MARCELO LIMA LORETO – NOVA YORK, ESTADOS UNIDOS (FOLHAPRESS) – Espécies nativas da mata atlântica correm risco de extinção com a redução das chuvas trazidas pelos rios voadores amazônicos, diz estudo. Secas severas diminuíram a população da rã de corredeira (Hylodes sazimai), que habita florestas de apenas quatro cidades brasileiras. Adaptações em seus corpos podem ser insuficientes para escapar da extinção em um curto prazo.
A mata atlântica tem a maior biodiversidade de anfíbios do mundo. Por outro lado, o maior declínio mundial desses animais, segundo estudo. Mudanças climáticas, doenças e fragmentação dos habitats dizimam anfíbios globalmente.
Eles são animais bioindicadores, “os primeiros a sofrer com uma mínima alteração ambiental”, como explica Lucas Ferrante, autor do estudo, que integra o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
A alta dependência da água para reprodução e respiração os torna vulneráveis às flutuações de temperatura e umidade, afirma Célio Haddad, da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Ele descobriu e batizou a rã estudada em 1995, em Campinas.
Pesquisadores usaram satélites da Nasa para rastrear o percurso dos rios voadores que levam chuvas para os habitats das rãs. Medindo 2,5 cm, elas vivem entocadas em riachos de florestas de Campinas, Poços de Caldas (MG), Caldas (MG) e Areado (MG).
A equipe observou diminuição das chuvas e umidade nos solos dessas regiões, relacionadas ao aumento das temperaturas do oceano Atlântico, causado pelo aquecimento global.
Segundo Haddad, é a primeira vez que uma pesquisa sugere a conexão entre chuvas vindas da Amazônia e espécies da mata atlântica.
Os rios voadores nascem no oceano Atlântico tropical, carregando umidade para a Amazônia. Parte dessa umidade cai em forma de chuva, outra é devolvida à atmosfera pela transpiração da floresta, em forma de vapor (8,4 trilhões de m3 por ano). É um volume 20% maior que a vazão do rio Amazonas (6,6 trilhões de m3), diz Philip Fearnside (Inpa), um dos autores da pesquisa.
Uma parte do vapor volta a se converter em chuvas, formando um ciclo hidrológico amazônico, e a outra viajará para regiões vizinhas. O poderoso e complexo ciclo hidrológico sustentado pela Amazônia regula o clima de todo continente -um mecanismo descoberto pelo agrônomo Enéas Salati, em 1979.
Os pesquisadores detectaram diminuição dos coaxos dos machos (canto para atrair fêmeas) nos períodos com menos chuvas vindas da Amazônia. Em 2014, a seca foi tão intensa que nenhum animal foi ouvido pela equipe. Não houve reprodução naquele ano e sua população diminuiu nos anos seguintes, até 2016. “Ela [a espécie] está quase desaparecendo”, diz Ferrante.
Resultados similares foram encontrados para outras 20 espécies de anfíbios da região, conta também o pesquisador. Ele ressalta que os anfíbios controlam pragas agrícolas, vetores de doenças e são um elo muito importante nos ecossistemas.
As rãs encontradas nas florestas mais secas e quentes (Areado e Campinas) tinham membranas entre os dedos dos pés encurtadas (fímbria), adaptadas para nadar em riachos com fluxos de água reduzidos. Os autores sugerem que as oscilações climáticas contribuíram para seleção dessas características.
Haddad tem outra visão, porém. Ele acredita que não houve tempo suficiente, em termos evolutivos, para que variações climáticas modernas selecionassem tais características. “Parecem ser adaptações que ocorreram ao longo de milhares de gerações”, afirma.
A rã Hylodes sazimai é uma das 1.080 espécies de anfíbios exclusivas do Brasil, segundo levantamento realizado em 2018. Destas, 41 correm risco de extinção, das quais 90% são nativas da mata atlântica. A perereca-das-folhagens (Phrynomedusa fimbriata), descoberta em Santo André, em 1923, foi extinta.
Extinções súbitas por razões climáticas foram observadas na Costa Rica ainda na década de 1980, incluindo o abundante sapo-dourado (Bufo periglenes), descoberto em 1965, visto pela última vez em 1987.
O fungo Batrachochytrium dendrobatidis é outro fator que tem dizimado anfíbios pelo mundo: 90 espécies já foram extintas. Animais da mata atlântica e Amazônia também estão infectados, em parte pelo sistema imune debilitado pelas oscilações climáticas.
Os rios voadores amazônicos garantem a estabilidade climática e a biodiversidade na mata atlântica. Eles chegam ao bioma literalmente voando, a 1.500 m de altura, após chocarem-se com a Cordilheira dos Andes, com 4 km de altitude.
Eles alimentam também o sistema Cantareira, que garante água para a Grande São Paulo. Estima-se que 70% das chuvas da Bacia do Prata venham dos rios voadores e 30% diretamente do oceano Atlântico -não há consenso, contudo, sobre essas proporções.
José Marengo, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), diz que o regime de chuvas varia muito nessa região, e que as frentes frias do Sul também cumprem papel relevante.
Os rios voadores chegam a provocar ondas de calor na Argentina ao perderem umidade no caminho, destaca Marcelo Seluchi, do Cemaden. Outra consequência investigada é se eles ajudam a derreter o gelo da Antártida, como sugerido por pesquisa -esse trabalho de pesquisa está a cargo de Heitor Evangelista, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Desde pelo menos 1991, cientistas brasileiros alertam sobre as graves consequências do desmatamento da Amazônia para o clima regional e global. Perder ou perturbar seu ciclo hidrológico significa mais eventos climáticos extremos, como calor e secas sobre o Centro-Sul do país, responsável por 70% do PIB (produto interno bruto). Agricultura, pecuária, água e custos de energia já estão sendo afetados.