Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

COP 28 – A questão ambiental entre polêmicas e contradições

A COP 28, que acontece nos Emirados Árabes Unidos, entre 30 de novembro e 12 de dezembro de 2023, traz consigo a expectativa de que avanços concretos devem ocorrer. As discussões devem ocorrer em torno das metas pretendidas pelo Acordo de Paris e de como cada país fez seu “dever de casa”.

O objetivo maior tem sido limitar a emissão de poluentes e a elevação da temperatura do planeta a 1,5°C, até 2050. Infelizmente tudo indica que teremos problemas em alcançar esse objetivo. A verdade é que até chegarmos aqui houve uma verdadeira saga para viabilizar acordos internacionais sobre a questão ambiental.

Existe um antigo dito popular que afirma que “O diabo mora nos detalhes”, ou seja, muitas vezes a visão geral e superficial sobre algo pode nos iludir. Mas, se atentarmos para os detalhes que envolvem uma determinada questão poderemos nos surpreender com uma série de causas e consequências, que em uma primeira vista não teríamos sido capazes de perceber. No caso da questão ambiental e dos atores envolvidos, este dito popular se enquadra perfeitamente.

É nesse sentido que apresentarei aspectos da evolução histórica da política ambiental e as dificuldades de se implementar ações efetivas para atingir objetivos que visam o bem comum.

Discussão sobre o meio ambiente

As discussões sobre a questão ambiental ganharam ênfase a partir dos anos 1960, praticamente três séculos após o início da revolução industrial, quando efeitos da poluição sobre as populações passaram a ser mais perceptíveis.

Desde a década de 1950 alguns eventos começaram a chamar a atenção das autoridades internacionais. Em 1952, ocorreu em Londres um smog (nevoeiro contaminado por fumaças poluidoras) conhecido como “A Névoa Matadora”, que ocasionou mais de quatro mil mortes, e levou as autoridades de saúde a discutiram à qualidade do ar. Em 1956 foi registrada a contaminação de água na Baía de Minamata, no Japão, que provocou, até dezembro de 1974, 107 mortes.

O cenário indicava que era imprescindível adotar medidas que pudessem disciplinar a questão. Assim, em 1956, o governo inglês aprovou a Lei do Ar Puro e outras leis nesse sentido também foram aprovadas em alguns outros países da Europa, nos EUA e no Japão, viabilizando o estabelecimento de agências de regulamentação, que ficariam responsáveis pelo monitoramento e avaliação do meio ambiente.

Em 1969 os EUA efetivaram a “National Environmental Policy Act”, ou seja, uma Lei de Política Ambiental, considerada uma grande inovação, pois passou a prever critérios para a avaliação de impacto ambiental e a propor a participação pública nos processos políticos de tomada de decisões sobre o tema.

No início da década de 1970 as discussões sobre a questão ambiental ganharam novo impulso quando o Clube de Roma (associação de cientistas, empresários e políticos de diversos países que se reuniu em Roma para refletir, debater e formular propostas sobre os problemas do sistema global) publicou um relatório sob o título “Os limites do crescimento” ou também denominado “Relatório Meadows”.

Esse relatório alertava sobre quais seriam os limites físicos do crescimento econômico caso persistisse o modelo de sociedade consumista, pois fatalmente levaria ao esgotamento dos recursos naturais.

Conferência das Nações Unidas em Estocolmo

Outro marco impactante foi a realização da Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, entre os dias 5 e 16 de junho de 1972. Essa conferência reuniu 113 países com a sugestão de um novo tipo de desenvolvimento que pretenderia conciliar o desenvolvimento econômico, a questão ecológica e a justiça social. É considerado o primeiro grande encontro internacional com representantes de diversas nações para discutir os problemas ambientais.

Esse encontro viabilizou a elaboração da “Declaração de Estocolmo”, com princípios que asseveravam que o ser humano tem a responsabilidade especial de preservar e administrar prudentemente a flora, a fauna, bem como o seu habitat, que se encontram sob grave perigo em virtude da combinação de fatores adversos. Outro efeito da Conferência de Estocolmo foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Cúpula da Terra

Vários outros encontros para discutir a questão ambiental foram organizados ao longo dos anos 1980. Mas, a questão ganhou novo ânimo com a realização da “Cúpula da Terra” ou “Rio 92”.

Essa Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cnumad), realizada em 1992 no Brasil, no Rio de Janeiro, resultou na produção de documentos que apresentavam as preocupações, com relação à questão ambiental, dos 176 países e 1.400 Organizações Não Governamentais (ONG) que participaram do evento.

Destacou-se entre esses documentos a Agenda 21 que, seria um processo de planejamento participativo de uma nação, um estado, uma região ou um município, para viabilizar um futuro sustentável.

Mas, a Agenda 21 foi além das questões ambientais, abordando também os padrões de desenvolvimento e como eles causam, causam danos ao meio ambiente. Dessa forma, passou-se a dar maior atenção para aspectos como: a pobreza e a dívida externa dos países em desenvolvimento; os padrões insustentáveis de produção e consumo; as pressões demográficas e a estrutura da economia internacional.

Além disso, também recomendou meios de fortalecer o papel desempenhado pelos grandes grupos da sociedade civil: mulheres, organizações sindicais, agricultores, crianças e jovens, povos indígenas, comunidade científica, autoridades locais, empresas, indústrias e ONGs.

