O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) completou 1.000 dias nesta segunda-feira (27) e para analisar a forma de administração e o que foi feito neste período, a Sagres entrevistou a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada, Mayra Goulart. A professora analisou que após 1.000 dias, o governo Bolsonaro não demonstrou ter alguma política pública.

Leia também: Zacharias retoma crítica a Meirelles: “aventureiro que usa Goiás como trampolim”

“Ele tem agenda no campo da moralidade, sobre regulamentação do corpo feminino, sobre ideia de família, do porte de armas, em termos de política externa, que é o alinhamento com as potências dominantes. Mas em termos de políticas públicas de expansão da educação, da universidade, de ciência e tecnologia, política para tratar dos mais vulneráveis, políticas de saúde, isso não é uma agenda forte do governo. Tanto que ele não vem a público para falar de políticas públicas”, detalhou.

Ouça a entrevista na íntegra:

A cientista explicou que essa falta de planejamento de política pública resultou na demora para o governo começar a falar em vacinas. Outro ponto relacionado à pandemia, é o auxílio emergencial, que segundo Mayra se impôs ao governo e não o contrário.

“Quando a gente vê a trajetória legislativa de Bolsonaro, ele nunca apresentou um projeto que tivesse como foco a pobreza, vulnerabilidade social ou minorias. Ele tem uma visão de moralidade refratária ao tema das minorias, com um elemento que subjaz qualquer entendimento pluralista e liberal do Estado. O liberal entende o Estado como um conjunto de minorias. A visão bolsonarista que entende o Estado a partir de apenas uma ideia, de uma só noção de bem, uma noção de família, uma noção de corpo, uma noção de mulher, de homem, é refratária”.

Segundo a professora de Ciência Política, Bolsonaro tem uma ideia de liberdade irrefreada, como se o ser humano tivesse direito a fazer tudo e regulamentações e restrições fossem, na verdade, violações. “A questão é que o Estado só surge porque se entende que esta liberdade natural, sem restrições, é tóxica para a sociedade, ela inviabiliza o convívio social, porque se transforma no direito dos mais fortes. Mas é exatamente esse direito dos mais fortes que é a utopia bolsonarista”.

Mayra continuou e detalhou que essa noção de direito dos mais fortes se conecta com a falta de preocupação com os vulneráveis. Assim, quando Bolsonaro diz em seus discursos que não tem responsabilidade pelo que acontece no Brasil, na economia ou na saúde e atribui os fatos a outras forças, “ele não assume a responsabilidade de proteger os mais vulneráveis”.

Com comportamentos semelhantes ao de um parlamentar, buscando representar apenas um nicho, mesmo estando em um cargo majoritário – comum aos líderes de extrema-direita espalhados pelo mundo -, Bolsonaro fala apenas para seu público e tentará ganhar a eleição estimulando o medo das pessoas nos seus potenciais adversários, analisa a cientista política.

“Esse segmento, que seria mais ou menos 20% da população, vai votar nele de qualquer maneira. E os outros 30% para ele ter uma maioria e ganhar uma eleição? Vão votar com medo de um candidato de esquerda. Essa outra parcela, é o antipetismo que outorga ou não outorgará, porque isso ocorreu em 2018, mas resta ver se ele continuará conseguindo mobilizar de maneira tão irracional o medo de uma esquerda radical que sequer existe, uma vez que o candidato que está se apresentado como esquerda [Lula], é inequivocamente, um candidato centrista”.

A professora ainda observou que a polarização prevista para 2022, com Lula e Bolsonaro, não é simétrica. “Nós não temos dois candidatos extremistas, nós temos um extremo e do outro lado um candidato de centro-esquerda, um social-democrata. Não há no campo da esquerda, uma alternativa extremista”, declarou analisando que os candidatos que se colocam como terceira via hoje são, em sua maioria, de direita e que, por isso, só devem prosperar caso consigam superar essa nova direita bolsonarista.

Assista a entrevista no Sagres Sinal Aberto: