Nesta semana, uma polêmica entre a rede de supermercados Carrefour e frigoríficos brasileiros ocupou o noticiário do país. O desentendimento tem fundo político e econômico e ressalta o desejo do Brasil em assinar ainda em 2024 o Tratado de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia.
A polêmica começou no dia 20 de novembro quando o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, publicou em sua rede social uma carta que enviou aos representantes do setor agrícola da França. Na legenda, ele escreveu que é solidário aos produtores rurais franceses que estão protestando contra o acordo com o Mercosul.
“Em solidariedade ao mundo agrícola, o Carrefour se compromete a não vender carne do Mercosul. Este é o significado da minha mensagem aos presidentes dos sindicatos agrícolas”, escreveu.
Conteúdo da carta
Alexandre Bompard expressa na carta que todos na França estão ouvindo “o desespero e a indignação dos agricultores” com o possível acordo. No entanto, o CEO do grupo fala em seguida que também preocupa “o risco de inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas”.
A dúvida acerca da qualidade da carne é considerado um dos principais pontos da reação dos frigoríficos brasileiros. Em resposta a essa preocupação que o CEO diz existir, ele destaca na carta o compromisso de não comercializar nenhuma carne proveniente do Mercosul e ainda de inspirar outros grupos no mesmo sentido.
“Esperamos inspirar outros atores do setor agroalimentar e impulsionar um movimento mais amplo de solidariedade, além do papel da distribuição, que já lidera a luta em favor da origem francesa da carne que comercializa”, pontua. “Somente unidos poderemos garantir aos pecuaristas franceses que não haverá nenhuma possibilidade de contornar essa questão”, acrescenta.
Reação no Brasil
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é formado por Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. Por isso, o comunicado do CEO do Carrefour não foi bem recebido no país e desencadeou uma forte reação dos frigoríficos brasileiros. Em resposta a decisão, portanto, frigoríficos como JBS, Marfrig e Masterboi começaram a suspender o fornecimento de proteína animal para a rede Carrefour Brasil.
A suspensão foi confirmada pelo próprio Carrefour Brasil na segunda-feira (25), ocasião em que lamentou a situação e reforçou “estima e confiança no setor agropecuário brasileiro”. O boicote dos frigoríficos do país ganhou apoio do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Em entrevista à GloboNews, o ministro Carlos Fávaro, classificou a fala como um “protecionismo desproporcional”.
Assim, então, a embaixada do Brasil em Paris emitiu um comunicado oficial sobre o assunto, no qual condenou as declarações de Alexandre Bompard.
“O Brasil respeita, democraticamente, a oposição de qualquer setor ao acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia. Tal posição, no entanto, não pode justificar uma campanha pública baseada na disseminação generalizada de desinformação contra produtos brasileiros”.
Pedido de desculpas
O ministro Carlos Fávaro recebeu na terça-feira (26) uma carta de retratação de Alexandre Bompard. O documento ratifica o apoio do grupo aos produtores agrícolas franceses e explica como o Carrefour construiu a sua política de trabalho em cada país.
“O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil”, diz a carta.
Para esclarecer o apoio aos produtores franceses, Bompard afirma que o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa e que quase toda a carne para as atividades na França é comprada no próprio país. Expressando, assim, que o grupo não irá alterar essa forma de mercado.
“A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais”, destacou.
Acordo com o Mercosul
Na carta, Alexandre Bompard se retrata com os produtores brasileiros, ressaltando que aqui, o Grupo Carrefour Brasil é parceiro da agricultura brasileira e que prestigia a produção e os atores locais e, assim, fomenta a economia do Brasil.
“No Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos”.
Por fim, o CEO expressa confiança na qualidade da carne brasileira e pede desculpas pela confusão gerada na comunicação do Carrefour França.
Toda a polêmica tem como pano de fundo o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, porque os os produtores europeus têm receio de que o acordo faça com que as mercadorias dos países do bloco fiquem mais baratas e diminua a competitividade do mercado.
Livre comércio
A polêmica acabou e o fornecimento para os mercados Carrefour Brasil está normalizado. No entanto, ela aponta para um imbróglio de muitos anos: o fechamento do acordo comercial. Na teoria, com o acordo, os países do bloco sul-americano teriam acesso a um dos mercados comerciais mais ricos do mundo. Pois o acordo prevê a eliminação ou a redução de tarifas de importação entre os blocos.
Mas, a negociação já dura 25 anos e está paralisada desde 2019, porque o governo francês alega que o texto não cumpre as exigências ambientais na produção agrícola e industrial. Em visita ao Brasil no início do ano, o presidente da França, Emmanuel Macron, reforçou que o país quer “pequenas alterações” no acordo que atendam às suas exigências de biodiversidade e clima.
“Esse acordo é um freio para o que estamos fazendo para retirar o carbono das economias e lutar pela biodiversidade. Nós, europeus, temos o texto mais exigente do mundo em matéria de desmatamento e descarbonização. Pedimos a nossos agricultores e industriais para que façam transformações históricas, esforços enormes. Houve muitos descontentes que se manifestaram [na França, contra exigências ambientais]. Mas se abrirmos para produtos que não respeitam esses acordos, somos loucos, não vai funcionar”, afirmou.
Possível fechamento este ano
Para o Brasil, o acordo é muito importante. Nesta semana, durante evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou a posição da França e afirmou que quer fechar o acordo ainda este ano.
“Os franceses não apitam mais nada, quem apita é a Comissão Europeia, e a Ursula von der Leyen tem procuração para fazer este acordo. Pretendo assinar este acordo este ano ainda”, disse.
O negociador-chefe da UE, Rupert Schlegelmich, possui mandato dos países-membros para fazer a negociação com o Mercosul. Para isso, leva em consideração a posição dos países-membros, que além da França, tem Alemanha, Itália e Espanha, favoráveis ao acordo.
Se aprovado, o acordo ainda seria submetido ao Conselho da União Europeia e precisaria de, ao menos, 55% dos países. Desta forma, a França não consegue vetar o acordo sozinha.
*Com informações da Agência Brasil, G1 e CNN
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 04 – Educação de Qualidade.
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