutas de permissionários daquele lugar e estava lá para recolher as doações.

Conversava com Walmor justamente sobre o Vila Nova e ele apontou um negrilho, já grisalho com uma caixa nas costas e me perguntou: “Sabe quem é aquele?”, respondi que não. Ele completou: “O maior jogador do Vila Nova de todos os tempos”, respondi: “Guilherme. Me apresenta a ele”. Fomos até a banca onde ele deixou a caixa e finalmente conhecia o sujeito que emprestava o corpo para Deus vestir a camisa 9 do Vila Nova. Tinha um rosto sofrido, olhar fundo e tristonho, estava magro e falava baixo, com o olhar divagando. Disse que já me conhecia da televisão e quando perguntei sobre o Vila, me respondeu: “Devo tudo o que vivi e o que sou ao meu Vila Nova”.

Materialmente falando, a vida o colocou num posto digno, mas de pouca relevância social, num mundo capitalista; mas historicamente falando, seu lugar é no pódio do futebol goiano. Ele, no entanto é grato pelo que é. Guilherme jogou em uma época em que até os gênios como ele eram mal remunerados, nota que ele não guardou nem o pouco do dinheiro ganho no Vila Nova, mas guardou a gratidão, que as pessoas verdadeiramente grandes cultivam, e no mais é como disse Machado de Assis, o maior escritor da língua portuguesa de todos os tempos: “O dinheiro não traz felicidade a quem não sabe o que fazer com ele”.

Guilherme soube jogar futebol, levantar a torcida fazendo sua alegria, mas quem desfruta da sua convivência sabe que ele nunca soube lidar com o dinheiro.

Nesta quinta feira, 25 de junho, Guilherme completou 74 anos. Dignamente o Vila Nova o presenteou com algo que tem valor imensurável para ele, uma camisa oficial do Clube, com o número 9 às costas, seu nome gravado acima do número e embaixo bem destacado está: #Lenda.

Coube ao técnico Bolívar a honra de entregar o presente: “Obrigado por tudo o que o senhor fez pelo Vila Nova”, disse o técnico, que ainda contou ao craque que seu pai, jogou com o irmão de Guilherme, Tarcísio, no Grêmio de Porto Alegre.

Os olhos fundos e tristonhos de Guilherme brilharam ao ver o presente e faz sentido porque aquela camisa tem a ver com tudo o que ele acha que valeu a pena. A iniciativa de presentear o Guilherme no seu aniversário foi do presidente vilanovense, Hugo Jorge Bravo. Mesmo reconhecendo que a atitude é elogiável eu acho que ele merece mais… merece ter um busto no Estádio Onésio Brasileiro Alvarenga. Mas para quem acha que aquela camisa tem tudo a ver com tudo que ele vale a pena, sem dúvida justifica a felicidade no olhar.

Outro grande escritor da língua portuguesa, o lusitano Fernando Pessoa disse com propriedade em um dos seus versos: “Às vezes ouço passar o vento, é só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”.

Viva você, Guilherme, e obrigado por tudo o que você representa.