A expressão “Novo Ensino Médio” é utilizada mais frequentemente a partir da implementação da série de mudanças relacionadas à “Reforma do Ensino Médio”, que alterou de forma significativa a rotina de salas de aula em todo país.

A Reforma surge oficialmente a partir da Lei 13.415, resultado de uma Medida Provisória, conduzida em meio ao governo do ex-presidente Michel Temer.

Apesar de aprovada, as implicações da nova proposta seguem sendo alvo de debates no país. Atualmente, o Ministério da Educação (MEC) conduz um período de consulta pública. Para isso, ouve professores, alunos e gestores escolares, o que deve gerar mais mudanças para a última etapa da Educação Básica.

Em especial sobre o tema, o Conexão Sagres abordou, entre outros assuntos, o que realmente seria um novo modelo ideal de Ensino Médio, considerando os principais desafios para a etapa.

Novidade

O Novo Ensino Médio recebe esse nome por ser diferente do modelo tradicional, bem conhecido pelos mais de 7 milhões de alunos matriculados, de acordo com o Censo da Educação Básica de 2021.

Entretanto, apesar das novidades geralmente estarem associadas a palavras como “modernidade” e “inovação”, o modelo em andamento, segundo especialistas, apresenta lacunas importantes. Nesse sentido, se não resolvidas, podem reforçar desigualdades e defasagens significativas. Essas, já há muito tempo conhecidas no país.

“Várias medidas foram sendo tomadas para tentar melhorar o Ensino Médio brasileiro”, explica Gabriel Corrêa, Diretor de Políticas Públicas da organização Todos Pela Educação, em entrevista ao Conexão Sagres.

Além disso, Corrêa cita exemplos de iniciativas anteriores à proposta resultante da Lei 13.415, como o que ficou conhecido como Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), instituído pela Portaria n°71, em 2009.

Consenso

“Mesmo com todas essas discussões, acho que um ponto comum é: o jeito que está, não é bom para o Brasil, não é bom para cada um dos jovens e nem para a sociedade”, afirma Gabriel Corrêa.

Nesse sentido, é possível encontrar um ponto em comum mesmo entre os grupos que apresentam opiniões divergentes: mudanças precisam ser colocadas em prática. Além disso, voltar para o modelo anterior não é uma opção apresentada por nenhum especialista, porém, o que colocar no lugar?

“É preciso pensar em outros elementos que não estão sendo pensados nesse chamado de Novo Ensino Médio. Como iremos fazer para no médio e longo prazo, trabalhar a questão da valorização e formação dos professores? A infraestrutura das escolas, o apoio que as diretoras precisam?”, indaga o representante do Todos Pela Educação.

Flexibilização curricular

Uma das grandes mudanças incorporadas pelo Novo Ensino Médio são as alterações relacionadas às mudanças no currículo de disciplinas. Anteriormente, todos os alunos do país cursavam as mesmas disciplinas classificadas como obrigatórias. O novo modelo oficializa mudanças na organização dos conteúdos e integra os Itinerários Formativos como parte do currículo.

Nesse sentido, alunos matriculados na mesma série e na mesma escola, poderão ter grades curriculares diferentes. Isso porque o preenchimento de uma parcela da carga horária de aulas será de acordo com a escolha dos estudantes.

Porém, os alunos podem escolher com base no que suas escolas conseguem oferecer. Na prática, segundo especialistas, muitas escolas não conseguem oferecer opções de todas as áreas do conhecimento, o que restringe as possibilidades ofertadas.

Ao todo, são cinco itinerários formativos. No entanto, por Lei, a escola precisará oferecer no mínimo dois. Para a execução dos itinerários, o tempo da carga horária da chamada Formação Geral, isto é, a que envolve disciplinas como Matemática, Língua Portuguesa, História e Língua Inglesa, foi reduzido.

Educação Integral

“O conceito de educação integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea” diz o trecho encontrado na última versão da Base Nacional Comum Curricular.

