José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A COP 30 – 30ª edição da Conferência das Partes, reunião anual organizada pelas Nações Unidas (ONU) para definir e implementar ações globais de enfrentamento da crise climática – está sendo aguardada com forte expectativa. Agendada para novembro de 2025, deverá ocorrer em Belém, capital do Pará, em plena Amazônia brasileira. É esse componente altamente simbólico que explica o especial interesse suscitado pelo evento. Muitas iniciativas positivas já estão em curso e a construção de uma agenda para a implementação da bioeconomia faz parte do processo.
Estudo recente investigou a governança da política pública em bioeconomia no Estado do Amazonas, analisando sua estrutura e arranjos de implementação. O objetivo foi compreender como uma política pública na área se relaciona com os esforços locais e identificar formas de aprimorar a sua efetividade. Conduzido por Vanessa Cuzziol Pinsky, pesquisadora da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), o trabalho foi supervisionado por Jacques Marcovitch, professor emérito da USP, e teve a participação do pesquisador Adalberto Luis Val, atualmente sediado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Os resultados foram publicados na Revista de Administração Contemporânea.
“O objetivo principal da pesquisa foi entender se e como o sistema de governança da política pública em bioeconomia no Estado do Amazonas se integra com esforços efetivos de implementação. Nosso modelo foi o da governança experimentalista para formulação e implementação de políticas públicas, abordagem bem-sucedida na União Europeia para lidar com a complexidade e a diversidade de seus Estados-Membros, por meio de uma coordenação de políticas sem impor regras rígidas em áreas como mudanças climáticas, regulação financeira e direitos sociais”, diz Pinsky.
A pesquisadora explica que o conceito de “governança experimentalista” traduz a ideia de um processo mais flexível, envolvendo atores públicos e privados em diferentes níveis, por meio de uma abordagem de aprendizado contínuo baseada na prática, adaptação e participação descentralizada. “A intenção é criar uma dinâmica que facilite a formulação de regras e a definição de arranjos de implementação capazes de garantir que a política nacional se traduza em práticas e resultados concretos nos níveis subnacional e local, beneficiando o desenvolvimento socioeconômico com a conservação ambiental dos territórios”, afirma.
Em um sistema desse tipo, as lições aprendidas ao longo do processo possibilitam melhorar a elaboração de regras e metas, considerando os desafios, as experiências bem-sucedidas e os erros a serem evitados. Isso demanda uma estrutura de governança participativa e multinível, além de articulação com as políticas setoriais já existentes, de forma a contemplar os interesses econômicos muitas vezes divergentes dos diferentes atores. Além disso, é necessário estabelecer um sistema de revisão por pares dos resultados e dos impactos, subsidiando a revisão dos planos e metas. “É fundamental que tudo isso deságue na formulação de uma agenda de Estado e não de governo, pois muitas iniciativas excelentes acabam sendo descontinuadas cada vez que um grupo governante é substituído por outro”, enfatiza o professor Marcovitch.
Entre as recomendações do estudo, destacam-se a criação de um sistema de métricas e metas, com indicadores de resultado e impacto, a definição de mecanismos de financiamento sustentável e a institucionalização da bioeconomia como política transversal de longo prazo. Essas medidas visam garantir a perenidade das iniciativas e atrair investimentos para a região. “A bioeconomia se apresenta como uma alternativa viável para aliar desenvolvimento socioeconômico e conservação ambiental na Amazônia, mas seu sucesso depende de um sistema de governança eficaz, participativo e resistente a mudanças políticas”, argumenta Marcovitch.
Pinsky conta que o conceito de “redes de conhecimento produtivo” em lugar de “cadeias produtivas” guiou a pesquisa. Esse conceito foi proposto pela Secretaria de Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas (Sedecti). As redes de conhecimento produtivo consideram que o uso sustentável dos recursos naturais, a coleta e o cultivo por agricultores familiares e povos tradicionais são pilares estruturantes das cadeias produtivas nos territórios. Tal modelo prioriza a conservação ou regeneração dos ecossistemas em harmonia com o modo de vida das comunidades locais, os saberes tradicionais e as práticas de produção familiar em pequena escala, muitas vezes organizadas em associações e cooperativas.
“A valorização do conhecimento tradicional, o envolvimento efetivo e o protagonismo dos povos indígenas e das comunidades locais são indispensáveis para o fomento da política em bioeconomia. Melhorar a qualidade e agregar valor aos produtos da sociobiodiversidade, considerando o uso sustentável da floresta, a geração de emprego e renda e bem-estar das comunidades, são bases estruturantes para a formulação de políticas de desenvolvimento regional na Amazônia”, afirma a pesquisadora.
O estudo agrupa em cinco pilares suas contribuições para o aprimoramento do sistema de governança da política pública em bioeconomia: desenvolvimento de uma bioeconomia inclusiva, que considere a diversidade e os desafios locais na definição da estratégia; governança experimentalista, com um sistema flexível e eficiente baseado em metas e métricas e a revisão por pares dos resultados; institucionalização da bioeconomia como política de Estado e não de governo; inovação e modelo de hélice quíntupla, envolvendo governo, sociedade, indústria, academia e meio ambiente; estratégias de baixo para cima e de cima para baixo na formulação de políticas, reduzindo a burocracia, incentivando a inovação por meio da experimentação e identificando bases sólidas para o desenvolvimento das regras.
“A bioeconomia é uma abordagem socioeconômica promissora que concilia a conservação ambiental com a geração de emprego e renda, reduzindo a pobreza e a desigualdade. A articulação de uma política nacional com coordenação na esfera estadual e implementação no nível local é estratégica para fomentar o desenvolvimento de uma bioeconomia circular, regenerativa, de baixo carbono e inclusiva, centrada no bem-estar humano e na conservação dos ecossistemas”, resume Marcovitch.
A pesquisa foi apoiada financeiramente pela FAPESP, por meio do projeto “Cadeias produtivas com base na biodiversidade para geração de emprego e renda nos Estados do Amazonas e São Paulo”, coordenado pelo professor Marcovitch.
O artigo Experimentalist governance in bioeconomy: Insights from the Brazilian Amazon pode ser acessado em: www.scielo.br/j/rac/a/83ybm5nF3RjYnmFL36sGbbR/?lang=en.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 12 – Consumo e produção responsáveis.
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