O processo de desestruturação da monarquia e a instauração de uma república, no Brasil, foi marcado por intrincadas questões. Buscarei discorrer sobre as origens de nossa república e como ela passou por um acidentado percurso.
Em 1822, com a declaração da independência, o Brasil tornou-se a única e monarquia na América do Sul, pois os demais países da região adotaram a república.
As primeiras quatro décadas da monarquia brasileira foram bastante atribuladas. O Primeiro Reinado (1822-1831) foi marcado por grande instabilidade e chegou ao final com a renúncia de D. Pedro I. Assim, iniciou-se o turbulento Período Regencial (1831-1840), com intensas disputas políticas e uma série de rebeliões como: a Cabanagem, a Farroupilha, a Revolta dos Malês, a Sabinada e a Balaiada.
Já o 2º Reinado (1840-1889) pode ser divido nas seguintes etapas: a consolidação (1840-1850) – marcado pelo início do governo do jovem imperador D. Pedro II, com apenas 15 anos de idade e tendo que conciliar as disputas entre oPartido Liberal e o Partido Conservador; o apogeu (1850-1870) – já adulto e no auge de seu desenvolvimento intelectual, D. Pedro II havia se estabilizado no poder em meio ao desenvolvimento da economia cafeeira; a crise e o declínio (1870-1889) – marcada pelo fortalecimento do exército, após a vitóriana Guerra do Paraguai, e as polêmicas envolvendo a abolição da escravidãolevaram à perda de seu prestígio político, favorecendo os movimentos de contestação à monarquia.
A Guerra do Paraguai (1864-1870) matou cerca de 480 mil pessoas e gerou o endividamento dos países envolvidos (Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai) junto a Inglaterra.
Mas, além dos efeitos econômicos negativos, houve também os efeitos políticos, pois com a vitória brasileira na guerra o Exército brasileiro passou gradualmente a constituir uma força política, embasada em uma mentalidade positivista e salvacionista.
Sucintamente pode se afirmar que o Positivismo, que teve como seu criador o francês Augusto Comte, é uma corrente filosófica do século XIX que afirmava que apenas a ordem e o rigoroso conhecimento científico é que poderiam conduzir ao progresso social. Dessa forma, defendia o ideal de “progresso contínuo da humanidade”.
O ideal positivista teve grande adesão dos militares do exército brasileiro, que passaram a identificar a monarquia e a escravidão como sinais de atraso. Assim, somente um Estado forte, pautado na ordem, poderia garantir o progresso social.
Com relação à perspectiva salvacionista, esta ancorava-se no ideal de que somente o exército seria capaz de salvar o Brasil do atraso e da corrupção. Bem, esse ideal ainda sobrevive e podemos identificá-lo ao longo da reforma republicana nos seguintes eventos: na Guerra do Paraguai; no golpe militar que instalou a República; na Política das Salvações do presidente Hermes da Fonseca; no Movimento Tenentista; na Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder; no golpe militar de 1964 e, mais recentemente, na eleição do presidente Jair Bolsonaro.
O OCASO DA MONARQUIA E A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
A monarquia brasileira estava assentada sobre um tripé, qual seja: a Igreja Católica, o exército e a aristocracia rural escravista. Assim sendo, à medida que esses apoios foram se perdendo o governo de D. Pedro II ficou sem sustentabilidade.
No caso da Questão Religiosa (1864) o governo entrou em choque com bispos brasileiros que desrespeitaram o sistema do padroado que vigorava constitucionalmente no Brasil (Igreja submissa ao Estado). Os bispos de Olinda e Belém acataram a Bula Syllabus, do papa Pio IX, segundo a qual os maçons não poderiam frequentar as missas e eventos católicos ou receber os sacramentos da Igreja. Ao desrespeitarem a política do padroado os bispos foram presos. Esse fato gerou um profundo desgaste entre a Igreja e o governo do 2º reinado.
