O prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT), pode ser acionado por improbidade administrativa e irresponsabilidade fiscal. O motivo é a não aplicação da Lei Complementar 181/2008, que regulamenta o imposto progressivo sobre o Imposto Territorial Urbano (ITU). Segundo a lei, a prefeitura deve identificar os vazios urbanos, notificar o proprietário e fazer a averbação do processo no competente cartório de registro de imóveis. Feito isso, o proprietário tem o prazo de um ano para protocolar projeto de construção na área, incluindo o cronograma de obras. Emitido o alvará de construção, a pessoa ou empresa tem dois anos para iniciar as obras. Se esses requisitos não forem cumpridos, então, o poder público deve aplicar o imposto progressivo acrescentando durante quatro anos 2% sobre o valor do ano anterior. No quinto ano, caso não tenha sido tomadas as devidas providências, será aplicada a alíquota de 15%.

Porém, para que isso seja feito, é necessário que haja um levantamento atualizado de dados, além do acompanhamento daquelas propriedades notificadas e das providências tomadas. Não é o que se vê atualmente. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano Sustentável (Sedus) – substituta da antiga Secretaria de Planejamento e Urbanismo (Seplam), então responsável pelo levantamento das áreas e notificação dos proprietários –, mas não conseguiu acesso aos dados, pois o órgão informou que o cadastro está a cargo da Secretaria de Finanças, que devolveu a responsabilidade.

De volta à Sedus, fomos informados que apenas o levantamento é feito pela Pasta, mas é a recém-criada Secretaria de Fiscalização (Sefis) quem notifica os proprietários, logo, somente o órgão pode falar sobre isso. Por sua vez, na Sefis, o diretor de Fiscalização, Paulo Rezende, declarou que a Sedus tem acesso ao levantamento e nos indicou para pessoas com quem já tínhamos falado anteriormente. Assim, o diretor do departamento de gestão do Plano Diretor da Sedus, Sérgio Wiederhecker, explicou que o levantamento dessas áreas foi feito em 2007 pela antiga Seplam e que nas mudanças promovidas pelo prefeito no fim do ano passado, os dados foram todos repassados à Sefis.

Entretanto, a assessoria da Fiscalização informou que a secretaria ainda está “organizando a casa”, dada sua recente criação, e terá que, provavelmente, fazer outro levantamento, pois não sabem se o levantamento feito pela Seplam poderá ser acessado. Logo, a prefeitura não tem acesso ao número de proprietários notificados por causa da não utilização das áreas vagas de Goiânia. A prefeitura sabe, porém, que já houve notificações. Segundo o diretor da Sedus, em 2007 foram levantados 60 bairros, que divididos em dois grupos, já tiveram alguns proprietários notificados. Contudo, não há dados em que conste quem são e o que fizeram para dar utilidade às áreas, ou mesmo a quantidade de notificações. De acordo com ele, a partir deste ano os bairros do grupo II começarão a ser notificados também. Informações constam que há mais de 100 mil vazios urbanos na capital, sendo 3.600 somente no grupo I, mas nenhuma secretaria confirmou os números.

No grupo I, área em que, de acordo com Sérgio, proprietários já foram notificados, estão bairros como: Centro, setores Bueno, Marista, Coimbra, Oeste e Sul, Bairro Alto da Glória, Jardim América e Jardim Goiás. Isto é, setores nobres de Goiânia. No grupo II, classificado por Sérgio como o dos “bairros mais afastados”, estão entre outros: Setor Leste Universitário, Setor Sudoeste, Cidade Jardim, Negrão de Lima, Vila Redenção, Jardim Planalto e Parque das Laranjeiras.Miranda

Se comprovado que a prefeitura não aplica a lei, tanto o prefeito quanto os secretários podem ser acionados por improbidade administrativa e irresponsabilidade fiscal, como explica o presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Thiago Miranda. “A Constituição Federal estabeleceu a política urbana, que foi complementada pelo Estatuto das Cidades (2006) e pelo Plano Diretor de Goiânia (2007). E a prefeitura tem que realizar a notificação dos proprietários para que eles regularizem suas propriedades. Vencidos os prazos, a lei será aplicada. Agora, se o prefeito e os secretários não agem conforme a lei dos vazios urbanos primeiro identificando e depois notificando esses proprietários, pode caracterizar crime de irresponsabilidade fiscal e de improbidade administrativa. Assim, eles estão sujeitos às penalidades dessa lei”, relata.

