A pandemia ainda não terminou para os brasileiros. No entanto, na China, onde a Covid-19 foi detectada pela primeira vez, o fim quarentena já trouxe o chamado “novo normal”. Em entrevista ao Tom Maior #53 desta terça-feira (14), Felipe Zmoginski, do blog Copy From China, apresentou estudo que mostra que os chineses já incorporaram ao dia a dia novas formar de se comunicar, de ir às compras ou de se preocupar mais com a saúde e o bem-estar. Ele listou 10 itens que comprovam essa transformação na realidade chinesa, mudanças que podem ocorrer também aqui no Brasil.

O estudo foi feito por Felipe Zmoginski, André Inohara e Zhang Young.

1 – Transmissões ao vivo

E quem não recorreu às famosas lives na internet durante a quarentena? Segundo Zmoginski, mesmo após o fim da pandemia, as transmissões ao vivo na grande rede devem continuar.

“Empresas e marcas também se apropriaram dessa ferramenta, seja para fazer promoções ou manter um diálogo com seus consumidores”, afirma. “Tem uma rede de supermercados muito popular na China, passou a fazer lives às 17h ou 19h, trazendo celebridades ou influenciadores da internet, para pegar ingredientes nas prateleiras e cozinhar. E se você gostasse dos produtos, podia escolher pelos aplicativos e o delivery entregava. Era uma forma de incentivar vendas no supermercado por live”, acrescenta.

De acordo com o instituto iiMedia Research, o mercado de “comércio ao vivo” movimentou US$ 63 bilhões na China, em 2019. Com o advento da pandemia, este número deve saltar para US$ 135 bilhões em 2020.

O instituto mediu que 526 milhões de chineses viram transmissões de e-commerce por streaming durante a quarentena, o que equivale a 69% dos cidadãos com acesso à internet no país.

2 – Same hour delivery

Entrega rápida. O novo normal, sem dúvida, tem essa modalidade de serviços como uma das principais características. Segundo Felipe Zmoginski, 90% dos clientes que não usavam essa ferramenta, passarão a pedir mais vezes os lanches em vez de sair para comer ou buscar.

“No período da pandemia, esses comerciantes foram obrigados a implementar a entrega, porque ou ele fazia isso ou ele tinha faturamento zero. O consumidor, boa parte já utilizava o serviço delivery, mas há uma parte que a gente chama de ‘late adopter’, um consumidor com menos intimidade com tecnologia, que resistia”, afirma.

O perfil do “late adopter,” o famoso “tiozão”, de acordo com a consultoria chinesa ChoZan, é, em geral, formado por homens acima de 50 anos, com pouca intimidade com smartphones ou temor de sofrer golpes online.

3 – Contactless

O mercado se adaptou à falta de contato físico. As famílias também passaram a evitar reuniões e encontros em salas fechadas. O novo hábito cria vantagens competitivas para serviços que ofereçam opções “contactless” a seus consumidores, tais como lojas autônomas, pagamentos remotos e entregas sem encontro presencial.

Ainda de acordo com a pesquisa, o novo momento também impulsionou a demanda por eletrônicos, item de consumo cujas vendas cresceu acima da média do varejo. Uma das razões para isso, descrita por consumidores em pesquisas, é a compra por indulgência, um prêmio pelo “tempo sofrido” que todos passaram em casa.

Na experiência chinesa, por exemplo, o público feminino aparece como o principal comprador (ou influenciador de compra) de itens para a economia contactless, consequência de uma maior preocupação das mulheres com a saúde da família, em comparação aos homens.

A experiência chinesa tem demonstrado, ainda, que exercitar-se migrou para o topo das prioridades dos consumidores locais. Este fator, no entanto, não beneficiou as academias de ginástica, em função do desconforto com locais fechados, mas fez crescer a procura por itens para se exercitar em casa, mesmo após o fim da quarentena.

4 – Alimentação saudável e exercícios

Após meses assistindo e ouvindo notícias sobre mortes causadas pela pandemia, as pessoas passaram a valorizar mais a boa alimentação e a prática de exercícios físicos, já que para muitos o isolamento impediu essa rotina. De acordo com dados da rede chinesa de supermercados HeMa, o item mais demandado pós-pandemia são alimentos frescos – ao invés dos congelados. A demanda por estes produtos quase dobrou em maio/20, quando comparado a maio/19: alta de 93%.

Segundo o estudo, uma análise feita pela Nielsen, porém, mostra que a compra de ingredientes para cozinhar em casa está muito mais rigorosa que no pré-pandemia. No estudo, 80% dos entrevistados disseram que prestam mais atenção à alimentação saudável e tomam cuidados maiores ao ler rótulos e descrições das embalagens.

5 – Carros elétricos

Com a maior população do planeta, a China tem sofrido com a mobilidade urbana, ou com a falta dela. O resultado, de acordo com a pesquisa, foi a ascensão de uma nova classe média com alto poder de compra, que contribuiu para a forte expansão da indústria automobilística doméstica, além da exportadora.

