Cena do filme “Rio, 40 graus” (foto: reprodução/divulgação)

 

Foi-se Nelson Pereira dos Santos.

Infelizmente, só fui conhecer um pouco mais sobre ele o ano passado! Fiquei absolutamente perplexo com o clima de “Rio 40 Graus” e a cena icônica do grito da torcida sobreposto ao grito do garoto Jorge, quando atropelado. Quem não fica? Uma das cenas mais geniais do cinema brasileiro.

Nelson foi um pioneiro. Sua influência no cinema nacional foi decisiva, mudando os rumos da produção cinematográfica brasileira e, com aquela guinada à esquerda, encaminhando o trem para o rumo de um (“o”) cinema novo.

Até então, década de 40, o Brasil estava mal acostumado a obras humorísticas rasteiras. Salvo um filme ou outro advindo da herança mal distribuída da Companhia Vera Cruz e de outras companhias menores, as telonas eram dominadas por Grande Otelo, Carmem Miranda, Oscarito, Mazzaropi e outras estrelas da companhia Atlântida Cinematográfica.

Nosso cinema era uma mistura de marchinha de carnaval com Zorra Total, em filmes que misturavam paródias de obras americanas com performances musicais. Tudo com uma pitada levemente erótica. As famosas chanchadas.

Essas chanchadas, que não são a mesma coisa que “pornochanchada” (um outro gênero do cinema nacional que só foi tomar forma lá na década de 70), eram filmes pretensamente leves. Sem questionamento social – aliás, na maioria das vezes, reforçavam situações racistas ou faziam vistas grossas a machismos explícitos. Oscarito posando de bonachão ao lado de um Grande Otelo vestindo roupas de ascensorista fazia crer que o Brasil era o país da democracia racial.

Daí vem Nelson e seus vendedores de amendoim. Escancarando a realidade no asfalto. Botando os gringos para ver como as coisas aqui funcionam, na verdade.

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Foto: Camilla Maia / Infoglobo 

 

Nelson colocou o neo-realismo italiano para rodar aqui no Brasil, aproveitando as ideias difundidas pelo produtor e cineasta Alex Viany. Aplicando um tipo de olhar já consagrado por grandes diretores do naipe de Roberto Rosselini, Vittorio De Sica e Luchino Visconti, Nelson abriu as portas para um cinema mais cru, sem lero lero. Seguindo seus passos e sob influência da Nouvelle Vague francesa, Glauber Rocha, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Cacá Diegues, Leon Hirzman, dentre outros, inauguraram um tipo de cinema com apelo intelectual mais acentuado – o Cinema Novo. Talvez tenha sido o mais importante movimento cinematográfico do Brasil.

Vai-se o homem, fica a obra. Cada vez mais atual. Sempre urgente.

Se você quer conhecer um pouco mais sobre a obra desse grande cineasta, seguem algumas dicas:

 

Rio, 40 Graus (1955)

O filme acompanha a rotina de cinco garotos, vendedores de amendoim. Costurando a estória deles com a de diversos outros personagens, a obra traça um retrato cru do Rio de Janeiro da década de 50, com todas as suas desigualdades.

– Rio, Zona Norte (1957)

Acompanhamos, nesse filme, a vida do sambista Espírito da Luz, vivido por Grande Otelo. Aliás, o próprio sambista analisa sua vida, em perspectiva, após sofrer um grave acidente. Um prato cheio para quem gosta do samba carioca.

– Vidas Secas (1963)

Adaptação da obra mais famosa de Graciliano Ramos, retrata a trajetória de uma típica família nordestina em busca de redenção. A estória de Fabiano, Sinhá Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia chegou a ser indicada à Palma de Ouro de Cannes, em 1964.

– Como era gostoso o meu francês (1971)

Em 1594, um explorador francês é capturado por índios antropófagos. Pela cultura da tribo Tupinambá, comer seus inimigos garantia a captura de sua inteligência e suas habilidades. O filme chegou a ser censurado, passando depois que recebeu classificação de filme erótico, proibido para menores de 18 anos. Uma artimanha batida entre produtores que queriam driblar o Serviço Nacional de Informações da ditadura.

– Mandacaru Vermelho (1961)

Um exemplo de improviso. Nelson viajou à Bahia para filmar “Vidas Secas”, mas acabou não encontrando as condições que o filme demandava. Para não perder a viagem e o investimento na equipe, escreveu às pressas o roteiro da obra, que trata da história de amor de um casal que desafia as tradições familiares nordestinas.