Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Brasil precisa endurecer combate ao trabalho análogo à escravidão, apontam especialistas

O trabalho análogo à escravidão continua a ser uma realidade alarmante no Brasil. Em 2024, 2.095 trabalhadores foram resgatados em 477 ações fiscais, uma redução em relação a 2023, que registrou 3.180 resgates em 600 operações. Desde 1995, mais de 65.500 pessoas foram libertadas de condições degradantes no país.

Nesse sentido, Roberto Mendes, Auditor Fiscal do Trabalho, esclarece em entrevista ao Pauta 1 do Sistema Sagres que a diminuição nos números de 2024 não indica necessariamente um avanço. “Observamos um aumento no número de denúncias de trabalho análogo à escravidão. Essa redução se deveu a uma paralisação das atividades de fiscalização nos primeiros seis meses do ano”, explica.

De acordo com ele, a flexibilização das leis trabalhistas em 2017, especialmente a permissão da terceirização irrestrita, contribuiu para o aumento dessas ocorrências. “A partir de 2020, com a terceirização adotada como regra, os números aumentaram. Cerca de 80 a 85% dos casos de trabalho escravo envolvem terceirização”, destaca Mendes.

Sendo assim, setores como a construção civil, cultivo de café e cebola estão entre os mais afetados. Em 2024, a construção civil registrou 293 trabalhadores resgatados, seguida pelo cultivo de café com 214 e cultivo de cebola com 194.

Tendência preocupante

Um caso emblemático ocorreu na fábrica da BYD na Bahia, onde 163 trabalhadores chineses foram resgatados em condições análogas à escravidão. Eles enfrentavam jornadas exaustivas, alojamentos precários e retenção de passaportes. Nesse sentido, a BYD encerrou o contrato com a subcontratada responsável e está colaborando com as autoridades para investigar o caso.

“Essa grande montadora de veículos contratou uma construtora chinesa que não se adequou às normas brasileiras”, explicou. A fiscalização revelou jornadas exaustivas de até 70 horas semanais, sem condições adequadas de alimentação e descanso. “Infelizmente, a montadora pecou ao deixar de fiscalizar essa empresa contratada”, afirmou Mendes.

De acordo com o especialista, a urbanização do trabalho escravo é uma tendência preocupante. “Antes, 85% das ações estavam no setor rural. No ano passado, 30% ocorreram em áreas urbanas, especialmente na construção civil”, observa Mendes.

Ainda conforme ele, as condições degradantes incluem alojamentos sem camas adequadas, falta de saneamento básico, ausência de equipamentos de proteção e salários atrasados. “O trabalhador é tratado como objeto, utilizado e descartado quando não serve mais”, lamenta o auditor.

Estados

Estados como Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Goiás, Pernambuco e Mato Grosso do Sul lideram em número de trabalhadores resgatados. Sendo assim, a migração de trabalhadores de regiões com menor oferta de emprego, especialmente do Nordeste, contribui para essa dinâmica.

Em 2023, o estado de Goiás registrou o resgate de 438 trabalhadores em condições análogas à escravidão no setor de cultivo de cana-de-açúcar. “Foram trabalhadores do corte e plantio de cana”, destacou Roberto Mendes.

Nesse sentido, ele expressou preocupação com o setor, especialmente após o movimento de paralisação no primeiro semestre de 2024, que pode ter mascarado a real extensão do problema. “Neste ano de 2025, já começaram a aparecer várias denúncias de trabalhadores do plantio de cana aqui no nosso estado”, alertou Mendes.

Sobre a vulnerabilidade dos trabalhadores, Mendes destacou que muitos são jovens de 20 a 40 anos, de origem negra ou parda, com pouca escolaridade e provenientes do Nordeste. “Eles procuram melhores condições e viram presas fáceis para os exploradores”, observou.

Fiscalização

Além disso, Mendes enfatizou a responsabilidade das grandes empresas na fiscalização de seus prestadores de serviço. “É importante que as grandes empresas fiscalizem seus prestadores de serviço porque elas estão sendo responsabilizadas também”, ressaltou.

Ele também incentivou a sociedade a denunciar situações de exploração: “Se alguém da sociedade tomar conhecimento da situação de humilhação do trabalhador, de exploração do trabalhador, de casos de indignidade do trabalhador, deve denunciar. Ela pode ser sigilosa, pode ser anônima e procurar também delegacia de polícia, as polícias civis dos interiores, qualquer algum grupo voltado para fiscalização.” 

