Pantanal está à beira da pior seca da história

Cervo-do-pantanal atravessa a rodovia Transpantaneira em meio à fumaça de um incêndio florestal. Poconé (MT), 2020 (Foto: Lalo de Almeida)
Cervo-do-pantanal atravessa a rodovia Transpantaneira em meio à fumaça de um incêndio florestal. Poconé (MT), 2020 (Foto: Lalo de Almeida)

Uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta, o Pantanal está à beira da pior seca da sua história. No Mato Grosso do Sul, o governo estadual já declarou estado de emergência ambiental e adotou medidas para tentar minimizar os efeitos da seca que afeta a região e preocupa moradores, autoridades e ativistas do meio ambiente.  

O presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambienal (Proam), Carlos Bocuhy, avalia os principais fatores que contribuíram para que o Mato Grosso do Sul atingisse esse patamar de alerta.  

“É uma combinação explosiva entre o processo do contínuo aquecimento global, que já atinge os limiares de 1,5º C, considerados pelo IPCC um limite de segurança que não deve ser ultrapassado. Além disso temos os efeitos do excesso de calor do El Niño, que se apresenta cada vez mais intenso. Esses dois fatores provocam um efeito sinérgico intenso aumentado expressivamente as vulnerabilidades ambientais”, comentou o especialista. 

Com o objetivo de reduzir os efeitos da seca, o governo do Mato Grosso do Sul, onde está 65% do território pantaneiro, decretou estado de emergência ambiental no começo de abril, adotando medidas que incluem a queima prescrita, o uso de aeronaves no combate ao fogo e o investimento de recursos estaduais.  

“A prescrição das queimas é fundamental, pois no atual estado de emergência climática o fogo possui novos determinantes: a combustão fácil pelo ressecamento e a intempestividade com os ventos fortes decorrentes das rápidas trocas de massas atmosféricas”, avaliou Bocuhy.  

O especialista alerta, no entanto, a importância de estratégias que antecipem e atuem em caráter preventivo em relação ao fogo.  

“Deve-se reforçar os aspectos preventivos de combate ao fogo, como sistemas de sensoriamento remoto e alertas precoces para evitar a expansão de novos focos de fogo. Para atender estes alertas é preciso combater e fiscalizar incêndios criminosos, contar com equipes capacitadas e equipadas, além de forte apoio logístico e operacional, inclusive de aeronaves. O Brasil terá que obrigatoriamente expandir sua capacidade preventiva e operacional de combate à incêndios, pois vivemos uma nova realidade climática”, destacou.  

Impacto em grande escala  

Em 2020, após enfrentar uma seca rigorosa que culminou em uma série de queimadas na região, estima-se que 17 milhões de vertebrados tenham sido vítimas dos incêndios no Pantanal. Além das mortes, a seca e as queimadas afetam a dinâmica do local, da natureza ao dia a dia das comunidades. A preocupação é que o quadro se repita em 2024.  

“A seca extrema é impactante para a biodiversidade. Também prejudica agricultura, pecuária, o turismo e a pesca. Os incêndios decorrentes da seca atingem a fauna e a flora, além de colocar em risco a vida dos ribeirinhos e comunidades em geral. A poluição gerada pelas queimadas é danosa para o aquecimento global e para a saúde pública devido ao material particulado, que acaba sendo inalado”, explicou Bocuhy.  

Neste ano, o período de chuvas, que vai de dezembro a março, não foi o suficiente para reverter o quadro de estiagem na região e os volumes dos rios Paraguai e Miranda, responsáveis pela característica de inundação da região, atingiram níveis críticos. Os efeitos da seca no Pantanal podem ainda ser sentidos em outras regiões.  

“A falta de umidade no Pantanal faz com que a continuidade da transposição de umidade proveniente da Amazônia para o interior do continente, fundamental para garantir a regularidade das chuvas continentais, seja interrompida, levando à perda de chuvas e stress hídrico o cerrado, parte do sudeste e centro-sul do Brasil.   

Economia e desenvolvimento sustentável  

Em artigo publicado no último dia 18 no Le Monde Diplmatique Brasil, o presidente do Proam, Carlos Bocuhy, discute o que chama de “A economia da sobrevivência”, destacando as relações entre exploração e produção, e as possibilidades de caminhar para um desenvolvimento sustentável também dentro da economia.  

“Existe um conceito muito claro na área de sustentabilidade que é a capacidade de carga dos ecossistemas, ou seja, os limites das alterações aceitáveis. Também existem lacunas de deseconomia ambiental, onde só se contabiliza o PIB, mas não as imensas perdas ambientais que ocorrem, por exemplo com as queimadas no Pantanal”, afirmou.  

O especialista cita em seu artigo, a Amazônia, onde “a contabilização de madeira extraída é abarcada como riqueza no PIB, mas não se considera a perda do patrimônio ambiental”. Fazendo um paralelo, Bocuhy avalia os aspectos locais da base econômica do pantanal – a pecuária, e os desdobramentos deste tipo de exploração.  

“A pecuária intensiva leva a um alto índice de emissões de metano e o manejo de pastagens com uso do fogo acaba provocando incêndios sem controle possível, atingindo áreas protegidas e vizinhas. Isso representa uma enorme perda de patrimônio ambiental que não é contabilizado, só se faz a conta das commodities, esquecendo-se do passivo ambiental gerado. A cultura do fogo deve acabar no Brasil, não há mais condições de acender pavios neste cenário explosivo de extrema seca e calor, que está gerando deseconomia com enormes passivos ambientais”, afirmou.     

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática. 

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