Há dois anos, foram constatadas diversas irregularidades no credenciamento de clínicas médicas e psicológicas que prestam serviço ao Detran de Goiás. Situação que é de pleno conhecimento do Ministério Público e que levou o promotor Fernando Krebs a instaurar inquérito civil público para apurar supostas irregularidades relacionadas ao credenciamento de clínicas sem observar a Lei de Licitações. “Conforme a denúncia que recebemos, essa contratação acontecia de forma arbitrária, atendendo a vontade e interesses do presidente o órgão”, afirma o promotor.

As fraudes não se limitavam ao processo de credenciamento. O próprio Detran constatou irregularidades nos procedimentos realizados nessas clínicas. De acordo com o diretor de Operações, coronel Sebastião Vaz, foi verificado inclusive a elaboração de laudos de exames médicos e psicológicos sem a presença do candidato.  

Atualmente, 151 clínicas e 640 médicos e psicólogos prestam serviço ao Detran em todo Estado. Eles realizam uma fase importante no processo de habilitação do motorista: fazem o teste psicotécnico e o exame médico que vão comprovar ou não a capacidade de o candidato dirigir. Todavia, o Detran não fiscaliza a execução desse serviço, que, a despeito de ser terceirizado, é de total responsabilidade do órgão. Algumas clínicas, como foi denunciado à Rádio 730, cobram acima do preço de tabela do Detran, fixado em R$ 60, e muitas se negam a emitir o recibo do exame. “Renovei minha carteira em Aparecida de Goiânia, tive que  pagar R$ 75 pelo teste psicotécnico e ainda não consegui recibo para ser ressarcida pela empresa onde trabalho”, reclama a representante comercial Paula Nunes.  

Para averiguar a denúncia, a reportagem ligou para várias clínicas credenciadas tanto no interior como na capital. Em Aparecida de Goiânia, o contato foi feito com as sete clínicas credenciadas, que, por telefone, informaram cobrar R$ 60 pelo exame. Quanto à emissão de recibo, três admitiram não emitir o documento. “Não temos a prática de emitir recibo já que não faz parte das exigências do Detran”, justifica a atendente da Clínica do Condutor, na Vila Brasília. Todavia, essas clínicas substituem o Detran na prestação desse serviço e, portanto, deveriam adotar a mesma prática exigida da administração pública, na qual a emissão de recibo é parte de todo e qualquer procedimento cobrado do cidadão.Coronel Vaz - Detran

O fato de o MP e Detran terem em mãos evidências de todas essas irregularidades – que são anteriores a 2011 – não levou ao descredenciamento das clínicas e abertura de um novo processo de contratação. A única medida tomada foi a suspensão do credenciamento de novas clínicas, decisão tomada no final de 2011. As clínicas suspeitas de fraude continuam no sistema e seus contratos são renovados anualmente. Em nota, a Assessoria de Comunicação do Detran confirmou que, para renovar o contrato, as clinicas e profissionais credenciados até 2011 apenas preenchem um requerimento que é encaminhado aos responsáveis por autorizar a renovação para pessoa física ou jurídica: o diretor de Operações, coronel  Sebastião Vaz, e o presidente do órgão, José Taveira Rocha. O Detran define preço do serviço a ser prestado, todavia não interfere na forma de pagamento  nem fiscaliza o atendimento das clínicas. A partir da assinatura do contrato, o interessado fica sujeito à prática adotada por cada credenciado.

Só dois anos depois da suspensão de novos credenciamentos é que o Ministério Público resolveu agir. Em junho deste ano, o promotor Fernando Krebs solicitou ao Detran os contratos para serem avaliados, mas até hoje não deu andamento ao processo. “Caso (as denúncias) sejam comprovadas, o Detran terá que se adequar a legislação e abrir processo licitatório, democratizando os credenciamentos; se isso não acontecer, o órgão responderá judicialmente”, promete Krebs.

A atitude da direção do Detran não é diferente. Dois anos depois da suspensão dos credenciamentos o órgão ainda não organizou o processo licitatório para contratação de novas clínicas e profissionais. De acordo com o diretor de operações, Coronel Sebastião Vaz, o órgão só vai abrir novas concessões depois de validar um decreto que endurece os pré-requisitos para novas contratações. “Suspendemos o processo para construir novas regras de convênio. Esses novos pré-requisitos vão fazer parte de um decreto que moralizará a relação do Detran com os prestadores de serviço.” Segundo Sebastião Vaz,  o decreto foi  enviado à Casa Civil, mas ainda não obteve o aval do governador Marconi  Perillo.

Enquanto as novas regras não saem do papel, o Detran investe em tecnologia para evitar as recorrentes fraudes. Segundo o  coronel Vaz,  será adotada a identificação biométrica aos exames de habilitação, só que o diretor de operações reconhece que o processo ainda nem foi licitado.  “Inclusive lançamos  um chamamento para esses profissionais comparecerem aos postos do Detran para a captura das impressões digitais dos dedos, foto e assinatura, processo necessário para implantar uma metodologia de fiscalização através da biometria.  Isso vale dizer que aquelas fraudes que aconteceram no passado de exames médicos sem que o candidato estivesse presente não serão mais possíveis.”

Irregularidades envolvendo o Detran de Goiás são comuns. Em setembro de 2010, 21 pessoas foram presas suspeitas de envolvimento em fraudes na emissão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de irregularidades em vistorias de veículos.  Por causa da ação, denominada Operação Carta Marcada, o órgão chegou a ser fechado por um dia.  As fraudes eram realizadas tanto em Goiânia como no interior do Estado, e também em Minas Gerais e Pará. Na ocasião, foi constatado o pagamento de propina para que os responsáveis pela vistoria de veículos no Detran validassem o procedimento mesmo sem sua realização.

No final do ano passado, mais uma fraude na emissão de carteiras de motoristas fez com que o Detran de Goiás suspendesse mais de 1.200 processos. A trapaça envolveu a falsificação de comprovantes de endereço. De acordo com o Detran, candidatos de Minas Gerais, Bahia, Tocantins, Distrito Federal e Mato Grosso abriram processos em Goiás para facilitar a aprovação e tirar carteira de motorista. De setembro de 2012 a março deste ano, cinco mil processos foram recolhidos com suspeita de irregularidades. Destes, 1.241 foram cancelados por fraudes.