A crescente demanda por produtos agrícolas e pecuários no Centro-Sul do Brasil está pressionando significativamente o desmatamento da Amazônia, de acordo com um estudo da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP. Os pesquisadores mapearam as relações comerciais tanto dentro do Brasil quanto com o mercado global, identificando todos os elos da cadeia produtiva.
Eles descobriram que a demanda interna por produtos e insumos tem um impacto substancial sobre os recursos naturais da Amazônia, além do efeito das exportações. As conclusões do estudo foram divulgadas em um artigo na revista Nature Sustainability. Baseados nos resultados, os autores recomendam a ampliação das ações de rastreamento da produção agropecuária na Amazônia, que atualmente são limitadas a algumas grandes empresas, para incluir também os pequenos produtores e seus impactos sobre o desmatamento.
“O principal objetivo da pesquisa foi mapear e quantificar pelo lado da demanda quais as principais pressões econômicas sobre o desmatamento da Amazônia Legal”, afirma o professor e pesquisador Eduardo Haddad, da FEA, primeiro autor do artigo, em entrevista a Júlio Bernardes do Jornal da USP.
“A grande novidade que nós introduzimos foi a possibilidade de fazer a identificação do ponto de vista geográfico da origem dessas pressões; seja referente ao mercado interno, ao da própria Amazônia ou ao do restante do País, as demandas geradas pressionam o desmatamento de forma direta e indireta”, completa.
Abordagem sistêmica
Segundo Haddad, a literatura científica tradicionalmente enfatiza a demanda externa, ou seja, as exportações de produtos agropecuários da Amazônia para outros países. “Ao mapearmos as nossas origens de demanda, nós também identificamos o peso da procura local e principalmente o papel crítico que a demanda no resto do País, especialmente no Centro-Sul, de modo direto e indireto, exerce sobre o desmatamento da região amazônica”, aponta.
“O grande resultado da pesquisa é mostrar essa relevância das relações da Amazônia com o restante do Brasil, de forma a pressionar os recursos naturais.” No entanto, este estudo adota uma abordagem sistêmica, mapeando todas as relações de compra e venda em várias regiões, dentro e fora da Amazônia, e ao redor do mundo, para obter uma visão abrangente da cadeia de valor.
“Dessa forma, nós conseguimos identificar a demanda gerada, por exemplo, aqui em São Paulo, influenciando, direta ou indiretamente o desmatamento”, relata Haddad. “Diretamente, demandando por produtos finais, que exercem alguma pressão, especialmente os da agricultura e pecuária, e de forma indireta quando há uso de insumos da floresta que possam pressionar a mudanças no uso da terra, e dessa forma identificamos a relação do Centro-Sul do Brasil com o desmatamento por meio dos fluxos de comércio e das interações econômicas.”
“Ao fazermos esta análise no contexto de cadeia produtiva e efeitos sistêmicos, olhando pelo lado da demanda, a gente consegue olhar todos os elos dessa cadeia que chegam no desmatamento”, enfatiza Haddad. “Então o que a gente sugere, e isso já tem sido feito por intermédio de algumas grandes empresas que usam recursos naturais na Amazônia, é identificar quem são os fornecedores, e ao rastreá-los, garantir que tenham práticas ambientalmente saudáveis, ou seja, não estejam desmatando na sua produção; é importante aumentar esse procedimento para que o problema não persista.”
Mais sobre o estudo
O estudo contou com a participação de Inácio Araújo, pós-doutorando, Ademir Rocha e Karina Sass, pesquisadores associados do Núcleo de Economia Regional e Urbana (Nereus) da USP, sediado na FEA, e Fernando Perobelli, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A pesquisa também teve colaboração do projeto sobre a Nova Economia da Amazônia da organização World Resources Institute Brasil (WRI Brasil), com o economista Rafael Feltran Babieri e Carlos Nobre, coordenador do projeto e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
“Essa é uma das questões que levantamos no trabalho: o processo de rastreamento teria que tomar uma escala nacional para chegar até os pequenos produtores”, recomenda o pesquisador da FEA. “A pesquisa demonstra que é possível mapear e rastrear os elos da cadeia produtiva, até chegar, no início do processo, aos pontos que estariam associados ao desmatamento.”
“Outro ponto discutido no artigo, que tem a ver com políticas públicas, se refere a consequências não desejadas de algumas medidas, como, por exemplo, a Reforma Tributária, que eventualmente pode gerar pressões sobre os recursos naturais ao desonerar exportações e gerar isenções totais ou parciais sobre produtos agrícolas, caso não haja rastreabilidade ou fiscalização”, explica Haddad. “Por outro lado, essa mesma reforma pode gerar recursos adicionais para a criação de fundos de desenvolvimento regionais direcionados a ações de adaptação e mitigação visando políticas de desmatamento zero.”
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis
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