Roseli Andrion | Pesquisa para Inovação – Um dos materiais mais usados no mundo está entre os que mais demoram para se decompor na natureza: é o plástico convencional, que leva até 450 anos para se desintegrar. Como solução para isso, a startup brasileira Bioreset desenvolveu uma alternativa sustentável: um bioplástico 100% biodegradável, produzido a partir de resíduos agropecuários.
Com propriedades plásticas idênticas às do polipropileno (PP) – um dos plásticos derivados de petróleo mais utilizados no mundo –, a criação da Bioreset tem uma diferença crucial: é totalmente biodegradável. “Ele desaparece completamente em apenas seis meses”, diz Carlos Sassano, engenheiro de alimentos e pesquisador responsável pelo projeto. Enquanto isso, produtos plásticos convencionais, como os feitos de polipropileno, permanecem intactos por séculos. “Quando falamos que dura 450 anos é porque não deixaram mais tempo para testar. Pode ser que dure ainda mais.”
Ele explica que o material, denominado polihidroxialcanoato (PHA), é produzido a partir de um processo fermentativo que utiliza microrganismos. “Damos todas as condições para esse microrganismo crescer e acumular o PHA dentro da célula. Depois, rompemos a célula, secamos o material e eles ficam em pellets para ser utilizado em diversas aplicações”, descreve.
Outra inovação da startup é o uso de resíduos como matéria-prima para a fermentação, principalmente de cerveja e de óleo de cozinha usado. “Essa abordagem reduz o custo de produção, o que torna o produto mais competitivo, e ainda resolve dois problemas ambientais: o descarte inadequado desses rejeitos e do plástico convencional”, revela.
Sassano destaca que esses resíduos são submetidos a protocolos que os tornam próprios para uso humano sem provocar riscos à saúde. E boa parte dessa matéria-prima chega à startup sem custos. “Muitas empresas pagavam para a gente pegar o resíduo: mais da metade do PHA que produzimos foi com esse material. Isso barateou muito o custo final.”
Principais características
Apesar de manter todas as características desejáveis do plástico convencional durante sua vida útil, a alternativa feita de PHA tem capacidade de biodegradação completa. “Ele é 100% biodegradável porque é orgânico. Por isso, ele pode ser descartado com resíduos orgânicos e se transforma em biocomposto, que pode ser utilizado como adubo”, afirma Sassano.
O foco inicial da Bioreset são os plásticos de uso único, como canudos e mexedores de café, que têm vida útil curta e permanecem no ambiente por séculos. “Existem itens que vão ter de continuar a ser feitos de plástico, mas o plástico de uso único é um grande problema”, aponta. “Para esse tipo de aplicação, essa alternativa ajuda a evitar a contaminação do meio ambiente.”
Para comparação, enquanto um mexedor de café convencional feito de polipropileno é utilizado por poucos minutos e depois permanece no ambiente por até 450 anos, o mesmo produto feito de PHA desaparece completamente em quatro a seis meses após o descarte. “O material só biodegrada quando exposto às condições de biodegradabilidade, como umidade e microrganismos presentes no solo.”
Um dos maiores problemas ambientais atuais relacionados aos plásticos convencionais é a formação de microplásticos – fragmentos de menos de 5 milímetros (mm) derivados da degradação de pedaços maiores. “Eles contaminam a água, o ar e o solo e podem ser ingeridos por animais e humanos”, lembra o pesquisador.
Diferentemente de alternativas como os oxibiodegradáveis (plásticos com aditivos que aceleram o processo de degradação, mas não se decompõem completamente em compostos orgânicos) ou os fotodegradáveis (que se decompõem mais rapidamente sob a luz solar, o que torna a degradação mais rápida do que no plástico comum), que se fragmentam em microplásticos, o PHA se decompõe completamente.
Segundo Sassano, pesquisas indicam que uma pessoa pode acumular cerca de 5 gramas de microplásticos no organismo por ano. “Em dez anos, você tem o equivalente a um cartão de crédito no corpo”, alerta. O plástico da Bioreset elimina esse risco ao se decompor completamente sem deixar resíduos no ambiente.
Pioneirismo brasileiro
Embora a tecnologia para a produção de PHA não seja nova – há cerca de 60 anos, a PHB Industrial S.A. (PHBisa) já trabalhava com esse material no Brasil –, a Bioreset inovou ao produzi-lo a partir de resíduos. “Há 60 anos, não havia tanto material plástico acumulado no ambiente. Por isso, não havia maturidade de mercado para a proposta da PHBisa.”
O protocolo para utilização de rejeitos como substrato foi desenvolvido pela própria empresa, o que a torna pioneira no Brasil e uma das primeiras no mundo a usar essa abordagem. A empresa já fez testes bem-sucedidos de injeção do material em equipamentos convencionais. “Não precisamos mudar os equipamentos: fazemos exatamente como se faz com o plástico de petróleo. Isso é uma grande vantagem”, comenta. O projeto da Bioreset tem apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.
A startup pretende, agora, adquirir um fermentador de 200 litros. “Hoje temos um de 7,5 litros. Com um equipamento maior, poderemos começar a atender o mercado em apenas dois meses e meio”, estima. Segundo ele, a Bioreset é a primeira empresa brasileira a produzir PHA a partir de resíduos em escala comercial.
Futuro e desafios
A opção da startup já conquistou o interesse de grandes empresas, como Ambev e Suzano, que veem no bioplástico uma solução para reduzir seu impacto ambiental. O desafio agora é aumentar a produção para atender à demanda. “Nossos protocolos já estão todos prontos. Agora, precisamos de investimento para aumentar a capacidade produtiva.”
Além dos resíduos de cerveja e óleo de cozinha, a empresa tem protocolos para utilizar outros rejeitos agroindustriais — como as fibras vegetais. Isso vai ampliar as possibilidades de aproveitamento de materiais que seriam descartados. A empresa tem pelo menos cinco protocolos diferentes com resíduos distintos, o que demonstra a versatilidade do processo.
Embora o foco principal do PHA da Bioreset seja sua biodegradabilidade, o material também é reciclável, assim como os plásticos convencionais. “A propriedade mais importante dele é a biodegradabilidade, mas ele também é reciclável. Isso fecha um círculo completo de sustentabilidade”, destaca Sassano.
Com essa tecnologia, a Bioreset espera contribuir significativamente para a redução do impacto ambiental dos plásticos ao oferecer uma alternativa que, como sugere o nome da empresa, permite um “reset” completo do ciclo dos materiais plásticos na natureza — após o uso, o material retorna à natureza sem deixar rastros. “É um produto que representa um avanço importante para a economia circular e a preservação do meio ambiente.”
*Texto originalmente publicado na Agência Fapesp
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 12 – Consumo e produção responsáveis.
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