A cidade amanheceu com um prefeito, dormiu com outro e o fato é que a dança das cadeiras teve por mestre de cerimônias o Judiciário. Encravada no sul-goiano, Catalão é um dos dez municípios mais ricos de Goiás. Para se ter uma ideia da fortuna local, o IBGE estima que cada um dos quase 95 mil catalanos tenham, individualmente, uma renda anual média duas vezes e meia maior do que a dos goianienses.

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Não se trata aqui de fazer a defesa de um e de atirar pedra em outro. A questão é que todo o processo, ao que consta, está permeado pela precipitação. Um juiz substituto, apesar de ter sido advertido para a falta de fundamentação na denúncia pelo próprio Ministério Público, caça um mandato popular e concede posse ao presidente do Legislativo.

Este, por sua vez, infla uma borracha e apaga os nomes dos servidores nomeados por seu antecessor. Ao invés de resplandecer, como se tivesse sido resgatado de alguma treva administrativa, Catalão mergulha no caos. Afinal de contas, o mesmo Judiciário que burlara a sensatez devolve as chaves da cidade ao seu antigo administrador.

Mas o hiato administrativo seria desagravado. Hoje, segunda-feira, 23 de dezembro, o prefeito restituído concederá coletiva à imprensa para anunciar que o seu substituto-temporão simplesmente saqueou a Prefeitura de Catalão. De acordo com o gestor, em sua ausência ocorreu a troca de pneus novos por usados de caminhões da Secretaria de Infraestrutura, a pilhagem de mais de 1,4 mil cestas básicas da Secretaria de Promoção e Ação Social e o desaparecimento de documentos e de arquivos digitais de vários órgãos da administração pública.

Questiona-se ao zeloso servidor da Justiça, por que ao invés de caçar o mandado de um prefeito eleito, com base uma aparente denúncia pueril, não distribuiu galões de gasolina e caixas de fósforo. Há trinta e quatro meses do próximo pleito, a realidade catalana está, definitivamente, mergulhada na instabilidade jurídico-administrativa. Ou alguém é capaz de afirmar que a liminar que guindou o gestor eleito ao seu cargo o sustentará?

A confusão está apenas começando. Ao que tudo indica tem menos de legal e muito mais de emocional. A cidade, assim como outras do interior goiano, tem em seu código genético a disputa fratricida pelo poder. Ainda mais com as características de riqueza evidenciadas por seu solo, como as terras raras, com os seus metais caros e cobiçados pelas indústrias asiáticas de tecnologia.

Há décadas, a disputa política extrapola os limites da prefeitura local e avança sobre as salas de visitas dos lares catalanos. Alguns ícones sociais, mesmo sendo parentes, simplesmente se ignoram na seara pública. A disputa chega a ser figadal.

Tudo bem que o Judiciário não tenha que se pautar sobre questiúnculas sócio-políticas. Não é o que se espera deste poder. Entretanto, há de se cultivar a cautela, para não se tornar cabo de chicote. Banhar-se pelo açodamento é no mínimo imprudente. O Judiciário existe para pacificar. O foco tem que ser o coletivo. Não se pode deixar transparecer suspeição.

Os nervos, em ambos os lados, estão à flor da pele, principalmente por que o prefeito-temporão se revelou um desgarrado do seu núcleo político e articulador de uma coluna radical em sua legenda. Os blocos foram colocados à rua, antes mesmo dos reis magos visitarem os fieis. Sem contar que os barracões das escolas de samba estão preferindo o samba do crioulo doido às marchinhas natalinas.