Antes de tudo ficar meio suspenso, vivíamos um processo histórico de transformação do capitalismo global. Imagino que 2020 ficará nos livros de história como o fim da transição para a economia intangível de dados e inteligência artificial.

Viver na nuvem, ou mais precisamente, a digitalização da economia e, portanto, da sociedade, é um processo que levaria algumas décadas, mas está sendo atropelado pela chegada da Covid-19, por duas razões: porque força o trabalho remoto e porque aumenta o consumo digital em casa. E com isso, a transição para a intangibilidade da produção na economia mundial vem se tornando não apenas ágil como essencial.

Em 2019, o capital intangível já havia dobrado o gerado pelo capital tradicional. Sabemos que isso para o Brasil e mais precisamente para Goiás é um grande desafio. Somos uma nação de commodities e isso nos traz vantagem, pois o mundo não vai parar de comer, mas precisamos inovar rápido, urgente.

Enquanto muitas conseqüências do capitalismo do Vale do Silício para o mundo do trabalho já eram evidentes antes da pandemia – especialmente aquelas decorrentes da automação e a preocupação com a ocupação destes postos de trabalho, extintos para todo o sempre, perdemos tempo tapando o sol com a peneira, mantendo frentistas nos postos de combustíveis e pessoas nos caixas de supermercados, quando sabemos que eles não são necessários com as tecnologias de hoje. Perdemos grandes oportunidades de debater com foco em soluções e agora a tragédia bate à nossa porta.

As instituições serão transformadas, tanto internamente quanto na governança global e o crescimento exponencial da transformação digital nos leva a imaginar também mudanças exponenciais nas instituições pós-Covid-19. A crise vista como oportunidade deve prevalecer e é com esse pensamento que atravessaremos o deserto com maior velocidade, apoiando atividades que levem para um momento de prosperidade.

A concentração do poder econômico nas grandes empresas de tecnologia e uma forte retração das pequenas e médias empresas é algo que se desenha perigosamente no horizonte de todo o mundo. Assim como a Covid-19 acelera a digitalização, naturalmente levará a economia a esse cenário, se as nações não cuidarem de tomar ações efetivas.

O coronavírus também parece ser um acelerador da desigualdade, principalmente se a iminente depressão econômica não puder ser revertida rapidamente, e isso também depende da reunião do bom senso com a criatividade das lideranças mundiais. Considere, por exemplo, as distintas facilidades para acessar a educação digital (o ENEM deste ano será um marco na desigualdade de oportunidades para nossos jovens) ou o teletrabalho.

Sobre a promoção de novos mercados, os governos nacionais e locais têm capacidade de influenciar essa tendência por meio de políticas de treinamento de habilidades, investimento em infraestrutura tecnológica e fomento a interlocução entre as mais diversas cadeias produtivas, incentivando novos arranjos e iniciativas.

Nos últimos 2 anos, houve uma deterioração do componente liberal das democracias no mundo e um ressurgimento dos nacionalismos/populismo. A combinação de desconfiança na política, o baixo interesse eleitoral e polarização havia sido uma bomba-relógio sem supervisão, no que diz respeito sucesso de gestão. O que acontecerá após a Covid-19? Ainda é cedo para saber. Há sinais para imaginar que a pandemia reforçará o que causou o surgimento de líderes populistas e nacionalistas: diferenças sociais mais profundas.

Nesse contexto, a aplicação potencial da Inteligência Artificial para melhorar a provisão de serviços é menos importante que seu uso para promover responsabilidade e transparência no gerenciamento. O grande desafio aqui será construir uma democracia híbrida que signifique mais democracia e não menos democracia, levando a sociedade a uma consistência comunitária que nos recoloque nos trilhos das idéias liberais modernas, por enquanto o social precisa e deve falar primeiro.

Bruno Netto é gestor do programa Goiás de Resultados