Miranda relata que se os gestores públicos não colocam em prática aquilo que a lei determina, podem ser acionados na Justiça depois de provocado pelo Ministério Público (MP) por atentar contra os princípios da administração pública. “Quando falamos de improbidade, há sanções penais que visam a administração. Uma dessas sanções pode ser a cassação dos direitos políticos ou o ressarcimento de danos, caso exista algum. Mas nesse caso seria o efetivo cumprimento da lei e a cassação dos direitos políticos. E lembrando que não é só o prefeito a ser tido como praticante de ato de improbidade, mas seus secretários e servidores, pois eles também devem dar início a aplicação da lei de ofício”, ressalta.

Em uma conta rápida, se o ITU dessas áreas custa R$ 100, depois de notificado e não apresentando projeto dentro de um ano, o proprietário cai na aplicação do imposto progressivo. Dessa forma, a prefeitura receberia R$ 102 de imposto no primeiro ano; R$ 104,4 no segundo; R$ 106,50 no terceiro; R$ 108,63 no quarto; e, por fim, R$ 124,91 no quinto ano, que deve se completar neste ano, visto que a lei foi aprovada em 2008. Logo, multiplicado pelos 3.600 lotes supostamente já notificados, resultaria em uma renúncia fiscal de quase R$ 500 mil.

E A SUSTENTABILIDADE?

Bandeira de campanha do prefeito Paulo Garcia a sustentabilidade ainda não é vista em Goiânia, mesmo que a prefeitura tenha as ferramentas para o correto planejamento da expansão urbana. O imposto progressivo sobre as alíquotas do ITU, por exemplo, colocaria fim à grande quantidade de lotes vagos em Goiânia, mas a falta de dados não permite o planejamento do crescimento urbano. O Plano Diretor – sancionado em 2007, ainda na gestão do ex-prefeito Iris Rezende (PMDB) – não é colocado em prática de modo efetivo, vide as recentes alterações no Plano, que permitem, por exemplo, a criação de um polo industrial na então verde Região Norte da capital. Assim, a cidade é prejudicada em vários pontos.

O grande problema das áreas vazias é que todas elas já contam com asfalto, iluminação, água tratada, esgoto e demais equipamentos de infraestrutura construídos com dinheiro público. Fora os gastos públicos com a limpeza desses locais, muitas vezes, não cercados e que acumulam lixo e entulho. Dessa forma, mesmo com áreas não utilizadas dentro da cidade, a prefeitura constrói loteamentos populares cada vez mais distantes do centro da capital, sendo obrigada a arcar com os custos de toda a estruturação física do local e garantir condições aceitáveis de vida para sua população, como transporte público, creches, escolas, etc.

Por isso, o imposto progressivo foi criado: para adequar Goiânia ao conceito de cidade compacta-sustentável. Isto é, para ter um crescimento planejado com o intuito de adensar as áreas urbanas já consolidadas, logo, diminuir a distância entre a casa e o trabalho, assim como os impactos gerados pelo crescimento da cidade. A Lei Complementar n°171, que regulamenta o Plano Diretor de Goiânia, diz que os vazios urbanos devem ser evitados e preenchidos com o objetivo de evitar a dispersão do crescimento urbano. Ou seja, entre outros fatores está o de conter os gastos da prefeitura e garantir melhor qualidade de vida à população, além disso, de evitar a especulação imobiliária, estratégia muito utilizada por empresários para garantir a valorização de seus imóveis.

