Fazer cinema no Brasil é caro, e para quem vem da periferia, esse desafio se multiplica. Mas Zara Marsala, cineasta e ativista, não se deixou deter pelos obstáculos financeiros ou estruturais.
Com uma câmera modesta e um compromisso inabalável com a representatividade negra e periférica, ela transformou sua vivência em uma missão: dar voz a quem raramente a tem no audiovisual brasileiro.
“Eu acho que eu nem escolhi, não. Foi uma coisa bem orgânica”, conta Zara, relembrando o início de sua trajetória, em entrevista ao Tom Maior do Sistema Sagres. Durante seu período no Instituto Federal de Goiás (IFG), onde fazia parte do Núcleo de Direitos Humanos e Igualdade Racial, a cineasta começou a se aprofundar na obra de autoras como Carolina Maria de Jesus, Lélia Gonzalez e Franz Fanon.
Foi nesse processo que passou a se reconhecer como uma mulher negra. “Antes, eu achava que eu era manchada”, admite. “Mas depois disso foi cada vez ficando mais forte dentro de mim.”
Consciência
A tomada de consciência foi acompanhada por uma vontade de ação. A realidade da violência policial contra jovens negros, especialmente nas favelas e periferias, mexeu profundamente com Zara.
O incentivo de sua mãe foi o empurrão que faltava para que a cineasta transformasse essa indignação em arte. “Minha mãe até falava: ‘Zara, você tem que fazer um filme, você é cineasta e não tem filme nenhum’”, lembra.
E assim nasceu sua primeira obra, abordando o genocídio da juventude negra pelas forças de segurança.
Cinema independente: uma batalha contra o sistema
Além das dificuldades comuns do audiovisual, cineastas periféricos enfrentam um sistema excludente. “A indústria cinematográfica é muito elitista, muito racista, e ela exclui muitos de nós”, denuncia Zara.
Ainda que existam leis de incentivo, o caminho para conseguir financiamento e espaço de exibição segue restrito.
“Hoje eu só faço cinema porque decidi que ia fazer com o que tinha dentro de casa”, explica. “Não tenho condição de ter a melhor câmera, o melhor celular, mas o que eu tenho já dá para fazer cinema.”
Cineclube periférico
Foi com essa mentalidade que Zara criou o Cineclube Periférico, um projeto que leva exibições gratuitas para espaços públicos e favelas.
A iniciativa nasceu de uma experiência marcante: durante uma sessão de teste em uma praça, ela ouviu um menino dizer que nunca tinha ido ao cinema.
“Isso é péssimo de escutar, sabe? Por mais que eu seja uma pessoa periférica, pelo menos tive a oportunidade de ir ao cinema. Agora, escutar uma criança de 10 anos falar isso, vendendo paçoca…”, desabafa.
Transformação pela arte
O objetivo do Cineclube Periférico vai além do entretenimento. Para Zara, a inclusão da periferia no cinema é uma ferramenta de transformação social.
“Se cada um de nós, que estamos na periferia, produzirmos com os nossos equipamentos, com a nossa essência, a gente não consegue derrubar o mainstream cinematográfico, mas consegue mexer de fora para dentro”, afirma.
E é nesse impacto que reside a esperança. A luta pela representatividade negra e periférica no audiovisual não é só sobre contar histórias: é sobre mudar realidades, inspirar novas gerações e garantir que, no futuro, nenhuma criança precise crescer sem se enxergar nas telas.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 10 – Redução das Desigualdades
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