Segundo a pesquisa, ascende na China país, agora, a compra de veículos classificados como LSV, ou Low Speed Vehicles. São carrinhos, às vezes parecidos com carros de campos de golfe, totalmente elétricos, conectados e que se movem a, no máximo, 40 km/h. A autonomia destes pequenos carros varia entre 40 km e 90 km e seu tempo de carregamento gira entre duas e três horas. Originalmente pensados para condomínios e pequenas cidades do interior, estão ganhando espaço nas metrópoles, eventualmente autorizados a rodar em faixas exclusivas.

6 – Checagem de notícias

As indesejadas fake news, infelizmente, ganharam ainda mais espaço na pandemia, o que, por outro lado, fortaleceu os veículos de comunicação sérios, que buscam e checam a informação antes de torná-la pública.

Como frequentemente estas mensagens com notícias falsas começavam com textos do tipo “um amigo que trabalha em um hospital me disse…” ou “Urgente! Acabei de receber essa mensagem”, muitos jovens (mais experientes no uso de tecnologia) explicavam aos familiares que era importante checar informações em sites confiáveis e não repassar dados de cuidados médicos sem comprovação científica.

7 – Local commerce

Segundo Zmoginski, o comércio local nos bairros e regiões afastadas dos grandes centros se fortaleceu durante a pandemia, uma vez que os moradores preferiram encurtar distâncias para fazer as compras, ficar mais perto de casa, praticando a chamada ‘solidariedade econômica’.

“A tendência é que ele prefira comprar no bairro dele. Solidariedade econômica é basicamente pensar ‘o seu João lá da vendinha, ficou tantos meses fechado, em dificuldade. Vou comprar com ele porque quero ajudar o meu bairro, a minha comunidade a não fechar as lojas e não acabar com os empregos”, afirma.

Na China, dados colhidos pela iiMedia Research revelam que 50,6% dos consumidores mudaram a sua preferência para artigos nacionais em detrimento de produtos importados.

Há um componente nacionalista nesse comportamento pós-quarentena, uma vez que a China (e seus cidadãos) sofreram ataques de líderes estrangeiros e casos de discriminação fora de suas fronteiras por, supostamente, serem “culpados” pela crise sanitária mundial.

8 – Pagamentos digitais

Os pagamentos móveis, aqueles feitos por plataformas digitais e que podem ser realizados pelo celular, cresceram na pandemia. Na China, especialmente. fenômeno ajudou as vendas digitais a decolarem e tornou-se ainda mais importante durante a quarentena, quando nenhum consumidor desejava encontrar um motoboy e entregar-lhe dinheiro em mãos ou acertar o troco com ele.

Ao todo, estima o Banco do Povo da China (equivalente ao Banco Central, no Brasil) há 850 milhões de usuários ativos de mobile payment no país, o que faz muitos analistas considerarem a China a primeira sociedade “cashless” do mundo.

9 – Pagamentos digitais

Sim, eles entraram nessa para ficar. Os late adopters, consumidores acima de 50 anos que preferiam a compra em loja física, devem permanecer no mundo digital para satisfazer suas necessidades no comércio.

A experiência chinesa, medida em pesquisas feitas após o fim das restrições de circulação, aponta que 85% destes “novos usuários” consideraram como adequadas ou muito boas suas jornadas digitais. Para 73% deste público, de acordo com levantamento feito pela associação de varejistas digitais do Leste da China, agora que dominam as ferramentas online, não querem voltar às compras offline.

Para um terço dos pesquisados, a razão para continuar a fazer supermercado e farmácia online deve-se ao persistente temor de expor-se demais ao ambiente público. A maior parte, porém, 60%, afirma que seguirá usando.

10 – Consumo sem planos de longo prazo

Como se comportará o consumidor quando a pandemia acabar? Será voraz, impulsionado por meses de demanda reprimida ou conservador, temeroso de um futuro incerto e da manutenção de sua renda e emprego?

A experiência chinesa mostra que o consumidor voltará às compras pós-pandemia com disposição para gastar. Uma pesquisa conduzida pela Dentsu Aegis Network indicou que mais de 60% das pessoas saíram para ir comer com os amigos, 55% foram ao salão de beleza e 52% investiram em produtos para exercitar-se, não necessariamente em academias.

Um exemplo simbólico, que correu o mundo, foi a reabertura em abril, da loja Hermès, na cidade de Guangdong. Em um só dia, US$ 2,4 milhões foram vendidos em itens de luxo, o melhor resultado da loja, na China, em um único dia em sua história.

De acordo com a McKinsey, o novo comportamento do consumidor já reflete maior cautela com a administração de sua renda, escaldados que foram pelo “surpreendente” período com paralisação da atividade econômica. Pesquisa pós-coronavírus mostrou que cerca de 41% dos entrevistados na China planejam aumentar suas fontes de renda através da gestão de riqueza, investimentos e compra de produtos financeiros. Além disso, cerca de 27% indicaram que comprarão seguro de saúde para si e para sua família.

Assista a entrevista no Tom Maior #53 a partir de 01:33:00