A ex-moradora da Vila Roriz Vanessa Figueiredo guarda na memória algo que aconteceu há mais de 25 anos, mas que, infelizmente, continua atual. Vanessa conta a história de um alagamento em sua casa, quando perdeu a bicicleta diante de uma inundação que ocorreu na Vila Roriz, bairro localizado próximo ao Rio Meia Ponte. Assista à reportagem a seguir
Durante o período chuvoso, essa região sofre com o nível da água do rio, que sobe e atinge as residências mais próximas. O bairro consta num documento com mais 86 pontos críticos de alagamentos de Goiânia. “Eu nunca me esqueço de uma cena de quando eu tinha 15 anos, eu tinha uma bicicleta e inundou próximo da minha casa e eu tive que jogar a bicicleta porque não dava para passar. Um caos fora da normalidade, de questão mesmo de sobrevivência. A pessoa não vive, ela sobrevive naquela situação ali”, relatou.
Vanessa também se lembra de ainda criança ver seus vizinhos perdendo objetos pessoais, móveis, etc. Quase duas décadas depois, poucas foram as soluções.
“O que me traz uma inquietude é que todo ano é a mesma situação. Eu tenho 34 anos e eu me lembro que quando eu tinha 7 anos e acontece tudo igual. O porquê de tantos anos sem solucionar esse inconveniente. São várias famílias que perdem móveis, portão, trabalho, porque às vezes não conseguem sair de casa”, detalhou a moradora.
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Problema geral
As enchentes não são exclusivas na Vila Roriz, ou em outros bairros da região norte de Goiânia. Diversos pontos da cidade sofrem com o problema anualmente, assim como outras localidades no país.
A pesquisadora e professora do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Juliana Barros, explicou que o problema é mais amplo do que apenas bairros localizados em áreas de fundo de vale, que são o ponto mais baixo da capital para onde escoam as águas da chuva.
Para a professora, um dos pontos mais preocupantes é a impermeabilização do solo, que colabora para acelerar a velocidade de escoamento da água.
“Se a gente continuar construindo excessivamente, não só nas áreas próximas, porque pensamos somente nas áreas de fundo de vale sendo construídas, mas lá em cima também. Porque quando você impermeabiliza demais a cidade, constrói muito, você aumenta a velocidade de escoamento dessa água, então ela chega lá embaixo muito rápido e não tem tempo de o solo infiltrar”, declarou a pesquisadora.
Outro ponto destacado por Juliana é a culpabilização das pessoas que moram em locais de risco. Segundo a professora, há um problema de habitação, que precisa ser resolvido pelo poder público e o problema não é causado pelos moradores dessas regiões.
“Enche tudo de prédio, enche de asfalto […] A gente acha que a culpa é só de quem está morando perto do rio, geralmente, uma população de baixa renda. Mas, às vezes, o problema está lá pra cima, nas construções que estão mais longe, porque a água cai lá, mas vai descer, não tem jeito”, explicou.
Nos últimos anos, porém, o goianiense se acostumou a ver obras apenas nas áreas atingidas pelas inundações e, quase sempre, após o desastre ocorrer, como na Marginal Botafogo.
“Vou te dar um exemplo da região do setor Sul e do Marista. Toda aquela água que vai parar perto Areião, Córrego Botafogo, aquela água não é só dali. No setor Sul, a água desce com muita vontade e chega lá na Marginal Botafogo, então não adianta fazer obra só na Marginal”, disse Juliana, que reforçou que é “preciso ter uma visão macro do problema”.
A necessidade de um olhar geral sobre toda a infraestrutura da cidade também foi apontada pelo secretário de Infraestrutura de Goiânia, Everton Schmaltz. Segundo ele, à medida que o planejamento urbano contempla mais regiões, há um aumento da impermeabilização diante do asfaltamento do solo e isso reduz o tempo para que o volume da chuva chegue aos mananciais.
“O volume de chuva, teoricamente, é sempre o mesmo, agora quando impermeabiliza muito, a velocidade do escoamento aumenta e cria um tempo de pico, como a gente chama na engenharia hidráulica. Esse tempo, quanto menor, mais problemático ele é, porque seria como falar que a água chega muito rápido e de uma vez só”, destacou.
