John David Washington é Ron Stallworth (Foto: internet) 

 

É isso aí, já vou começar dizendo o óbvio. Esse filme novo do Spike Lee é sensacional. Vamos à premissa básica, que o resto é consequência.

“Infiltrado na Klan” (2018) é baseado na história real do policial Ron Stallworth (vivido nas telas pelo excelente John David Washington, filho do veterano e multipremiado Denzel Washington – a voz deles é quase idêntica!).

Ron foi o primeiro policial negro do condado de Colorado Springs, nos Estados Unidos, e meio que sem querer engendrou um plano ousado para se infiltrar no núcleo da Ku Klux Klan local, na década de 70.

Para quem não sabe – mas deveria saber! – a Ku Klux Klan (KKK) é um movimento reacionário americano que defende a supremacia branca, a anti-imigração, homofobia e o antissemitismo, principalmente. E após atender um telefonema de um dos membros da Klan, Ron tenta aplicar uma pegadinha, dizendo ser, ele mesmo, contrário a negros, imigrantes e judeus. Por telefone, o interlocutor não saberia quem era. E a partir desse fato inocente, Ron decide se infiltrar no movimento para descobrir suas raízes locais e seus planos absurdos.

O problema é que, para executar seu plano, seria preciso comparecer a reuniões da Klan. Aí, entra em cena seu parceiro, Flip Zimmerman (interpretado pelo sempre competente Adam Driver – que, aliás, até agora não tem absolutamente nenhum papel ruim no currículo). Flip é branco, judeu, e vai fazer o contato direto com os membros da seita. Ron Stallworth, portanto, vira dois: o verdadeiro Ron, por telefone, e o falso Ron, pessoalmente, na pele de Flip.

 

mv5bmjqwnjk4ndgwmv5bml5banbnxkftztgwmjg3mti0ntm. v1 sx1500 cr001500999 al

Flip Zimmerman (Adam Driver) e o Ron Stallworth (John David Washington): dois Stallworths pelo preço de um. (Foto: internet)

Para quem não sabe, Spike Lee é um dos diretores negros mais atuantes de Hollywood, sendo responsável por filmes como “Faça a coisa certa”(1989) e “Malcom X” (1992). Esse “Inflitrado na Klan” vem na mesma esteira, mas sem ignorar os apelos comerciais da indústria do entretenimento. Ao mesmo tempo que nos chama a atenção para questões humanitárias da mais alta importância, diverte e faz rir.

O filme é altamente irônico. Principalmente nas interações de Ron ao telefone, com membros da Klan local e até mesmo com David Duke, o chefão nacional do movimento, somos compelidos a rir de situações absolutamente patéticas. Como um branco tentando explicar a um negro o que é racismo, por exemplo.

Ao mesmo tempo, Lee deixa claro que, por mais idiotas e patéticos que fossem (e que sejam) os membros do Klan, as ideias que eles suscitam são extremamente perigosas. Idiotas juntos podem, sim, causar problemas de consequências imensuráveis.

É interessante observar que, aproveitando o contexto setentista da história, Spike dá um ar de blaxsploitation ao filme, com enquadramento, cores, movimentos de câmera e principalmente trilha sonora característicos. O blaxsploitation foi um movimento cinematográfico (posteriormente transformado em gênero) de filmes produzidos e protagonizados por negros, e que tinham como público-alvo os negros norteamericanos. Artistas consagrados pelo gênero como Pam Grier (de “Coffy” e “Foxy Brown”) e Richard Roundtree (de “Shaft”) são, inclusive, mencionados de forma explícita no decorrer do filme e em diálogos dos personagens.

Depois de nos fazer rir e pensar sobre o racismo na década de 70, Spike Lee constrói um final arrebatador para “Infiltrado na Klan”. Não vou contar, claro. Mas é a sacada que o filme precisava para fechar essa alta dose de ironia, deixando na cara da gente um sorriso amarelo de quem sabe que a viagem foi agradável, mas que o buraco é mais embaixo.