Mônica Bergamo
(FOLHAPRESS) – Um grupo formado por 11 entidades elaborou uma nota técnica endereçada à Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados que contesta o chamado Estatuto do Nascituro, projeto de lei que voltará a ser discutido nesta quarta-feira (14).

As entidades destrincham, ponto a ponto, o texto do relator da proposição, deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), questionam sua tramitação apressada e afirmam que o estatuto, se aprovado, representaria uma agressão fatal a conquistas democráticas do país.

“A análise deixa claro que o objetivo da normativa não é proteger a vida dos fetos, como faz crer, mas, sim, controlar a sexualidade e a reprodução das mulheres e demais pessoas que gestam, violando seu direito fundamental de autonomia sobre os próprios corpos”, dizem.

O documento é assinado por entidades como Rede Feminista de Saúde, Campanha Nem Presa Nem Morta, Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, Anis – Instituto de Bioética, Marcha Mundial de Mulheres e Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep).

A nota técnica afirma que, ao propor a “proteção integral do nascituro”, o projeto de lei equipara embriões e fetos a crianças e adolescentes. O atual Código Civil preserva a expectativa de direitos dos fetos, mas determina que o direito à vida e à personalidade se inicia apenas após o nascimento, apontam.

De acordo com as entidades, a proposta discutida na Câmara dos Deputados ainda incorre em uma espécie de assimetria jurídica ao reduzir quem gesta a apenas um “meio do vir a ser do embrião”.

“Não é possível absolutizar o direito à vida do nascituro de modo a retirar completamente o direito à vida, à saúde, à dignidade e à autonomia da mulher”, dizem.

“Como sujeito de direitos, a mulher não pode ser reduzida à condição de ‘chocadeira’ para o direito, tendo seus direitos completamente violados. Essa concepção afeta, inclusive, a família, pois não raramente essas mulheres são mães de outros filhos. Ou seja, para proteger o nascituro, é possível deixar os demais filhos sem mãe?”, continuam.

Em uma segunda manifestação, também endereçada à Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara, a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos afirma que o projeto de lei fragiliza direitos de meninas e mulheres já conquistados ao inviabilizar “as já limitadas hipóteses da interrupção da gravidez”.

Atualmente, o aborto é considerado legal no Brasil em casos de gravidez após estupro, de feto anencéfalo e quando há risco de morte materna -o que poderia ser revogado em caso de promulgação do Estatuto do Nascituro.

“Essas restrições afetam principalmente meninas e mulheres negras, indígenas e periféricas que desejam exercer seu direito de interromper legalmente a gestação, considerando-se a questão do racismo estrutural que permeia fortemente as instituições públicas no Brasil”, afirma a presidente da Anadep, Rivana Barreto Ricarte de Oliveira, citando segmentos mais vulneráveis.

O Estatuto do Nascituro, apresentado pelos deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (antigo PHS-MG) em 2007, qualifica o aborto como crime hediondo.

O projeto atualmente está em apreciação na comissão da Câmara, presidida pela bolsonarista Policial Kátia Sastre (PL-SP), que se elegeu como suplente nas eleições de outubro. A comissão é composta em sua maioria por bolsonaristas e evangélicos, que se opõem ao aborto.
De acordo com as 11 entidades que elaboraram nota técnica questionando a proposta, o texto criminaliza qualquer manifestação pública sobre o aborto, “oficializa a tortura contra a gestante” ao vetar o procedimento nos casos hoje previstos em lei e ainda cria obstáculos para procedimentos de reprodução assistida.

“O aumento dos casos de aborto coloca o Estado como responsável pela morte de tais mulheres em condições inseguras e clandestinas, ao não prever sequer a exceção do aborto humanitário, o que configura uma política oficial de discriminação e menosprezo do Estado em relação às mulheres, com a priorização do feto em relação à mulher”, afirmam.

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