O documento é um dos norteadores para as políticas educacionais no país, e apresentou modificações para a etapa do Ensino Médio, após a aprovação da Lei 13.415, pelo Congresso Nacional em 2017.

Na produção do especial “Conexão Sagres: Qual é o Ensino Médio que queremos?”, diferentes especialistas sugeriram que o país já possui documentos que sugerem o que deve ser feito em relação ao Ensino Médio. Para eles, o que falta é a execução real e sistematizada do que já foi previsto.

Em fala recente sobre o Plano Nacional de Alfabetização, o Ministro da Educação, Camilo Santana afirmou que não será preciso “reinventar a roda”, já que o país possui boas iniciativas na etapa da alfabetização. Para os três anos finais da Educação Básica, o raciocínio é semelhante, de acordo com especialistas.

“Não há um modelo, mas uma construção curricular que leve em consideração as disciplinas que são importantes, as clássicas, mas que ao mesmo também estejam ligadas com ações que levem os seus significados para a realidade do estudante”, sugere a educadora e coordenadora do comitê goiano representante da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Fabiane Oliveira.

Metodologias

De acordo com Fabiane, um Ensino Médio verdadeiramente novo não pode ser composto por reduções ou simplificações.

Isso porque, quando se propõe uma Educação Integral, é preciso considerar além do tempo em sala de aula. Indo além, a concepção deve considerar a composição de um ensino que englobe palavras como autonomia, criticidade e conexão com a realidade dos alunos.

“Nós precisamos de um novo Ensino Médio que seja a favor de nós, da nossa educação e do nosso futuro”, é o que diz Mariana Moraes, aluna de 16 anos, de escola pública do estado do Rio Grande do Norte.

Receosa quanto ao que esperar para o futuro, Mariana diz sentir falta de mais tempo com disciplinas como Filosofia e História. A aluna que sonha com a entrada no Ensino Superior, teme não ter chances equilibradas quando comparada a outros alunos da rede privada de ensino.

“Qual é o modelo de formação que nós estamos querendo para os nossos jovens? Queremos um modelo de emancipação e conscientização? Ou um modelo de cópia e de pessoas que não têm autonomia para falar por si?”, indaga Fabiane Oliveira.

Infraestrutura

A discussão sobre os investimentos direcionados à Educação aparecem com frequência entre as propostas de especialistas para o futuro do Ensino Médio.

Nesse sentido, alguns pontos ganham destaque. Entre eles, a formação e valorização de professores, políticas de assistência para estudantes, e a própria estrutura física de escolas. Assim, melhorias em laboratórios, quadras e salas de informática.

“Se nós já temos escolas no Ensino Médio que não tem estrutura no horário regular, como é que essas mesmas escolas vão agora ter estrutura para dar um ensino integral a esses estudantes e ao mesmo tempo oferecer todas as cinco formações?”, questiona a representante da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.

Sobre o assunto, Gabriel Corrêa destaca que não há um caminho para um Ensino Médio verdadeiramente novo, que não passe pelas discussões que procuram combater o padrão de desigualdades sociais.

“Quando falamos de baixos níveis de aprendizagem, com altos índices de evasão, estamos sempre falando da juventude negra, mais pobre e periférica”, reflete.

Novas possibilidades

No documento intitulado “Referenciais Curriculares para a elaboração de itinerários formativos”, apresentado pelo Ministério da Educação em 2019, entre os objetivos listados está o desenvolvimento de habilidades que “permitam aos estudantes ter uma visão de mundo ampla e heterogênea, tomar decisões e agir nas mais diversas situações, seja na escola, seja no trabalho, seja na vida”.

Para o alcance desse objetivo efetivamente na vida escolar dos alunos, é preciso considerar conceitos como protagonismo e autonomia.

“Imagina que riqueza seria um currículo onde os estudantes fossem realmente os protagonistas?”, sugere Fabiane Oliveira. Segundo a pesquisadora, é preciso transformar em primeiro lugar o ambiente próximo ao estudante.

“O conhecimento não é feito de uma forma rápida e instantânea. Ele precisa ser trabalhado, pensado e refletido”, complementa.

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