Os batalhadores pela produção cultural de qualidade estão lamentando. Os amantes do talento e zelo no que faz estão lamentado. Mas os corações que o conheceram vão além da lamentação, sangram em lágrimas e choram em sangue. A morte do jornalista, cantor, escritor e artista plástico Eduardo Jordão faz a arte sofrer.

Eduardo foi encontrado morto na chácara, onde vivia, em Abadia de Goiás, com marcas de violência pelo corpo. Até o fechamento desta crônica, a polícia não havia apresentado nenhum suspeito pela morte.

Eduardo respondeu presente em todos os momentos que a vida o requisitou. Nos anos de 1970 iniciou um movimento pela cultura em Goiânia, que lhe valeu a adjetivação de Agitador Cultural. Agitador tinha o sentido de movimentar, sacudir, provocar e o de resistir. Nesta época realizava shows musicais – entre uma canção e outra versos despertadores das consciências para luta pela redemocratização do País e a liberdade de expressão.

Ele continuou Agitador Cultural até os anos de 1980 e quando a redemocratização chegou, com ela a liberdade de expressão, ele se afastou desta cena, para se dedicar ao jornalismo. Trabalhava no Caderno Dois, do jornal O Popular, uma editoria voltada para a cultura e o entretimento. Marcou época com matérias onde divulgava personalidades e temas relevantes nos costumes, educação, cultura e religiosidade. Também tinha predileção por pautas que valorizassem monumentos e cidades históricas. Toda matéria escrita por Eduardo Jordão merece ser lida ainda hoje.

Não só pela capacidade única de visão do fato, mas pela qualidade do texto. Palavras bem colocadas, estruturação perfeita, sintaxe e léxico irreparáveis e semântica rica. Foi pioneiro no estilo e quando veio a nova safra com jovens seguindo seu jeito de fazer, viu que não precisava mais estar ali e saiu daquela cena.

Jordão criou então um jornal de cidade, o Goiânia e Campinas. Eram dois focos: As pessoas e suas formas de viver dos mais simples, pobres e inexpressivos aos mais ricos e importantes; as especificações dos bairros, ruas, praças e a arte que havia em cada peça elaborada por arquitetos bem remunerados e competentes, ou por pedreiros meia-colher. Ele conseguia ver o belo em todas as diferenças e o descrevia com beleza rara.

Sempre pintou, mas a partir do final doa anos de 1980 passou a se dedicar a esta forma de expressão. Pintava o voo e fazia de cada pássaro suas próprias asas, na leitura do mundo. Leitura sensível, arrancando de formas e cor a filosofia da busca pelas quebras da agressividade, da aceitação das diferenças e os cuidados que cada batida de asas e cada pouso exigiam para minimizar os riscos. Eduardo sabia que dos que voam é cobrado o preço da liberdade por aqueles que jamais tiveram coragem de bater asas, de enfrentar a altura para contemplar o horizonte.

Era seu universo. Ele sempre foi pássaro no ar, seguindo a rota de um coração recheado de questionamento e vazio de maldade.

Em 1984 éramos colegas no Caderno Dois de O Popular. Eu responsável pela redação da Coluna Agenda Social, assinada pela jornalista Maria José e Silva, de saudosa memória e ele com as responsabilidades anteriormente mencionadas. No dia 17 de março, quando completei 24 anos, ele me presenteou com a tela que ilustra este comentário, batizada por ele de “Olhares sobre o Pouso”. Me chamava de menino (e foi assim até no nosso último encontro em fevereiro deste ano). Ao me entregar a tela explicou: “Menino, dividi este universo em dois planos. A parte superior é o plano abstrato, onde os voos acontecem, e a parte inferior é o plano concreto, onde todo voador tem de pousar uma hora ou outra”.

Na parte de cima da tela dois pássaros pousam sobre uma figura com formato de pétalas, contemplando o horizonte. Na parte de baixo a figura com formato de pétalas, olhos atentos espreitam os pássaros que pousam. Sempre que olho a tela reflito que quando for pousar dos meus voos, preciso saber que mesmo se o plano concreto estiver em forma de pétalas, podem haver olhos me espreitando e isto requer cuidado, pois nenhum olhar espreita o que voa com boa intenção.

No pouso de seu voo desta segunda-feira (28), o pássaro Eduardo Jordão teve de enfrentar os olhos que lhe espreitavam e pagou com a vida. Lá se foi, aos 77 anos, o coração mais benevolente que conheci e com ele o amor pela arte, a liberdade e um talento indescritível.

Acho que voou para o céu onde pousou sob o olhar de Deus.