Aos 16 anos, o jovem aprendiz da Renapsi, Claiderson Santos, registra tudo o que sai do bolso e da conta. O estudante, que começou a trabalhar no final do ano passado, aprendeu a cuidar das economias em casa mesmo, junto com a mãe, com quem mora em Porto Alegre-RS. Em entrevista à Sagres, ele conta como tem sido tratar do assunto em família.

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“É bem complicado a gente falar [disso] dentro de casa, assim abertamente, mas a gente sempre tenta falar sobre os gastos desnecessários, sobre o que a gente tem que economizar. A gente tenta manter o controle e conversar a respeito disso. Não de uma forma ampla, mas de uma forma bem simples”, afirma.

Claiderson aprendeu com a mãe a anotar tudo que gasta (Foto: Montagem/Sagres TV)

Tão simples que ele faz isso à mão, no caderno mesmo. Consciente, o jovem já sabe que para conseguir concretizar os objetivos profissionais no futuro, vai precisar fazer economias desde cedo. “Desde quando comecei a trabalhar eu guardo uma parte para eu investir no meu futuro e a outra parte eu gasto. Agora estou investindo em cursos”, explica.

Já faz mais de um ano que a Educação Financeira passou a fazer parte, por decreto, da Base Nacional Comum Curricular. Trata-se do documento normativo para as redes de ensino e suas instituições públicas e privadas, referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares e propostas pedagógicas para os ensino infantil, fundamental e médio no Brasil. Assim, alunos do ensino fundamental e médio passaram a ter mais contato com o tema.

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Quem também sabe que precisa guardar para o futuro é o filho da auxiliar de Gestão, Freudis Rodrigues. Mas ela conta que não é tão simples assim. “Saber que é importante guardar, ele sabe. Guardar, ele não não guarda (risos). A gente tem que ficar vigiando, policiando para ele guardar. Mas ele tem a noção de que ele precisa guardar, que tem alguma coisa lá na frente que ele vai precisar, ele tem essa noção, só que ele não consegue”, relata.

Ela diz que conversa com o filho sobre as contas de casa e o quanto a família gasta com as contas e a alimentação. “O Matheus é super tranquilo porque ele entende muito essa coisa do trabalhar para ter, do preço que valem as coisas, o sacrifício que se tem para conseguir as coisas. Com relação a isso ele entende bem, ele sempre busca saber quanto custa, se está precisando. Com ele é fácil, apesar da idade de já querer comprar e consumir”, conta.

O Claiderson e o Matheus, filho da Freudis, ainda não trabalharam esse assunto na escola. E é exatamente essa etapa da Educação em sala que pode ajudar e muito na hora de falar sobre as finanças dentro de casa.

Dilema antigo

Um levantamento da Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF-Brasil) mostra que 41,6% dos estudantes nunca conversaram com os pais sobre dívidas em atraso, e que apenas 35% falam sobre as contas de consumo com os mais velhos.

O economista André Luís Braga argumenta que as famílias podem recorrer a jogos para tornar o assunto mais atrativo em casa, e que a dificuldade de lidar com a economia no Brasil atravessa gerações.

“Os nossos pais não tiveram essa mesma experiência que nós tivemos. Esse tabu em casa de que só os mais velhos trabalham e vão por tudo em casa pode ser sim um caso concreto que a gente tem no nosso dia a dia. E a gente espera que além desses jogos, [haja] uma educação financeira que consiga deixar o assunto mais leve para ser tratado em casa”, afirma.

Jogos podem ajudar a tornar assunto mais atrativo e menos confuso para as crianças (Foto: Sagres TV)

Incentivo

Em 2010, o governo federal lançou a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), que foi criada para oferecer e incentivar ações que ajudem a população a tomar decisões financeiras com mais autonomia e consciência. O professor de Matemática, Leonardo Alcântara, participou dessa transição e da implementação dos novos conceitos da BNCC.

“O mundo já vinha mostrando essa necessidade. As escolas particulares já estavam se preparando um pouco antes. Então essa implementação da matemática financeira desde as séries iniciais e a inserção do assunto com as crianças já vinham sendo feitas. As escolas têm essa preocupação já há algum tempo”, pontua.

De acordo com a BNCC, a educação financeira não deve focar apenas na matemática, mas ser trabalhada em biologia sobre como o consumo afeta o meio ambiente, e até em língua portuguesa, geografia e história. É a chamada transversalidade.

Comportamento

Para a psicóloga Laura Gomes de Oliveira, é preciso incluir as crianças e adolescentes no contexto financeiro da casa, de modo que todos vejam qual a real situação econômica da família, o que pode ser determinante para formar adultos mais conscientes financeiramente.

“Esses assuntos podem ser melhor conversados. É preciso adaptar à idade das crianças e do adolescente e incluir eles no processo de tomada de decisão e da realidade da família, inclusive financeira. Precisa ser algo mais aberto, mais claro, como as coisas têm funcionado, em que pé estamos da realidade financeira, se está com dificuldade ou não. Incluir minimamente as crianças nisso ajuda muito no processo e faz com que elas também fiquem mais conscientes do que está acontecendo”, conclui.