Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Corrida pela Inteligência Artificial: o Brasil está preparado?

A Inteligência artificial (IA) nunca evoluiu tão rápido quanto agora e já está transformando a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Com bilhões de dólares investidos globalmente, a tecnologia se tornou o novo campo de batalha geopolítica, com Estados Unidos e China liderando a disputa. Mas e o Brasil? O país está preparado para essa revolução?

No programa Pauta 2 do Sistema Sagres, o professor Thyago Marques, especialista em inteligência artificial da Universidade Federal de Goiás, analisou o cenário atual e os desafios do Brasil na corrida pela IA.

A comparação entre a revolução da inteligência artificial e a corrida espacial da Guerra Fria faz sentido. De acordo com Marques, a IA se tornou um dos principais pontos de disputa entre as grandes potências econômicas.

“A China espera que até 2030 seus investimentos pesados levem o país à liderança, mas os Estados Unidos, junto às suas empresas privadas, ainda dominam esse processo”, explicou o professor.

EUA e as big techs

Enquanto os EUA e suas big techs — OpenAI, Microsoft e Google — apostam em inovação e liderança, a China vem desenvolvendo sua própria IA, como o modelo DeepSeek, lançado em janeiro de 2024. “O DeepSeek já tem mais downloads nos Estados Unidos do que o próprio ChatGPT”, afirmou Marques.

A rivalidade tecnológica entre os países se acirrou ainda mais com sanções impostas pelos EUA à China, restringindo a exportação de chips de alta performance para IA. “Isso demonstra a importância estratégica da IA no cenário econômico e global”, completou o especialista.

O Brasil também está se movimentando para acompanhar essa revolução, mas os desafios são grandes. O investimento em ciência e tecnologia no país ainda é muito baixo quando comparado às grandes potências.

“Enquanto uma única empresa, como a de Elon Musk, investe cerca de R$ 54 bilhões em infraestrutura para IA, o Brasil investiu apenas R$ 60 milhões no ano passado”, destacou Marques.

Aplicação no Brasil

Apesar disso, a inteligência artificial já está sendo aplicada em diversas áreas no país, como saúde, agronegócio e segurança pública. Um dos exemplos mais promissores está na medicina, onde a IA tem sido utilizada para prever doenças com maior precisão.

“Fizemos um projeto para identificar pneumonia em crianças. Hoje, um pneumologista experiente tem uma taxa de acerto de 88%. Nosso modelo de IA alcançou 95%”, revelou o professor. “Isso significa diagnósticos mais rápidos, menor custo e menos sofrimento para os pacientes”.

O Brasil também enfrenta um problema estrutural: a falta de profissionais qualificados. “Formamos 53 mil pessoas por ano na área de tecnologia, mas o déficit de profissionais já passa de 500 mil”, alertou Marques. “Para tentar reverter isso, criamos o primeiro bacharelado em inteligência artificial no Brasil, na Universidade Federal de Goiás”.

DeepSeek vs. ChatGPT: a ameaça chinesa?

O crescimento do DeepSeek tem causado receio nas grandes empresas ocidentais. No início de 2024, a ascensão da IA chinesa fez gigantes como Microsoft e Google perderem mais de um trilhão de dólares em valor de mercado.

“O que assusta é que o DeepSeek conseguiu um desempenho semelhante ao ChatGPT gastando apenas 5% do custo”, explicou Marques. “Enquanto o ChatGPT custou US$ 100 milhões para ser treinado, o DeepSeek precisou de apenas US$ 5 milhões”.

Além disso, o modelo chinês tem algumas peculiaridades. “Se você fizer perguntas sobre temas sensíveis para o governo chinês, como eventos históricos controversos, o DeepSeek evita responder ou muda de assunto”, disse o especialista. “Isso mostra que a IA também pode ser usada como ferramenta ideológica”.

Regulação: avanço ou barreira?

Enquanto os EUA e a China disputam a liderança, a União Europeia tem adotado uma abordagem mais cautelosa, focada na regulamentação da inteligência artificial. O AI Act, legislação proposta pelo bloco, busca garantir transparência e segurança no uso da tecnologia.

“A regulamentação é necessária, mas se for muito rígida pode frear a inovação”, alertou Marques. “Se restringirmos demais, as empresas podem perder o interesse em investir no país”.

Para o professor, o desafio do Brasil não é apenas criar regras, mas também fomentar um ambiente favorável para inovação. “Precisamos de mais investimentos, políticas públicas e, principalmente, capacitação profissional”, concluiu.

O futuro da IA no Brasil

Apesar dos desafios, Marques acredita que a inteligência artificial veio para transformar o mundo e que o Brasil pode aproveitar essa revolução se investir na formação de talentos e no desenvolvimento tecnológico.

“A IA já está no nosso dia a dia, desde a sugestão de produtos na internet até assistentes virtuais como Alexa e Siri”, afirmou. “O que precisamos agora é garantir que o Brasil não fique para trás nessa corrida”.

O futuro da IA ainda é incerto, mas uma coisa é clara: quem dominar essa tecnologia terá um papel central na economia e na geopolítica mundial nas próximas décadas.

Mercado de trabalho

Apesar dos desafios relacionados ao baixo investimento, o setor se expande rapidamente e cria oportunidades para profissionais qualificados.

Marques destacou as áreas em que a IA se destaca no Brasil e a urgência da capacitação profissional para atender à demanda crescente. “A tecnologia IA é uma ferramenta transversal, ou seja, ela atua em todas as áreas”, explica o professor entrevistado.