Estudo e execução
O secretário contou que a capital precisa de um estudo mais aprofundado para encontrar soluções para que a água da chuva tenha mais saídas e o volume se desloque mais lentamente para não sobrecarregar ainda mais as regiões que já são vulneráveis. Diante disso, a secretaria prepara um Plano de Drenagem.
“É um trabalho muito bom, por ser de longo prazo, porque ele, além de fazer um desenvolvimento de forma bem completa, determina quais são as principais prioridades para que não ocorra problemas. Então, se você seguir tais prioridades, todo esse risco de erosões, de alagamento, ele vai se reduzir muito”, afirmou o secretário, que preferiu não citar ações isoladas do plano até que ele esteja totalmente finalizado.
A pesquisadora Juliana Barros citou como uma medida necessária para começar a minimizar esse problema a conservação e expansão de mais Áreas de Proteção Permanente (APP).
“Áreas de Proteção Permanente são fundamentais para reter água na vegetação, por questão de evaporação e de formação das chuvas, além de reter a água para que ela não vá para o solo em excesso e não sobrecarregue e desgaste o solo, além das inundações e alagamentos”, pontuou Juliana.
Ações de emergência
Além das ações a longo prazo, a cidade precisa de medidas urgentes. Mesmo que o problema seja amplo e englobe toda a capital, as inundações costumam causar mais danos nas pessoas que moram em regiões que ficam próximas aos rios e córregos.
O coordenador executivo da Defesa Civil, Robledo Mendonça, detalhou que o órgão aproveita o tempo seco para mapear essas zonas e orientar os moradores.
“A gente vai a campo, tira foto, faz estudos com técnicos da Seinfra, Amma, Seplanh, de todo o aparato da prefeitura para ser falado o que pode ser feito para minimizar ou até eliminar os riscos de problema. Então esse levantamento durante a estiagem é entregue a cada secretaria e de acordo com cada atribuição das secretarias, elas atuam para que no próximo período chuvoso esses riscos sejam eliminados ou minimizados”, detalhou Robledo.
Em caso de emergência, o cidadão deve acionar a Guarda Civil Municipal, através do telefone 153. A partir daí, o morador deve procurar um lugar elevado até que a Defesa Civil chegue ao local. “O que eu observo bastante é que a pessoa vê a água começando a entrar na casa e acredita que aquilo vai parar por ali mesmo e permanece na casa […] A orientação é não permanecer na casa a partir do momento que essa água começa a subir”, instruiu.
Lugar de luz
De volta à Vila Roriz, a ex-moradora Vanessa Figueiredo citou algumas ações necessárias para o local e destacou a conscientização e a educação como pontos chaves.
“Aqui precisa de lixeira, de desentupir os bueiros, precisa de levantar mais a parte do Rio Meia Ponte que fica muito próxima das casas. Tem muitas casas baixas, a água entra nas residências. Engloba também as pessoas que jogam os lixos nas ruas e entopem os bueiros e como consequência a água transborda”, detalhou.
Diante dos episódios repetidos e das dificuldades com a infraestrutura do local, a empreendedora criou o projeto Jovem Transformação. O projeto visa oferecer aos jovens mais educação, com leitura, arte e esporte, a fim de fortalecer a comunidade e conscientizar sobre assuntos importantes como sustentabilidade.
Através dele, Vanessa vê uma chance de melhorar o bairro com a mudança sendo iniciada dentro da comunidade da região. “Eu criei esse projeto para fazer do local, um lugar com educação, cultura, arte, esporte, fazer da vila um lugar de luz e alegria”.
Repense
Esta reportagem integra a série Repense Clima desenvolvida pelo Sistema Sagres de Comunicação com o apoio da Fundação Pró Cerrado. Ao longo de 12 episódios vamos aprofundar sobre temas relativos à sustentabilidade, produção e consumo, que estão conectados ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 13 da Organização das Nações Unidas (ONU), que é “Ação Contra a Mudança Global do Clima”.