DANIELLE CASTRO – RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa de instituições acadêmicas do Reino Unido feita com 13.263 participantes de 122 países durante o auge da pandemia de Covid-19 mostrou que as conexões sociais afetam os comportamentos e, consequentemente, a saúde e o bem-estar das pessoas durante episódios de crise coletiva em larga escala. Os resultados do estudo global indicam novas diretrizes para o sucesso de ações de saúde pública e mental em momentos de turbulência ou de isolamento.

Os dados foram publicados na revista internacional Science Advance e destacam, sobretudo, a importância da família e de grupos próximos para o sucesso da adoção de condutas de segurança, bem como para o suporte emocional dos indivíduos.

O artigo “Social bonds are related to health behaviours and positive wellbeing globally” (“Laços sociais estão relacionados, globalmente, a comportamentos de saúde e bem-estar positivo”, em português) foi divulgado nesta sexta-feira (13) pela Sociedade Americana de Avanços da Ciência.

Bahar Tunçgenç, Valerie van Mulukom e Martha Newson, autores do estudo, são ligados aos departamentos de psicologia e ciências sociais das universidades de Oxford, Nottingham Trent, Kent e Coventry. Segundo eles, desde o início da pandemia de Covid, os relatórios científicos têm observado um aumento do isolamento social e da ansiedade, bem como uma dependência mais profunda da conexão social em vários âmbitos para orientação sobre protocolos de saúde.

Os pesquisadores descobriram que os laços sociais, principalmente com a família, levaram a melhores comportamentos de saúde durante a pandemia. Também observaram que vínculos intensos (sentimentos fortes de confiança, pertencimento e compromisso) com certos grupos sociais foram associados a maior bem-estar e posturas saudáveis -com exceção do distanciamento, uma vez que o contato presencial é o que dá liga a esses círculos.

Foram utilizados no levantamento dois grandes conjuntos de dados que examinaram a ligação com círculos sociais próximos (ou seja, família e amigos) e grupos estendidos (país, governo e humanidade) nos primeiros meses da pandemia, em 2020. Foram recolhidas amostras de mais de 100 participantes em três países do Hemisfério Sul (Bangladesh, Brasil e Peru) para balancear os dados trazidos do Hemisfério Norte.

“A necessidade de pertencer e se conectar com os outros é uma questão humana universal, mas as maneiras pelas quais os indivíduos representam seus relacionamentos são culturalmente variáveis”, relatam os autores.

Contudo, em contraste com estudos anteriores, os pesquisadores não encontraram evidências que sugerissem que a nacionalidade ou vínculo de alguém com seu país melhorasse o comportamento de saúde. “As mensagens de saúde pública e o apoio psicológico devem visar redes menores, como famílias e organizações de base, para proteger as comunidades dos impactos das crises globais”, alertam.

Mesmo diversos demograficamente e geograficamente, os participantes demonstraram que a identidade do indivíduo tende a estar em fusão com normas e valores de grupo, levando as pessoas a seguirem o comportamento de suas redes mais próximas, independentemente do país de origem.

Esses laços têm efeitos importantes, alterando comportamentos e conferindo benefícios substanciais à saúde física e mental em tempos de estresse.

“A conexão com pessoas próximas, círculos de amigos e familiares fornece apoio e orientação em tempos desafiadores. Por exemplo, durante tornados ou emergências de incêndio, as pessoas esperam que seus entes queridos decidam como se comportar, se devem fugir ou não”, exemplifica o estudo.

Quando ocorrem eventos críticos da vida pessoal -uma insuficiência cardíaca ou um acidente vascular cerebral, por exemplo-, essa tendência se repete. Se nosso grupo é favorável e nos apoia nessa decisão, somos assim mais propensos a fazer mudanças saudáveis no nosso estilo de vida.

O painel avaliou que a forte identificação com a comunidade local antes da pandemia estava associada a uma maior probabilidade de fornecer serviços e apoio aos vizinhos durante o isolamento, bem como uma maior adesão às regras.

Os autores também argumentam que a definição da OMS (Organização Mundial da Saúde) para saúde mental não é a ausência de um doença mental, mas a presença de “um estado de bem-estar no qual o indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com o estresse normal da vida, pode trabalhar de forma produtiva e frutífera e é capaz de contribuir para a sua comunidade.” Isso reforça a tese da conexão social como base para o enfrentamento de crises.

O grupo A completou um questionário online disponibilizado em oito idiomas (português do Brasil, holandês, alemão, inglês, francês, italiano, português europeu e espanhol), entre 28 março e 24 de abril de 2020. Os participantes responderam a perguntas sobre uso de máscara, comportamentos de higiene (como lavar as mãos por no mínimo 20 segundos) e estado emocional durante a pandemia.

Ao grupo B foi oferecido outro documento, com opção de 12 idiomas (árabe, bangla, inglês, francês, alemão, hindi, italiano, mandarim, persa, espanhol, sueco e turco) e aplicação entre 9 de abril e 24 de maio de 2020. Neste questionário, os entrevistados informaram o quanto seguiram o conselho geral de “manter distância física de outras pessoas”.

O critério de inclusão nos conjuntos foi a idade: mínimo de 18 anos para o A, e de 16 anos para o B. A adesão foi obtida por meio de anúncios nas redes sociais dos autores e canais de mídia locais, bem como em grupos de Facebook, Reddit e Twitter.

Para o psicólogo Yuri Busin, doutor em neurociência do comportamento e pós-graduado em Terapia Cognitivo-Comportamental, os dados mostram que o sentimento de pertencimento a um grupo é capaz de afetar a saúde mental.

“Esse estudo pega um recorte muito específico, o da pandemia, no qual tivemos um isolamento social grandioso. Com esse impacto vieram milhões de questões psicológicas para além das da Covid, que eram pessoas cada vez mais deprimidas, ansiosas e até perdendo os vínculos sociais”, diz Busin.

O psicólogo reforça que nem todos podem contar com uma família para se fortalecer e que, apesar de importante, a internet não costuma suprir a necessidade de um contato realmente próximo para amparo emocional de qualidade. “Esse sentimento de pertencimento, de segurança em um grupo, de não sentir-se solitário e incompreendido é uma realidade. Apesar de muitas pessoas terem dificuldade ou frustrações com o outro, nós somos seres sociais”, afirma.

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