A doação de órgãos vai muito além de um simples ato de solidariedade, é doar vida e dar uma nova oportunidade para quem precisa. Para entender qual a importância da doação e de conversar sobre este assunto em família, vamos conhecer histórias de quem precisou contar com esse recurso para sobreviver. É o caso do Manoel José de Oliveira Neto, de 35 anos.

Manoel recebeu o diagnóstico de insuficiência renal crônica em agosto de 2008. A notícia abalou toda a família, já que a mãe biológica do servidor público faleceu devido a mesma doença.

“Os sintomas começaram de forma bem silenciosa. Conforme o tempo foi passando eu comecei a sentir muito enjoo, mau hálito e coceira pelo corpo. Como os sintomas eram simples eu jamais pensei que seria algo tão sério”, lembrou.

Martha e Manoel (Foto: Arquivo Pessoal)

A madrasta do Manoel, Martha Karina Ferreira Arraes, que é chamada e considerada mãe, já que conheceu o jovem quando ele tinha apenas 5 anos de idade e ajudou a educá-lo, contou que o diagnóstico veio após informações desencontradas.

“Em uma das piores crises dele, o médico chegou a dizer para o meu marido, Marcelo Anderson, que era apenas uma ressaca. Foi um dia muito traumático. Meu marido ficou muito bravo, porque o Manoel não bebe”, descreve Martha.

Segundo Manoel, foi depois dessa afirmação do médico que o pai começou a desconfiar do problema. Como a primeira esposa faleceu da mesma doença, o Marcelo reconheceu os sintomas. “Meu pai insistiu com o médico nefrologista para que fizesse os exames”, lembra o jovem.

Marcelo, Martha e Manoel (Foto: Arquivo Pessoal)

O resultado saiu no mesmo dia e Manoel precisou ser internado, imediatamente, em uma UTI. O nefrologista explicou que uma pessoa normal apresenta 50 mililitros de ureia por litro de sangue, enquanto o de Manoel estava acima de 300.

“Nós pensamos que ele estava com algum problema estomacal, porque não comia direito. E quando descobrimos que era insuficiência renal, ficamos sem chão. Foi quase um mês sem saber o que a gente ia fazer, até que os médicos falaram que os rins pararam de vez e que a única solução era o transplante”, lembrou Martha.

Mudança de rotina

A partir do momento do diagnóstico, a vida do Manoel mudou totalmente. Restrições alimentares, nada de líquidos e, três vezes por semana, ele passava cerca de quatro horas e meia fazendo a hemodiálise. Durante quatro meses, ele enfrentou 47 sessões de hemodiálise e, com todas essas mudanças, o jovem precisou interromper os estudos.

A vida de Martha também mudou bastante, pois precisou parar de trabalhar para se dedicar em tempo integral ao tratamento do filho. “Aquilo doía em mim. Comecei a pesquisar na internet e buscar uma solução para melhorar a situação do meu filho”, relata a mãe.

Foto: Arquivo Pessoal

A família começou a procurar um doador, tentando irmãos e o pai do Manoel, mas não foi possível. Quando chegou a vez da Martha fazer o exame foi constatado que eles tinham apenas 17% de compatibilidade de tecidos. “Essa porcentagem foi a força que a gente estava precisando para dar mais uma chance para o meu filho”, diz emocionada.

O transplante

Com tudo organizado, a data da cirurgia foi marcada para o dia 9 de dezembro de 2008. Hoje, mais de 13 anos depois, Manoel diz que vive bem e é infinitamente grato à mãe pelo ato de amor que salvou sua vida.

“A Martha é minha mãe! Ela me criou, me ensinou tudo na vida e ainda teve toda essa disponibilidade, carinho e atenção para doar um órgão para mim. É muito emocionante”, ressalta Manoel.