Após a Guerra do Paraguai e tendo em vista o fortalecimento do exército, iniciaram-se os conflitos políticos entre os militares e o governo de D. Pedro II. Os membros do exército brasileiro retornaram ao Brasil com ideias republicanas, abolicionistas, com anseios de participação política e reivindicando o preceito da meritocracia na carreira militar. O governo rejeitou essas pretensões e puniu militares por seus discursos, como foi o emblemático caso do tenente-coronel Sena Madureira, que foi punido várias vezes por suas declarações. Nesse tórrido clima político, o governo monárquico foi perdendo o apoio dos militares do exército.
O derradeiro impacto sobre a monarquia foi a chamada Questão Abolicionista. A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, desagradou profundamente o setor agrário, que como represália retirou seu apoio à monarquia.
Nesse contexto de crise, ocorreu o apoiodos cafeicultores do Oeste Paulista, membros do Partido Republicano Paulista, para que os militares realizassem um golpe de Estado e implantassem a República em15 de novembro de 1889, sob a liderança do Marechal Deodoro da Fonseca.
FAKE NEWS E RIXAS PESSOAIS ESTIVERAM ENVOLVIDAS NA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
Apesar de informações de que o Marechal Deodoro da Fonseca não era republicano, isso não é propriamente verdadeiro. Sem dúvida ele estava entre os mais antigos e prestigiados comandantes militares naquele momento e era um militar conservador e fiel à disciplina e hierarquia militares. Porém, tendo em vista o tumultuado quadro político e o perigo de aventureiros ou grupos mais radicais chegarem ao poder, ele aderiu ao “Partido Revolucionário Evolucionista”, apoiado pela aristocracia cafeeira do Oeste Paulista, mas exigiu que o movimento não poderia se valer de atos violentos ou de indisciplina militar, ou seja, os republicanos evolucionistas tinham a perspectiva de chegarem ao poder pela via institucional, por meio das eleições parlamentares.
Mas, a situação política só se agravava. Em 1884, o tenente-coronel Sena Madureirahomenageou o jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, apelidado de “o dragão do mar”, por seu combate à escravidão. Lembrando que o Ceará, quatro anos antes da Lei Áurea, foi a primeira província do Brasil a abolir a escravidão, em 25 de março de 1884.
O governo do 2º reinado considerou a ação de Sena Madureira como uma indisciplina, pois a escravidão ainda era protegida pela lei e o Exército deveria fazer cumprir essa lei. Sena Madureira criticou o ministro da Guerra, o civil Franco de Sá, e foi destituído de seu posto.
O marechal Deodoro da Fonseca buscou defender seu companheiro de farda. O marechal fez um ofício no qual e protestou contra a punição ao tenente-coronel, alegando que a legislação só proibia a discussão pública entre militares, dessamaneira Sena Madureira poderia retrucar as ofensas feitas por uma autoridade civil.Porém, essa defesa foi em vão e a punição foi confirmada.
A esse fato somaram-se outras insatisfações dos militares, tais como: o soldo não era reajustado há anos; a redução dos efetivos depois da guerra do Paraguai e a não substituição de equipamentos obsoletos.
Esse quadro de insatisfação dos militares atingiu diretamente o marechal Deodoro, quando surgiu um boato mentiroso de que o Presidente do Conselho de Ministros de Pedro II, o Visconde de Ouro Preto (Afonso Celso de Assis), havia expedido uma ordem de prisão contra ele. Óbvio que o objetivo desse boato era instigar Deodoro a se insurgir contra o governo monárquico.
A princípio Deodoro reagiu no sentido de apenas derrubar o Visconde de Ouro Preto e efetivar um substituto para o cargo. Assim, mantinha-se ainda fiel à ordem monárquica, como bom defensor da disciplina militar. Contudo, um novo boato se espalhou com a informação de que D. Pedro II nomearia como novo Presidente do Conselho de Ministro Gaspar Silveira Martins, por quem Deodoro nutria uma antiga mágoa.
No passado, Deodoro e Silveira disputaram o amor de uma rica viúva Maria Adelaide, a baronesa do Triunfo. Nessa refrega amorosa Silveira levou a melhor. Deodoro, apesar de já ser casado na época, nunca aceitou essa perda. Dessa forma, talvez, mais do que as questões políticas, as rixas pessoais parecem ter movido o marechal a desfechar um golpe militar e proclamar a República.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade