A neurociência aplicada à arquitetura tem mostrado que a projeção de espaços também é questão de saúde. A neuroarquitetura é um ramo que estuda como a configuração e os elementos dispostos em um ambiente afetam a sensação de bem-estar e podem ativar, por exemplo, a liberação de hormônios. O estudo evoluiu nos últimos anos no Brasil, tanto em ambientes residenciais quanto corporativos.

A engenheira ambiental e especialista em neurociência, Marina Otte, explica que essa área da arquitetura surgiu a partir da evolução dos estudos em psicologia ambiental e neurociência. “Muitos desses conhecimentos primeiro foram observados na psicologia ambiental e hoje podem ser comprovados cientificamente como realmente estão afetando o nosso cérebro […] A neuroarquitetura é baseada nos conhecimentos neurocientíficos que já foram desenvolvidos”, explica Otte.

Luz

Os recursos utilizados vão desde elementos que remetem à natureza até a combinação de luzes e cores. O conhecimento científico sobre a atuação da luz solar no corpo humano, por exemplo, é um dos conceitos utilizados na projeção de espaços através da neuroarquitetura.

“O sol tem a capacidade de regular o nosso dia a dia. A neurociência foi capaz de analisar os hormônios que vão sendo liberados ao longo do dia conforme o nível de insolação. Conforme essa tonalidade varia, ela vai desencadear dentro do nosso corpo certas ações. De manhã cedo, pra gente acordar, a explosão. Mais ao final do dia, a gente vai relaxando conforme a tonalidade da luz do sol vai sendo alterada”, exemplifica Otte.

Embora seja possível aplicar a luz solar diretamente em determinados projetos, na maioria dos casos as projeções são desenvolvidas em ambientes fechados. Sendo assim, a neuroarquitetura desenvolveu maneiras de aplicar a ciência da luz solar na iluminação artificial de ambientes.

“A partir desse conhecimento neurocientífico de qual tonalidade ou qual tipo de iluminação a gente deveria ter, podemos trabalhar um espaço variando a iluminação no mesmo ambiente conforme o efeito desejado”, explica especialista em neurociência.

Marina Otte é professora na Univali, em Santa Catarina, e no Ipog (Instituto de Pós-Graduação e MBA)

Meio ambiente

Espaços que remetem à natureza também são fundamentais para o êxito da neuroarquitetura. Marina Otte exemplifica o efeito dos elementos naturais que foram observados durante uma experiência em ambiente hospitalar. Na unidade de saúde, dentre várias salas disponíveis, os funcionários disputam por espaço por uma sala específica, mesmo ela não tendo o melhor acesso.

“Descobrimos que essa era a única sala que tinha um painel de madeira. O simples fato de usar um elemento que é mais natural, que o cérebro percebe, a gente já tem uma sensação de bem-estar”, afirma Otte. As demais salas eram inteiramente pintadas de branco.

A pesquisadora explica que os elementos naturais ajudam a diminuir o estresse e melhoram a cognição. “Não precisa ser um espaço todo de madeira, mas ter elementos de madeira ajuda na diminuição do hormônio do estresse, o cortisol, ajuda na maior produtividade no trabalho e também ajuda na melhora da cognição, ou seja, a gente consegue ser mais criativo no espaço de trabalho se a gente utiliza, por exemplo, a madeira”, afirma.

Elementos de madeira ajudam na redução de estresse e aumento da produtividade

Vida em casa

A pandemia de Covid-19 obrigou milhões de pessoas a passar meses em casa, em decorrência das políticas de isolamento social para conter a propagação do vírus. Durante esse período, a qualidade do ambiente do lar passou a ser prioridade para muitas famílias. Mesmo após a superação dos quadros mais graves da pandemia, o trabalho em regime de home office passou a ser uma realidade para muitos. 

Além disso, a complexidade de uma crise sanitária global também provocou um forte aumento de doenças psíquicas. De acordo com o último mapeamento global de transtornos mentais, realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil possui a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo.

Aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica. Em seguida, aparece o Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%). Só em 2020, primeiro ano de pandemia, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou 25%, segundo a OMS. Nesse sentido, projetos residenciais estão investindo cada vez mais em espaços terapêuticos.

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O residencial Alma Home Senses foi projetado como resposta às novas necessidades e desejos de momento pós-pandemia, em que as pessoas passam a valorizar e buscam agregar novos espaços na moradia, como espaço dedicado ao trabalho e um espaço aberto dentro da própria habitação. O local também possui piscina sensorial capaz de ativar os sentidos do morador com o barulho da cascata. 

Um edifício residencial lançado recentemente em Goiânia pela GPL Incorporadora foi projetado com um ambiente chamado mindfulness, destinado a práticas de yoga, meditação guiada, treinos funcionais ao ar livre e outras atividades. O termo em inglês mindfulness pode ser traduzido como “atenção plena” e designa um conjunto de práticas e exercícios que têm como objetivo levar o indivíduo à atenção plena e ao bem-estar mental e físico. 

Espaço situado no terraço panorâmico é integrado com elementos naturais

Ciência nova

Por ser uma área nova de pesquisa, a neuroarquitetura ainda enfrenta alguns obstáculos. Marina compara a realidade atual do mercado com o surgimento do conceito de sustentabilidade. “As pessoas começam primeiro a ouvir sobre o tema, alguns começam a utilizar e isso vai se disseminando. Porém, mesmo a sustentabilidade que a gente fala há bastante tempo, existem pessoas que não têm acesso, que não têm conhecimento, e têm pessoas que utilizam a sustentabilidade apenas como marketing verde, não realmente com conhecimento. Na neuroarquitetura a gente está nesse processo também”, conclui.