Quando olhamos para as tabelas de classificação de La Liga e Serie A, respectivamente as primeiras divisões do Campeonato Espanhol e do Campeonato Italiano, vemos Barcelona e Juventus no topo. Um fato bastante comum, inclusive, e não apenas nesta temporada. Quando falamos nessas competições, é difícil não associar os títulos para blaugranas e bianconeri.

Dos últimos 15 campeonatos nacionais da Espanha, dez foram conquistados pelo Barcelona. O Madrid domina a Europa, mas não seu país. Na terra do rei, quem vence é o time dos catalães, e não o time que carrega a coroa da família real. Os culés são os atuais bicampeões e lideram o torneio de 2019-20 com 64 pontos em 29 jogos, dois a mais que os merengues. Com duas jornadas desde o retorno da Liga, duas vitórias para cada.

Já na Itália, nesta década, apenas dois clubes venceram o campeonato nacional. Se o Milan abriu os anos 2010 com sua taça, depois apenas a Juventus colocou o scudetto na sua camisa. O atual octacampeonato é um recorde sem precedentes no belpaese. Nesta temporada, em 26 rodadas, os juventini somaram 63 pontos, logo seguidos pela Lazio, com 62, enquanto a Inter acompanha de mais longe, com 54 e um jogo a menos.

De qualquer forma, apesar das lideranças, esta não tem sido uma temporada fácil para Barcelona e Juventus. Ambos os clubes vivem uma fase de transição nos seus times e enfrentam uma crise de identidade, que coloca em xeque o sucesso das equipes com o retorno do futebol na Europa depois de três meses sem atividades. Há pressão por melhores desempenhos na liga, assim como por títulos nas copas – principalmente na Liga dos Campeões.

Na Catalunha, a crise de identidade passa pela necessidade de renovação de ideias. O ‘jeito Barça’, personificado na figura de Johan Cruyff e no lema ‘més que un club’, pintado na arquibancada do Camp Nou, viveu momentos de crise na década com o pragmatismo com Luis Enrique e Ernesto Valverde, embora os blaugranas tenham empilhado títulos no período. Com Quique Setién e a rigidez do ‘jogo de posição’, o clube tenta recuperar sua identidade.

Já no Piemonte, a crise de identidade juventina, na verdade, é uma adaptação. Ou melhor, uma modernização. A reestruturação do clube desde o rebaixamento para a segunda divisão após o escândalo do calciopoli, em 2006, levou os bianconeri a mudarem a forma de administrar o futebol, seguindo os passos dos outros negócios da família Agnelli, que levavam uma forma mais profissional de gerenciamento.

O que era praticado em campo, contudo, não transparecia o que a nova marca do clube queria vender. Não se engane, o ‘jeito Juventus’ ainda segue o lema ‘fino alla fine’ – custe o que custar, só a vitória importa. Porém, com Maurizio Sarri e sua obsessão pelo controle do jogo através da bola e do espaço – talvez uma antecipação para Pep Guardiola -, os juventini querem vencer com brilho. Não mais com a rigidez de Antonio Conte ou o pragmatismo de Massimiliano Allegri.

Em ambos os casos, muitos questionamentos sobre os trabalhos de Setién e Sarri e apresentações com nível abaixo da expectativa. Até a Liga dos Campeões retornar em agosto, os treinadores terão um mês e mais algumas semanas para corrigir problemas que enfrentavam antes da paralisação do futebol em março e que voltaram carregando neste mês – com todas as ponderações que devemos fazer após tanto tempo sem futebol.

O Barcelona, apesar da vantagem na classificação, carregando também mais vitórias (20, contra 18) e gols marcados (69, contra 55), mostra instabilidade e dificuldade para conquistar seus objetivos quando Lionel Messi não é sobre-humano. Por sua vez, o Madrid, apesar de também muito inconsistente na liga nas mãos de Zinédine Zidane, carrega menor número de derrotas (três, contra cinco) e menos gols sofridos (20, contra 31), além da vantagem no decisivo confronto direto – empate em Barcelona, vitória em Madri.

Como ainda faltam muitos jogos – nove rodadas, que serão disputadas ao longo de um mês, até o dia 19 de julho -, não é simples avaliar as tabelas dos arquirrivais na Espanha. Equilíbrio que também é refletido na Itália, onde há ainda mais jogos a serem realizados – 12 para Juventus e Lazio, 13 para Inter, até o dia 2 de agosto. O fato é que, no caso dos bianconeri, os tropeços recentes em jogos decisivos, inclusive finais, levantam dúvidas sobre o time.

O futebol italiano voltou com a Copa da Itália, troféu que pela segunda vez seguida a Vecchia Signora deixou de ganhar. Mas a derrota no Olímpico de Roma para o Napoli vai muito além disso, e carrega as quedas para a Lazio, tanto na copa, na temporada passada, quanto na última Supercopa da Itália. Sem esquecer também das perdas no campeonato, onde o time de Simone Inzaghi e Ciro Immobile passou a ser uma pedra no sapato de Cristiano Ronaldo e companhia.

As apresentações ruins no retorno expuseram os problemas da equipe de Sarri, que enquanto ainda precisa resgatar a melhor condição física dos seus jogadores, também necessita criar um sistema mais frutífero para sua principal estrela – sem perder o brilho das outras. Por outro lado, vê no seu retrovisor uma Lazio que carrega 21 jogos de invencibilidade, além da rival Inter, que pese tenha sido derrotada no Derby d’Italia, mas que conduziu um melhor trabalho de recuperação durante a parada.

Só esqueci de uma coisa: sob o comando de Messi e Cristiano, tudo o que escrevi sobre Barcelona e Juventus pode ir por água abaixo em uma única jogada. E, às vezes, isso basta. Às vezes, o futebol pode ser bastante simples. Sorte a nossa que podemos, finalmente, voltar a segui-los a cada semana.

Relaxamento

O futebol também carrega uma responsabilidade social. É muito mais do que um esporte de alto desempenho, que envolve muitas questões, como as burocráticas e financeiras, que forçaram esse retorno, assim como o exemplo que vende para todo o mundo. Jogadores de futebol vão muito além de atletas, e o que falam e fazem é ouvido e seguido por milhões, e até bilhões, de fãs.

Por isso, mesmo que todos os envolvidos no retorno do futebol neste momento tenham que passar por recorrentes exames, o relaxamento no cumprimento dos protocolos nos campeonatos europeus, que foi possível observar desde a última semana na Alemanha, em Portugal, na Espanha e na Itália, é uma mensagem muito ruim para a população. Ao contrário do que aparentam vender em campo, a situação não está controlada.

Por mais compreensível que sejam os gestos no ‘calor’ do jogo, a mensagem que passam com abraços, discussões cara a cara e entre outras violações do protocolo é de que a normalidade voltou, quando, na verdade, isso está longe de acontecer, infelizmente. As regras criadas, condições estas fundamentais para as ligas receberem as liberações para retornarem, não servem somente para garantir a segurança dos atletas, mas para conscientizar os espectadores.