Protocolo de Kyoto

Em 1997, na cidade japonesa de Kyoto, durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, foi aprovado o Protocolo de Kyoto, um acordo de cooperação internacional que estabeleceu metas de redução de emissão de poluentes que deveriam ser feitas pelos países desenvolvidos.

A ideia era de que houvesse uma diminuição de 5,2% nas emissões em comparação aos valores de 1990. Apesar de entrar em vigor em 2005, alguns países industrializados, como os EUA, não ratificaram o acordo. As medidas foram prorrogadas até 2012 e, em2015, foi substituído pelo Acordo de Paris.

Vários outros encontros e recomendações para a crise ambiental foram sendo definidas na primeira década do século XXI. Mas, em setembro de 2015, na sede da ONU em Nova York, houve um avanço considerável com a realização da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável. 

Nessa Cúpula os países-membros da ONU definiram os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como parte de uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, com prazo para ser atingida até 2030, esse compromisso ficou conhecido como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Na sequência da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável, a França recebeu, entre 30 de novembro e 11 de dezembro de 2015, a COP 21, que é considerada um marco, pois viabilizou que fosse adotado um novo pacto, aprovado pelos 195 países-Parte, visando reduzir emissões de gases de efeito estufa e estabelecendo como objetivo principal a efetivação de metas e iniciativas que pudessem reforçar o combate às ameaças capazes de gerar mudança do clima.

Uma das iniciativas mais perseguidas é o compromisso das nações em colaborarem com ações para evitar o excessivo aumento da temperatura média global, limitando o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais (século XVIII).

Principais desafios dos ODS

Porém, a implementação dos ODS não tem sido nada fácil. Como principais desafios a serem superados destacam-se: o estabelecimento de ações coordenadas e integradas de governos, empresas e sociedade civil; a necessidade de estabelecer uma cooperação internacional para alcançar resultados efetivos; as dificuldades para a transferência de conhecimento e tecnologia, além do compartilhamento de recursos, por parte dos países ricos; a busca pela redução de desigualdades (de renda, de gênero, de raça e de acesso a serviços básicos).

Mas, se as medidas que têm sido propostas ao longo do tempo visam o bem comum e o bem-estar da humanidade, por que existem resistências a elas?

Bem, além do fato da implantação efetiva das ODS dependerem de mudanças consideráveis em várias áreas, como as práticas políticas, as práticas empresariais e os comportamentos individuais, ainda há o forte investimento de setores empresariais que financiam campanhas de negacionismo climático, ou seja, defendem a perspectiva que nega a relação entre o aquecimento global e a interferência das atividades humanas.

Essas alegações não oferecem um adequado suporte científico, ficando no campo de convenientes especulações.

Pesquisa

Como já citado, desde os anos 1990, os cientistas começaram a pesquisar evidências de que as ações humanas impactavam o clima do planeta. Com o tempo, as pesquisas foram comprovando essas evidências, levando à formação de um consenso científico acerca da responsabilidade das ações humanas nas mutações climáticas.

A questão é que essas pesquisas e suas conclusões contrariam profundamente alguns conglomerados empresariais detentores de grande poder econômico, principalmente as que atuam no setor dos combustíveis fósseis. Dessa forma, eles passaram a usar seu poder econômico para aplicar uma estratégia de desacreditar e lançar dúvidas sobre as pesquisas científicas.

Assim, buscam atacar as políticas que pretendem reduzir a emissão de CO2. Afirmam ainda que essas medidas em prol do meio ambiente são desnecessárias e afetam a economia, podendo levar à crise energética e aumento da pobreza.

Outro aspecto que também cabe aser destacado é o que diz respeito às empresas e governos que têm realizado o chamado “greenwashing”, ou seja, uma estratégia de marketing que se baseia em promover discursos, ações e propagandas que visem demonstrar que suas atividades são sustentáveis.

Como exemplos de greenwashing temos o caso, ocorrido em 2015, no qual a Volkswagen foi acusada de falsificar os resultados de emissões de poluentes em motores a diesel. A empresa admitiu que usou um programa de computador para burlar inspeções de 11 milhões de veículos no mundo.

COP 27

Uma das grandes controvérsias da COP 27, ocorrida no Egito-2022, além das acusações de que o Egito não respeita os direitos humanos, foi o fato da conferência ter sido patrocinada pela Coca-Cola. Ativistas ambientais sugeriram que isso era greenwashing. Apesar da companhia ter afirmado, em 2019, que tem adotado medidas para reduzir a poluição, em 2021, uma auditoria da Break Free From Plastic apontou a Coca-Cola como a maior poluidora de plásticos do mundo.

No caso da COP 28, a polêmica ficou por conta do país sede (Emirados Árabes Unidos) ser um dos grandes produtores de combustíveis fósseis do mundo e do presidente da conferência ser o senhor Sultan al-Jaber, que também é o chefe da gigante estatal do petróleo “Abu Dhabi National Oil Company” e ministro da Indústria e Tecnologia dos Emirados. Em razão disso, ativistas e mais de cem políticos, entre membros do congresso dos EUA e parlamentares da União Europeia, manifestaram sua oposição à indicação de Sultan al-Jaber.

O financiamento para a adaptação dos países vulneráveis, os compromissos de redução das emissões e a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, são os pontos mais sensíveis a serem tratados na COP 28. Contudo, pelo histórico de COPs anteriores e em virtude dos interesses envolvidos, uma parte considerável de ambientalistas e pesquisadores são céticos em relação aos resultados práticos de mais uma conferência.

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