Goiânia chega aos 90 anos em meio a uma crise política que gera consequências em todas as esferas de seu funcionamento. Temos crise técnica e política na Comurg, dificuldade de aprovação das leis que regulam aspectos do Plano Diretor, interrupção de funcionamento de unidades de saúde, greve na educação, aparelhamento político em várias pastas da administração, incapacidade técnica, ingerência, vereadores sendo maltratados publicamente pelo próprio prefeito.

O período de trevas que o Brasil atravessou durante o governo Bolsonaro se prorroga em Goiânia através da gestão Rogério Cruz. Nas pastas ligadas a meio ambiente, os gestores são pecuaristas, religiosos, parentes de vereadores, tudo, menos ambientalistas. Esse aparelhamento voraz dos órgãos ambientais acontece porque o meio ambiente está a cada dia se tornando uma agenda mais importante no funcionamento das cidades.

A ampliação do alcance das políticas ambientais transforma estes órgãos que antes cuidavam apenas das unidades de conservação, da arborização urbana e das denúncias de poluição sonora em centros de políticas públicas abrangentes, relacionadas ao crescimento econômico, ao uso do solo, do saneamento ambiental, às políticas de reciclagem de resíduos e tocam inclusive o tema da limpeza urbana. Isso é poder.

Por fim, o aquecimento global deixou de ser uma preocupação de cientistas e de nós, os ecochatos. O calor é um tema presente em todas as mesas de almoço de família, em todas as mesas de boteco, em todas as reuniões de agentes públicos. Até o ano passado o ciclo da La Niña atrasou a nossa sensação de aumento do calor, e agora com a chegada do El Niño, todo o aquecimento acumulado pela geração de gases de efeito estufa nos últimos anos nos atinge em cheio, potencializado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico. As causas do aquecimento são principalmente as atividades econômicas, a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. Esse tema amplia a compreensão de ação ambientalista para fora das florestas e matas e nos coloca no centro das atividades econômicas.

Não tenho muitas esperanças do que o atual governo Rogério Cruz possa gerar uma melhora positiva na pauta ambientalista. Resta acreditar que o processo eleitoral do ano que vem eleja políticos mais talentosos para nos ajudar nesse momento difícil de mudanças climáticas e crises políticas e ambientais. Passando rapidamente pelas urgências que já precisam ser debatidas a partir de hoje para o futuro da cidade:

  1. Precisamos de um Plano de Adaptação às Mudanças Climáticas, que inclua orientações para mudar as técnicas de construção das edificações, proibir prédios de fachada espelhada, exigir aproveitamento da iluminação e ventilação naturais, fazer uma gestão melhor do consumo de energia; exijir mais áreas de infiltração de água no solo, proibir o rebaixamento do lençol freático, construir jardins de inverno, construir barreiras para retenção das enxurradas nos parques da cidade, ampliar a drenagem pluvial respeitando as microbacias hidrográficas.
  2. Precisamos recuperar a Comurg para que a limpeza urbana volte a sua normalidade, ampliar a coleta seletiva, subsidiar a instalação de usinas de reciclagem pela iniciativa privada, acabar com o aparelhamento político e o uso eleitoreiro dos órgãos públicos ambientais.
  3. Precisamos aprovar o Plano Diretor de Arborização e promover uma estratégia vigorosa de arborização com árvores de grande porte, onde for possível. Hoje as árvores de pequeno e médio porte estão sendo as preferidas de moradores e da prefeitura, mas além de reter pouco carbono, elas contribuem de forma limitada para a melhora do microclima local. Isso deve ser feito especialmente em bairros muito adensados de prédios de apartamentos, onde as ilhas de calor são mais rigorosas.
  4. Precisamos despoluir o Meia Ponte e seus córregos tributários, e implementar o Parque Metropolitano de Goiânia.
  5. Precisamos proteger e recuperar os mananciais que fornecem água para Goiânia, pagando pela preservação ambiental e reflorestamento de áreas acima das margens garantidas pelo Código Florestal a proprietários rurais das bacias dos Rios Meia Ponte e João Leite.
  6. Precisamos instituir uma política de incentivo à agricultura urbana e periurbana, criando um cinturão verde nas terras rurais próximas à cidade para produção de alimentos de maneira saudável e sustentável, especialmente usando as técnicas da agrofloresta.

Essa enumeração não é exaustiva. Os desafios são enormes. Mas eles não serão enfrentados por gestores filhos de políticos ou apadrinhados da igreja e de fazendeiros sem nenhuma formação técnica para o meio ambiente. A Agência Municipal de Meio Ambiente, a Comurg e outros órgãos de gestão da prefeitura têm um corpo técnico muito qualificado, formado por mestres e doutores que sofrem obedecendo ordens dos afilhados da ignorância. É preciso ressaltar o aspecto técnico da administração, sempre aliado a uma política sensível e talentosa, para criar a sinergia necessária para nossa cidade tenha qualidade ambiental, e ofereça aos goianienses a qualidade de vida que todos merecemos.

Parabéns, Goiânia.

*Gerson Neto é presidente da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (ARCA)

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