DESATUALIZAÇÃO DE DADOS

O diretor da Sedus, Sérgio Wiederhecker, afirma que a lei do Plano Diretor de 2007 contém um mapa que trata dos vazios urbanos. Mas, para ele, esses vazios são uma informação dinâmica, pois os empreendimentos estão sendo construídos. “Às vezes, o espaço continua vazio, mas há um projeto em discussão. O projeto foi feito, a prefeitura solicitou alterações, o empreendedor realiza as alterações e o submete novamente. Eventualmente, os projetos de grande magnitude são objetos de negociação ainda na fase de projeto e isso se estende por mais de um ano até que o projeto atinja o grau de equilíbrio em relação às questões ambientais, uso do solo, ocupação, atividades que lá serão implantadas, proteção, redução do grau de incomodidade, medidas de uma natureza ou outra, acessibilidade de trânsito, estudo de impacto de vizinhança, etc.”, afirma o diretor.

Sérgio afirma que os fiscais que fazem a notificação encontram dificuldade para encontrar os proprietários das áreas vagas, uma vez que o cadastro não é atualizado com frequência e os donos das áreas mudam principalmente nas regiões centrais em que há grande movimentação de construtoras e imobiliárias. E, dessa forma, Goiânia está crescendo cada vez mais de forma desordenada, o que causa problemas urbanísticos e mesmo sociais, uma vez que os moradores dos loteamentos mais distantes do centro da capital, como o Residencial Irisville, situado às margens da GO-010 – inaugurado pela prefeitura no início do ano passado já na gestão Paulo Garcia – ficam distantes dos serviços  públicos, assim como de seus empregos.

Esses conjuntos de unidades habitacionais populares são para garantir melhores condições de vida para as pessoas que moram em áreas de risco e nesse sentido estão compreendidos não só as questões de moradia, como também das condições sociais inerentes ao acesso a transporte, hospitais, saúde, etc. O Residencial Irisville, por exemplo, foi inaugurado em fevereiro, mas só recebeu linhas de ônibus de forma efetiva na metade do mês de abril. Além disso, há também os gastos públicos com asfaltamento, iluminação e outros equipamentos já citados na reportagem.

HABITAÇÃO NAS REGIÕES CENTRAIS

O secretário de habitação de Goiânia, Wagner Siqueira, que já havia falado anteriormente em entrevistas que o “imposto progressivo é nosso sonho”, declara que a aplicação da ferramenta não é de competência de sua Pasta, por isso, não acompanha os trâmites diretamente, mas se diz a favor do imposto. “Acredito que o Poder Público sofre com qualquer área já urbanizada – com pavimentação, água e esgoto, iluminação pública e coleta de lixo – subutilizada. Por isso, sou extremamente favorável à aplicação do imposto progressivo, pois é preciso que as pessoas urbanizem aquelas áreas já contempladas com as benfeitorias de infraestrutura e equipamentos públicos”, diz.

Há quem diga que a prefeitura deveria tornar as áreas inutilizadas ou subutilizadas posse do poder público para a criação de um banco de terrenos, por exemplo, para futuramente utilizá-los na construção de moradias populares. Quando questionado se isso é possível, dado o papel sustentável a ser desempenhado pela gestão do prefeito Paulo Garcia, o secretário é categórico ao responder que “construir unidades habitacionais populares em regiões centrais é o ideal, mas é necessário ter os mecanismos jurídicos certos para isso”. Entretanto, Siqueira ressalta que a prefeitura já está construindo loteamentos populares mais próximos da região central. “A construção de 300 unidades habitacionais já começou no Jardim Mariliza. Esses são nossos planos”, declara.

Mas o secretário diz que a dificuldade maior é relacionada ao valor das áreas nessas regiões. “Encontramos grandes dificuldades em comprar terrenos em áreas nobres por causa do valor do terreno. Assim, é necessário verticalizar, o que causa certa limitação social devido ao espaço de aproximadamente 44 m² dos apartamentos, o que não é o ideal. Preferimos construir casas, por elas permitem ao usuário uma maior valorização social. Mas a construção de casas só é possível em áreas mais distantes”, pontua.