O mês de janeiro de 2024 é oficialmente o primeiro dedicado à promoção da saúde mental no Brasil. Em abril de 2023, o então presidente em exercício Geraldo Alckmin sancionou a Lei nº 14.556, que institui a campanha Janeiro Branco. Segundo especialistas no tema, para além dos cuidados individuais, a saúde mental da população esbarra na desigualdade social.

O psicólogo e fundador do Instituto Janeiro Branco, Leonardo Abrahão, explica que a promoção da saúde mental envolve três aspectos: cuidados individuais, como autoestima, autoconhecimento, controle do sono, da alimentação etc; atitudes institucionais, que diz a respeito a ações em ambientes corporativos em prol da saúde coletiva das pessoas que atuam nesses locais; e políticas públicas, que envolve ações governamentais de promoção da dignidade humana, qualidade de vida e do bem comum.

Abrahão pondera que o tema da saúde mental é complexo e envolve diversos aspectos que vão desde questões individuais até problemas sociais e históricos. “Falar de saúde mental pede que a gente aborde as questões particulares dos indivíduos, mas como nós somos seres sociais, também temos de olhar para as questões relacionadas à política, cultura, economia, estilos de vida, mundo do trabalho, emprego e outros aspectos sociais”, analisa o psicólogo.

“A saúde mental é uma temática multidimensional, multisetorial e transversal. Não tem como falar em saúde mental se a pessoa não tem onde morar, não tem emprego, proteção, saúde e segurança”, completa Abrahão, que lembra o alto nível de desigualdade social no Brasil como um fator determinante para o adoecimento psíquico.

“Em 2023, voltamos a ser uma das dez maiores economias do mundo. Apesar disso, somos uma das economias mais desiguais. O Brasil sofre questões de injustiça, desigualdade social, perversidade política e social que nenhum outro país tem nessa gravidade. Basta lembrar que nós fomos colônia por séculos, com passado escravocrata, sofremos problemas sérios de racismo estrutural, machismo, misoginia, lgbtfobia”, alerta.

“A distribuição de renda no Brasil é precária, se é que podemos falar em distribuição. Isso afeta a saúde mental”

Leonardo Abrahão

“Quando a gente olha para as entranhas da sociabilidade brasileira, nós encontramos injustiça, violência, ameaça às conquistas sociais. Toda vez que o Brasil dá dois passos para frente em relação à democracia, vem uma ameaça que afasta três passos para trás. Olhando para essa perspectiva sociológica, vemos que a saúde mental brasileira, na verdade, é uma sobrevivente em meio a tantos problemas em uma sociedade de passado colonial-escravocrata”, analisa o especialista.

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Atendimento público

Abrahão ressalta ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das principais referências globais em saúde pública. “Enquanto patrimônio da humanidade, o SUS é uma grande conquista da sociedade brasileira. Porém, as limitações ainda são graves. Não é todo mundo que têm acesso à saúde, à rede de atenção psicossocial para suas demandas, acolhimento necessário para garantir qualidade de vida”, pontua.

Psicólogo e escritor, Abrahão é fundador do Instituto Janeiro Branco

“É preciso que a campanha fale sobre isso, lembrando que os problemas são muito menores do que o tamanho do significado de ter um sistema que atenda toda a população de graça, inclusive estrangeiros”, disse Abrahão ao cobrar as autoridades brasileiras a investirem nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). “O que se investe na prevenção, é colhido em proteção da sociedade e redução da demanda ao SUS.”

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Estrutura

Segundo o último mapeamento global de transtornos mentais da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil possui a população com a maior ocorrência de transtornos de ansiedade do mundo. Aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica, o que representa cerca de 19 milhões de pessoas. Em seguida, aparece o Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%).

Atualmente, mais de 79% do financiamento federal é investido em um sistema de cuidados que visa proporcionar respeito pelos direitos humanos e abordagem orientada para a recuperação. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) integra cuidados primários, cuidados gerais hospitalares e atendimento de crise.

Com funcionamento em 24 horas por dia, o sistema inclui residências e instalações, além de subsídio de reabilitação para pessoas que regressam a casa após uma longa estadia no hospital. Os CAPS também fornecem apoio técnico e financeiro para iniciativas locais em reabilitação social.

De acordo com o relatório da OMS, entre 1998 e 2020, o número de CAPS cresceu de 148 para 2.657, sendo utilizado por mais da metade da população diagnosticada com um problema de saúde mental. Em meio às dificuldades estruturais e financeiras, estudos mostram que os CAPS têm sido eficazes no apoio à autonomia e recuperação dos indivíduos, com altos níveis de satisfação relatados por pessoas e famílias atendidas.

Ouça “Janeiro Branco: Saúde mental depende de combate à desigualdade social” no Spreaker.

A Campanha

A ideia da campanha está ancorada na virada entre um ano e outro, período marcado pela reflexão sobre a vida, organização de planos e metas para o futuro. “Janeiro abre as portas para que a gente pare e pense sobre a vida. Não é à toa que no réveillon, que em francês significa despertar. A humanidade criou a expressão ‘ano novo, vida nova’, justamente para chamar as pessoas a pensar sobre a vida”, explica.

“Sabemos que a vida não muda só porque virou o ano, mas se entendermos que podemos mudar, parar e pensar sobre a vida, talvez a gente consiga implementar mudanças desejadas ao longo do ano. O Janeiro Branco está aí para ser um referencial para convidar todos a pensarem sobre isso”, completa o especialista.

Instituto Janeiro Branco

Organização da sociedade civil sem fins lucrativos, o Instituto Janeiro Branco tem como objetivo coordenar, promover e ampliar os propósitos e os potenciais do Janeiro Branco. “Muitas instituições públicas e privadas, prefeituras, assembleias legislativas e outros órgãos públicos nos procuram em busca de ajuda para amenizar essas problemáticas. As empresas também entram em contato buscando cursos, palestras, workshops, oficinas e outros programas de saúde mental para implementar em seus espaços”, explicou Leonardo Abrahão.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 3 – Saúde e Bem-Estar