A segunda mãe de Manoel conta que nunca pensou em desistir de ser a doadora do filho. “Eu não tive dúvidas. Quando soube que a solução era o transplante senti que eu seria a doadora, ele é meu filho e eu faço o que for necessário para o bem-estar dele. E hoje eu vivo normalmente, como e bebo o que eu quero e minha saúde está ótima”, afirma.

Conscientização

Para Manoel, é muito importante conversar sobre doação de órgãos com a família e pensar em ser doador. “Para quem quer doar pode ter certeza de que está resgatando a vida de outra pessoa e isso é uma ação que não tem preço”, diz.

O médico nefrologista do Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG), Afonso Lucas Oliveira Nascimento, espera que, com políticas de incentivo e informação, o medo da doação diminua.

“É muito importante ter consciência que a doação de órgãos salva muitas vidas. O que me deixa feliz é que a cada momento que passa esse medo da doação diminui e a vontade de fazer com que as pessoas mudem o prognostico e a qualidade de vida aumenta”, diz Afonso.

Médico Nefrologista do Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG), Afonso Lucas Oliveira Nascimento (Foto: Sagres Online)

Segundo o médico, para realizar o transplante de órgãos, existem dois tipos de doadores: o vivo e o falecido. No segundo caso, é a família que autoriza a doação, por isso é extremamente importante o diálogo.

“Quem decide se haverá ou não essa doação é a família, então no momento da morte a equipe de transplante vai falar com os familiares e, se eles derem uma negativa desse órgão, infelizmente, não será doado”, explica o médico.

É possível doar em vida um dos rins (como foi o caso da Martha e do Manoel), parte do fígado, parte dos pulmões ou medula óssea. Nesses casos, a legislação brasileira permite que cônjuges e parentes de até quarto grau sejam doadores.

Para pessoas que não estão inseridas nessas características, só é possível doar com autorização judicial, exceto nos casos de doação de medula óssea.

No Brasil, nos últimos quatro anos, foram realizados mais de 15 mil transplantes entre pessoas vivas só no Sistema Único de Saúde (SUS). A modalidade é possível desde que não impeça o organismo do doador de continuar vivo e não ofereça risco para a sua integridade.

Doação de órgãos e tecidos

Segundo o Ministério da Saúde, mais de 3.700 vidas foram salvas até junho de 2022, por meio da doação de órgãos e tecidos. Em Goiás, 329 transplantes de órgãos e tecidos foram realizados nos 7 primeiros meses de 2022.

De acordo com o médico nefrologista, desde sua implantação em 2017, o Serviço de Transplantes Renais do HGG já realizou cerca de 700 procedimentos. E um desses casos é do aposentado Jessé Pereira Barros. Ele conta que há cinco anos descobriu que a doença renal crônica, após ser picado por uma cobra.

“Minha pressão subiu e tudo foi piorando. No início pensei que poderia ser uma úlcera, pois sempre que me alimentava vomitava e passava muito mal. Quando fui ao médico para saber qual o estado do meu estômago descobri que o problema era renal e que já deveria estar fazendo hemodiálise”, relata.

Jessé Pereira Barros (Foto: Sagres Online)

O Jessé disse que quando recebeu o diagnóstico a família sofreu bastante e precisou ser o apoio para eles. “Eu não me apavorei, porque quando isso acontece aumenta o sofrimento. Então pensei em lutar pela minha vida sem ter medo do que estava por vir”, conta.

O aposentado lembra o dia em que recebeu a notícia que tinha conseguido um órgão compatível e enfim poderia realizar a cirurgia. “Foi só felicidade! O médico me ligou e disse o que estava acontecendo, na hora eu mal conseguia acreditar. Eu fiquei muito emocionado, almocei e já corri para o hospital”, relata.

A cirurgia foi realizada no dia 2 de novembro de 2022, e nesta terça-feira (15), o Jessé já deve receber alta. “Quero ir para casa abraçar minha esposa e depois viajar para rever meus pais”, conclui.

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