Um estudo, destacado na revista Flora, realizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), ilumina as estratégias adotadas pelas plantas do Cerrado para enfrentar o fogo e se recuperar após incêndios. O artigo, liderado pelo doutorando Marco Antonio Chiminazzo, da Unesp em Rio Claro, com apoio da FAPESP em seu mestrado e doutorado, explora as múltiplas abordagens desenvolvidas ao longo da evolução pelas plantas do Cerrado.

O estudo contou com a participação da orientadora Alessandra Fidelis, professora do Departamento de Biodiversidade da Unesp-Rio Claro, da coorientadora Aline Bombo, pós-doutora na mesma instituição, e do coorientador Tristan Charles-Dominique, pesquisador na Sorbonne Université e na Université de Montpellier, na França.

“Eventos de fogo fazem parte da história da vegetação savânica do Cerrado. E, para sobreviver às queimadas, as espécies vegetais desenvolveram diversas estratégias, que foram aprimoradas por diferentes linhagens ao longo da evolução. Desde os primeiros estudos feitos no bioma, é sabido que as plantas do Cerrado possuem cascas espessas, capazes de proteger seus tecidos internos. E também uma grande diversidade de órgãos subterrâneos, capazes de assegurar a rebrota a partir de estruturas protegidas abaixo do solo. Contudo, as duas estratégias exigem grande mobilização de recursos por parte das plantas. Nossa pergunta principal foi se elas poderiam realizar ambas ao mesmo tempo – isto é, se espécies típicas do Cerrado que possuem órgãos subterrâneos também seriam capazes de produzir quantidades significativas de casca acima do solo”, destaca Chiminazzo.

Além disso, o pesquisador investigou como as espécies com capacidade de crescimento clonal se diferenciam na produção de casca e proteção de gemas em comparação com as não clonais. E, levando em consideração que as plantas clonais geralmente têm tamanho reduzido devido à alocação de recursos para crescimento lateral, também se explorou a relação entre a altura máxima de crescimento e a capacidade de propagação clonal.

“O que fizemos, em um primeiro momento, foi repassar a literatura, a fim de identificar espécies lenhosas do Cerrado cujos órgãos subterrâneos e taxas de produção de casca acima do solo haviam sido descritos. Em seguida, realizamos excursões de escavação e coleta em áreas de campo sujo e de cerrado stricto sensu a fim de analisar os órgãos”, afirma Chiminazzo.

As expedições de pesquisa ocorreram na Estação Ecológica de Santa Bárbara, no município de Águas de Santa Bárbara, interior de São Paulo. “Posteriormente, as espécies foram agrupadas em relação aos seus tipos de órgãos subterrâneos e à capacidade de se desenvolverem ou não de forma clonal. Avaliamos três tipos de órgãos subterrâneos mais comuns encontrados em savanas: rizoma lenhoso, também conhecido como sóbole, responsável pelo crescimento clonal; e xilopódio e root crown, que não proporcionam crescimento clonal”, ressalta o pesquisador.

A análise comparativa dos órgãos subterrâneos e da taxa de produção de casca revelou que as espécies do Cerrado podem produzir grandes quantidades de casca, chegando a 0,9 milímetros por unidade de crescimento, enquanto mantêm órgãos subterrâneos especializados para a rebrota. Essa dualidade permite que as plantas do Cerrado se protejam contra incêndios acima do solo e utilizem grande parte de sua biomassa subterrânea como isolante térmico durante queimadas.

“Também encontramos uma divisão clara entre espécies que crescem de forma clonal e aquelas que ocupam um único espaço durante todo o seu ciclo de vida. Especificamente, vimos que espécies clonais que apresentam rizomas lenhosos geralmente possuem maior produção de casca, melhor proteção e um maior potencial de crescer em altura quando comparadas a espécies que possuem xilopódios e root crowns”, revela Chiminazzo.

O pesquisador observa que essas variações indicam duas estratégias distintas de regeneração a partir de gemas subterrâneas: crescimento clonal, com foco na proteção de ramos aéreos, e persistência no local, possivelmente associada a um investimento maior em gemas nos órgãos subterrâneos.

“Este trabalho revela que espécies do Cerrado são capazes de ‘apostar’ em diferentes estratégias para se proteger do fogo. Geralmente, espera-se que a espécie ‘invista’ em estratégias acima ou abaixo do solo. Ou seja, uma coisa ou outra. O potencial de ‘investir’ em ambas as estratégias indica uma grande adaptação ao fogo por parte de plantas lenhosas do Cerrado. Por apresentarem estratégias de regeneração e persistência tanto aéreas quanto subterrâneas em relação ao fogo, essas espécies podem sobreviver a eventos de queimada de diferentes intensidades”, afirma Bombo.

Os próximos passos incluem compreender em quais condições de incêndio essas estratégias de regeneração e persistência, seja aérea, subterrânea ou uma combinação de ambas, são mais vantajosas.

“Isso talvez contribua para uma melhor compreensão dos diferentes estoques de carbono acima e abaixo do solo no Cerrado. Além disso, uma comparação com diferentes savanas ao longo do globo permitirá avaliar se os resultados deste estudo também se estendem a outros tipos de vegetação que são expostos a eventos de fogo”, diz Bombo.

Vale ressaltar que o Cerrado, o bioma mais ameaçado do Brasil, enfrenta um aumento alarmante do desmatamento, enquanto pesquisas científicas valiosas buscam soluções para prevenir incêndios e gerenciar adequadamente o fogo nessa região rica em biodiversidade e vital para as bacias hidrográficas da América do Sul.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática

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