“As denúncias só aumentam, os resgates só aumentam, ou seja, não está havendo redução das condições de trabalho análogo à condição de escravo”, afirmou Mendes. De acordo com ele, o Brasil precisa de legislação mais rigorosa para responsabilizar empresas em toda a sua cadeia produtiva.

Principais desafios

Nesse sentido, um dos principais desafios enfrentados no combate a essa prática é o baixo número de auditores fiscais, o que dificulta a fiscalização e o resgate de trabalhadores. Além disso, a falta de punição severa faz com que empresas reincidentes continuem explorando mão de obra de forma irregular.

“Não se vê o envolvimento das grandes empresas nem a punição delas”, destacou o especialista, apontando que muitas corporações terceirizam serviços para escapar da responsabilidade trabalhista. Para avançar no combate ao trabalho análogo à escravidão, especialistas sugerem a adoção de medidas semelhantes às implementadas na Europa, como a “responsabilidade em cadeia”.

De acordo com ele, essa legislação obriga empresas a rastrearem toda sua cadeia produtiva para evitar violações trabalhistas e ambientais. “Se o Brasil não avançar nesse aspecto, não teremos redução desse tipo de exploração”, alertou.

Outro ponto crucial é o fortalecimento da assistência social para trabalhadores resgatados, garantindo que não retornem a situações de vulnerabilidade. “Temos muitos casos de trabalhadores resgatados que, tempos depois, são encontrados na mesma situação”, ressaltou o especialista.

Prevenção e conscientização

Iniciativas educacionais também têm desempenhado um papel fundamental na prevenção do trabalho análogo à escravidão. Um dos principais programas nesse campo é o “Escravo Nem Pensar”, da ONG Repórter Brasil.

Criado em 2004, o projeto já atuou em 14 estados e alcançou mais de 1,6 milhão de pessoas por meio de ações educativas. “Nosso principal foco é a formação de servidores públicos para que estejam preparados para identificar casos e encaminhar denúncias”, explicou Rodrigo Teruel, assessor de educação da Repórter Brasil.

O programa capacita profissionais de diversas áreas, como educação, assistência social e segurança pública, garantindo um olhar mais atento para situações de exploração. A luta contra o trabalho análogo à escravidão no Brasil enfrenta desafios constantes, especialmente para organizações do terceiro setor que atuam na prevenção e assistência a vítimas.

Perpétuo destacou a dificuldade de manter o tema na agenda pública. “O terceiro setor tem o desafio de conseguir manter na pauta da agenda pública o tema do trabalho escravo, considerando diferentes contextos políticos e orientações”, afirmou.

Vulnerabilidade socioeconômica

Um dos principais fatores que levam trabalhadores a serem aliciados para o trabalho escravo é a vulnerabilidade socioeconômica. “O trabalho escravo está diretamente ligado à vulnerabilidade socioeconômica. Precisamos olhar para indicadores como índice de desenvolvimento humano, acesso a serviços públicos e geração de renda para identificar regiões onde a população está mais suscetível a essa exploração”, explicou Perpétuo.

A prevenção é um dos pilares fundamentais do trabalho da Repórter Brasil. Além de ações educativas, a ONG desenvolve materiais didáticos voltados para diferentes públicos, como servidores da educação e assistência social. “Nosso objetivo é esclarecer o que é e o que não é trabalho escravo, como denunciá-lo e quem são os órgãos responsáveis pela fiscalização”, pontuou o coordenador.

Outro aspecto essencial é o acolhimento das vítimas após o resgate, evitando que voltem a ser exploradas. “A assistência às vítimas é fundamental para impedir que esses trabalhadores retornem ao ciclo do trabalho escravo. Nos últimos anos, avançamos com a elaboração de um fluxo nacional de atendimento, envolvendo a Assistência Social e outras redes de apoio”, destacou Perpétuo.

Para quem deseja contribuir, ele ressalta a importância de disseminar informação e apoiar as iniciativas do terceiro setor. “Acompanhem nossas publicações, leiam os materiais que divulgamos e promovam atividades de sensibilização em suas comunidades. Isso fortalece a rede de prevenção ao trabalho escravo”, concluiu.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 08 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico

Leia também:

Mais lidas:

Leia também: