Os últimos meses não foram fáceis para quase ninguém ao redor do mundo. Para os italianos, em especial, um período extremamente doloroso diante da situação crítica do seu sistema de saúde em decorrência da pandemia do novo coronavírus e os milhares de mortos por causa da covid-19. Enquanto torcemos para não haver uma segunda onda de contaminação, o mês de junho tem sido uma época de recuperação para o belpaese.

Em Bérgamo, lar de cerca de 120 mil pessoas, o povo bergamasco viveu extremos muito distintos. Da euforia do sucesso internacional do clube da cidade, a Atalanta, ao completo caos do seu sistema de saúde, até então considerado referência na Itália. Um local histórico da região da Lombardia, a 40 km da capital Milão, e parte do centro industrial italiano, Bérgamo virou o epicentro do coronavírus no país e, consequentemente, do mundo em março.

O surto do vírus sobrecarregou os hospitais da cidade, que em um certo momento não conseguiam mais cobrir a necessidade de unidades de terapia intensiva (UTI) por causa dos pacientes com covid-19. O sistema funerário, desde as funerárias até os cemitérios, também não supriam mais a demanda. As imagens de caminhões militares carregando caixões para outras cidades, no auge da pandemia em Bérgamo, na segunda quinzena de março, ainda deixam marcas profundas.

Em meio a isso, já é um momento mais controlado, embora ainda muito assustador, a Atalanta tem uma função primordial para resgatar o espírito de luta dos bergamascos. Afinal de contas, o futebol vai muito além de um esporte que entretém milhões de pessoas. Ele tem o seu lado profissional e financeiro, muito importantes, mas também a sua parte social. No caso de Bérgamo, a Atalanta se tornou a grande marca da cidade.

A ‘Dea’ – “deusa”, em tradução do italiano, apelido do clube, que carrega o nome da deusa grega – não é um clube de conquistas expressivas como os vizinhos de Milão, Inter e Milan. Porém, além de ser um dos principais clubes da Lombardia, é também considerada a ‘rainha das equipes provinciais’, ou seja, que não estão situadas em capitais de regiões. Nesse grupo, a Atalanta é quem mais disputou a Serie A, a primeira divisão do Campeonato Italiano, com 59 participações.

Embora nunca tenha conquistado o scudetto – o título atribuído ao campeão italiano -, detém o recorde de promoções da segunda para a primeira divisão. Ao lado do Genoa, com seis conquistas, a Atalanta é também o clube com mais títulos da Serie B, e tem ainda um troféu da Copa da Itália. Referência na revelação de jogadores, foi o lar de uma dos maiores craques da história do futebol italiano, o líbero Gaetano Scirea.

Hoje, através do trabalho desenvolvido por Mimo Favini, ex-jogador do clube nos anos 1960 e que foi o responsável pelas categorias de base da Atalanta entre as décadas de 1990 e 2010, até a sua morte no ano passado, a estrutura dos nerazzurri é considerada a melhor da Itália e uma das principais da Europa. Somado a isso, a gestão responsável do empresário Antonio Percassi, também ex-jogador atalantino.

Depois de um parêntese nos anos 1990, Percassi retornou para o principal cargo executivo do clube em 2010, e ocupa a presidência desde então. Dono de uma série de centros comerciais na região e representante de grandes marcas de roupas e cosméticos, é um dos principais empresários e um dos homens mais ricos da Itália. Apesar disso, o crescimento da Atalanta é saudável e não depende apenas dos investimentos do conglomerado de seu presidente.

Em 2017, a Atalanta conseguiu comprar da prefeitura o estádio da cidade, agora renomeado Gewiss Stadium. No ano passado, a primeira etapa da reforma da arena foi concluída, o setor norte, chamado de curva nord, onde ficam os ultras nerazzurri. Nesta semana, começaram os trabalhos na entrada principal e na arquibancada oeste, na rua Giulio Cesare.

Casa de grandes jogadores brasileiros no seu passado, como Dino da Costa, Sergio Clerici, Evair e Alemão, a Atalanta conta com Rafael Tolói desde 2015. O zagueiro revelado pelo Goiás, onde jogou entre 2007 e 2012, além de também ter passado por São Paulo e Roma, hoje é um dos líderes do time e vice-capitão do clube, com mais de 150 partidas e cinco temporadas em Bérgamo.

Referência no sistema de Gian Piero Gasperini, Rafael Tolói foi um dos que mais cresceu desde a chegada do treinador, em 2016. Gasperini é tido como a principal força da Atalanta, que conta no seu ataque com os protagonistas Josip Iličić, Papu Gómez e Duván Zapata, elevando o patamar do clube na Serie A e também levando a resultados inéditos em competições nacionais e internacionais.

Depois do quarto lugar na liga italiana na primeira temporada, em 2016-17, o time de Gasperini foi semifinalista, em 2018, e finalista, em 2019, da Copa da Itália. Na Serie A, na temporada passada, teve a melhor posição na história do clube com o terceiro lugar, que rendeu também uma vaga inédita na fase de grupos da Liga dos Campeões. Este ano, ocupa a quarta colocação da Serie A, com 54 pontos em 27 jogos, e caminha para mais uma classificação europeia.

Já na Liga dos Campeões, no Grupo C, eliminou Shakhtar Donetsk e Dinamo Zagreb e avançou de fase junto com o Manchester City. Nas oitavas de final, deixou o Valencia para trás com uma vitória de 8 a 4 no agregado. Na Itália, goleada por 4 a 1 – jogo que acabou sendo um dos principais focos de proliferação do coronavírus na região, quando mais de 40 mil bergamascos foram para Milão ver o jogo no San Siro. Na Espanha, novo triunfo por 4 a 3. O time agora aguarda o retorno da competição em agosto para continuar fazendo história.

Da euforia total no triunfo na Liga dos Campeões, Bérgamo, em menos de um mês, chorou. Três meses depois, volta a sorrir, porque, mais uma vez, a Atalanta carrega a cidade. Com o retorno da Serie A, os nerazzurri voltaram com uma goleada de 4 a 1 sobre o Sassuolo e buscaram uma importante virada sobre a vice-líder Lazio. Depois de sair atrás por 2 a 0, virou para 3 a 2 em sua casa.

Além das vitórias, a Atalanta chama atenção pelo futebol agressivo e ofensivo, não à toa é um dos ataques mais prolíficos da Europa, com 94 gols em todas as competições. Na Serie A, são 77, e sua última derrota aconteceu em janeiro. Desde então, são nove jogos de invencibilidade, com sete vitórias seguidas, e 35 gols marcados – uma média de quase quatro gols/jogo. Nesta temporada, o time de Gasperini registrou placares como 7 a 1, 5 a 0, 7 a 0 e 7 a 2.

Luca Percassi, diretor executivo da Atalanta, afirmou depois do jogo contra a Lazio que “viver esta Atalanta é um modo de se recuperar. Essas vitórias chegam depois de um período de incógnitas para todo o futebol e em um momento difícil, sobretudo para Bérgamo”. Sobre o sucesso do clube, ressaltou que “não temos segredos, simplesmente trabalhamos. Somos pessoas do futebol e a diretoria busca errar o menor possível. Não pensamos em ser melhor ou pior que os outros, somos contentes daquilo que estamos fazendo e devemos continuar assim”.

Clara Albuquerque, companheira no podcast Calciopizza, do projeto Footure, além de correspondente do Esporte Interativo na Itália, destacou que “a sensação é muito grande de um país se recuperando. Inclusive, no início das conversas de volta do futebol, era um assunto muito delicado. O futebol faz parte da sociedade, mas foi a última coisa, dentro das possíveis, a voltar. Era muito delicado, porque tinha uma sensação de que as outras coisas precisavam voltar, mas o futebol era só a parte do entretenimento, e sabemos que não é”.

“A Atalanta teve esse papel de fazer parte da recuperação da cidade e mostrar que, não só no entretenimento e no negócio, a força da cidade. É um momento de que o pior já passou, e tem um sentimento de que não está tudo bem ainda, mas existe um depois. A Atalanta mostra isso, pensando pelo lado do futebol, de uma forma muito bonita. Representa muito esse momento de que não ficou tudo bem, mas temos para onde ir daqui para frente e tem sido muito bonito acompanhar”, completou a jornalista.

A outra Serie A

No último texto publicado aqui no blog, falei sobre a crise de identidade da Juventus e o choque de Maurizio Sarri com o elenco bianconero, o que colocava em xeque o futuro do treinador no clube e até mesmo o nono scudetto consecutivo da Serie A. Nesta semana, contudo, tivemos a realização da primeira rodada completa da Serie A desde fevereiro – a rodada 24, disputada entre os dias 15 e 17 – e o cenário mudou a favor dos juventinos.

Não completamente, porque a equipe de Turim não teve um bom desempenho contra o Bologna fora de casa, porém fez o suficiente para garantir uma vitória por 2 a 0, com gols de Cristiano Ronaldo e Paulo Dybala no segundo tempo. Porém, os tropeços de Lazio e Inter ampliaram a margem de vantagem da Juventus na liderança. São 66 pontos, quatro a mais que o time da capital e oito a mais que os rivais de Milão. Restam 11 rodadas.

Se as quatro vagas para a Liga dos Campeões parecem bem consolidadas por Juventus, Lazio, Inter e Atalanta, a briga segue quente nas outras competições dentro da Serie A. Para a Liga Europa, o Napoli já tem um lugar garantido por ter conquistado a Copa da Itália na semana passada. Como está atualmente na sexta posição, com 42 pontos, o sétimo lugar garante uma vaga extra no torneio internacional.

Acima dos napolitanos está a Roma, com 48, que ainda mantém um sonho, embora improvável, de encostar em Atalanta ou Inter, e por isso os romanos também têm um lugar quase certo na Liga Europa. Portanto, para a sétima colocação, Parma (39), Milan (39) e Verona (38) têm muito o que disputar ainda. Assim como Udinese (28), Sampdoria (26), Genoa (25) e Lecce (25) na parte de baixo da tabela. Hoje, a equipe da Apúlia está na zona de rebaixamento, de olho nos rivais do Friuli e da Ligúria.

Entre melhorarem suas posições na tabela de classificação, o que significa sempre mais dinheiro, Cagliari, Bologna, Sassuolo, Fiorentina e Torino continuam no campeonato também para atrapalhar aqueles que têm objetivos mais claros. Na última rodada, Fiorentina e Cagliari tiraram pontos vitais de Brescia e Spal, afundados na zona de rebaixamento, enquanto o Torino se afastou da zona de perigo ao bater a Udinese, assim como o Sassuolo, que tirou dois pontos da Inter.

Resultados da 27ª rodada da Serie A 2019-20

Fiorentina 1-1 Brescia, segunda-feira (22/6)
Lecce 1-4 Milan, segunda-feira
Bologna 0-2 Juventus, segunda-feira
Verona 0-2 Napoli, terça-feira (23/6)
Spal 0-1 Cagliari, terça-feira
Torino 1-0 Udinese, terça-feira
Genoa 1-4 Parma, terça-feira
Inter 3-3 Sassuolo, quarta-feira (24/6)
Atalanta 3-2 Lazio, quarta-feira
Roma 2-1 Sampdoria, quarta-feira