Segundo ele, setores como logística, indústria e atendimento ao cliente já estão passando por grandes transformações. “Hoje é comum você ter caminhões autônomos, robôs levando alimentos e atendimentos automáticos em call centers”, exemplifica.

Um dos destaques é o setor de saúde, onde a IA já auxilia cirurgiões em procedimentos remotos. “Já existem testes de cirurgias médicas feitas por robôs à distância, com médicos operando de uma central a milhares de quilômetros”, afirma. “O robô não treme, o que torna as incisões menores, a recuperação mais rápida e o pós-operatório mais eficiente.”

Profissões do futuro e salários atrativos

Além de substituir e otimizar funções, a IA também cria novas profissões. A engenharia de prompt, por exemplo, se tornou uma área promissora dentro da tecnologia.

“Saber fazer as perguntas corretas para um modelo de IA melhora significativamente as respostas obtidas. Isso já é uma profissão, com salários bem considerados”, destaca o professor.

O especialista também enfatiza a escassez de profissionais qualificados no Brasil. A situação se agrava com a crescente fuga de talentos para o exterior.

“Tenho alunos que trabalham para empresas americanas e ganham 6 mil dólares por mês, sem sair de casa. Isso dificulta ainda mais para as empresas brasileiras.”

Em Goiás

Um dos polos dessa transformação é a Universidade Federal de Goiás (UFG), pioneira no ensino de IA no Brasil. “O curso foi criado de forma ousada, com um modelo empreendedor que conecta os alunos diretamente ao mercado”, explica o professor.

A iniciativa já atraiu estudantes de diversas partes do país e consolidou Goiás como um centro de inovação tecnológica. A UFG também se destaca pela captação de investimentos.

“Nosso centro de excelência em IA tem mais de 700 pesquisadores e uma folha de pagamento de bolsas que ultrapassa 3 milhões de reais por mês”, afirma o professor.

“Em apenas quatro anos, captamos mais de 200 milhões de reais, incluindo investimentos privados, o que demonstra a credibilidade do projeto.”

Adaptação e aprendizado contínuo

Diante desse cenário de transformação, o professor deixa um alerta para os profissionais que temem perder seus empregos para a IA.

“A pessoa não deve ter medo de perder o trabalho, mas sim de ficar parada”, aconselha. “A adaptação precisa ser rápida. Quem busca aprender e se atualizar não ficará sem emprego.”

Com a expansão do setor e a falta de mão de obra qualificada, a inteligência artificial se consolida como um dos motores do desenvolvimento econômico no Brasil.

Seja na indústria, na saúde ou no atendimento ao público, a tecnologia continuará a evoluir e demandar profissionais capacitados para atender às novas necessidades do mercado.

Acesso à ferramenta

De acordo com Marques, essa revolução tecnológica cria oportunidades, mas também desafios que exigem ação do poder público e das empresas.

Marques destacou que o curso de inteligência artificial superou medicina e se tornou o mais concorrido da UFG. “Isso mostra que o ensino já está sendo moldado por essa revolução”, afirmou. No entanto, ele alerta para o risco do crescimento das desigualdades, caso o acesso à tecnologia não seja democratizado.

“Se as pessoas não têm esse acesso, é onde de fato tem que entrar os governos. Esse é um grande desafio. Grandes transformações geram grandes desafios”, disse o professor.

Ele mencionou que o impacto da IA pode levar ao chamado “desemprego tecnológico” e citou previsões de empresários como Elon Musk sobre a necessidade de uma renda universal no futuro. “Imagina o seguro-desemprego no Brasil. Se hoje é cinco meses, vai ter que aumentar para oito, para dez. Mas será que vai ter dinheiro para todos?”, questionou.

O papel da educação

Um dos caminhos para reduzir as desigualdades geradas pela IA é a educação. No entanto, Marques criticou a tendência de simplesmente proibir o uso de novas tecnologias no ambiente escolar, como a recente restrição ao uso de celulares em sala de aula.

“Proibir é sempre o caminho mais fácil”, argumentou. Ele defendeu o uso da IA para aprimorar o ensino, citando um projeto desenvolvido na UFG em parceria com o governo estadual.

“Criamos um corretor de redação automatizado, que permitia que alunos da rede pública recebessem feedback sobre suas redações, algo que antes era mais acessível para quem estudava em escolas particulares”, explicou. “Isso aumenta a competitividade e torna o processo mais justo.”

O Estado e as empresas

Além da educação, Marques ressaltou que há programas de incentivo do governo para fomentar o desenvolvimento de IA no Brasil. Ele citou iniciativas como Centelha, Conecta Startup e Lei do Bem, que auxiliam empresas no financiamento de projetos de inovação.

“No nosso centro de pesquisa, o CEA, somos uma unidade Embrapi. Isso significa que uma empresa que quer desenvolver um projeto de IA não precisa arcar com todo o custo. Em vez de investir um milhão de reais sozinha, ela pode ter apoio e gastar cerca de 30% desse valor”, explicou o professor. “Isso reduz o risco da inovação.”

Apesar dos incentivos financeiros, Marques apontou que um dos maiores desafios é a falta de profissionais qualificados. “Não basta ter dinheiro. Tem que ter gente capacitada para desenvolver a tecnologia. Por isso, criamos cursos de graduação, mestrado e agora doutorado”, disse.

Com a IA moldando o futuro do trabalho, da educação e da economia, Marques reforçou a necessidade de políticas públicas para garantir que os benefícios da tecnologia sejam amplamente distribuídos. “Se uma empresa não usa IA, ela vai fechar. O mesmo vale para países que não investirem nessa área. O futuro está sendo definido agora, e precisamos nos preparar.”

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade; ODS 09 – Indústria, Inovação e Infraestrutura

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