O Ponto de Cultura Buracão da Arte é um local de resistência da cultura preta e de terreiro, onde a capoeira angola se mantém viva. Na Associação de Capoeira Angola do Estado de Goiás, essa expressão cultural é passada de geração para geração pelo Mestre Vermelho. O estilo diferenciado com movimentos estratégicos e próximos ao chão tem suas raízes fincadas tanto na África quanto no Brasil.
“O carro-chefe aqui do ponto de cultura é a capoeira. Desde a capoeira regional até chegar na capoeira angola. Comigo, esse trabalho já está aqui desde 1986. Eu saí de Goiás, fui para a Bahia para poder conhecer a capoeira angola e trazê-la para Goiás. É a capoeira angola da linhagem de Mestre Pastinha, que só existia em Salvador”, explica Mestre Vermelho.
Assista à reportagem a seguir
“A capoeira angola é dança, é arte, é música e também é arte marcial, mas na hora da dor. Se não precisar, ela se mantém como cultura, como arte e como educação”, aponta o Mestre Vermelho.
Educação que inspirou o Arnaldo Ayó Lira, angoleiro que cresceu no Ponto de Cultura Buracão da Arte. “Nossa linhagem é o gunga. É o berimbau gunga na ponta e o atabaque na outra, porque eles demandam essa energia”, afirma.
Também pertencente à nova geração da capoeira angola em Goiás, o Marcos Pereira Alves conta que há 5 anos recebeu um chamado para ser angoleiro no ponto de cultura. “Tenho muito orgulho de ser angoleiro, porque é um jeito de viver. O angoleiro tem de ter uma postura muito correta, deve ser em prol das minorias, ele acolhe a todos e transforma em um cidadão melhor”, relata.
Diferença marcante da capoeira angola para a capoeira regional é a quantidade de instrumentos. “A capoeira angola tem três berimbaus, ou seja, o gunga, o médio e o viola, dois pandeiros, um agogô, um reco-reco e um atabaque. A gente mantém esse fundamento da capoeira angola”, explica Mestre Vermelho.
Samba chula
Da capoeira angola para outra tradição do ponto de cultura. Aqui, com tocadores de instrumentos e sambadeiras, Mestre Vermelho toca o samba chula, arte que une ancestralidade, música, ritmo e poesia.
“Esse movimento que é o sambachula vem das redondezas de Salvador, da Bahia, o Recôncavo Baiano, de Santo Amaro, e nosso Mestre João do Boi, que não está mais entre a gente, mas deixou esse legado. A gente pesquisou sobre e trouxe para o nosso estado de Goiás”, explica a contramestra Márcia de Souza Pereira.
Origem de todo samba brasileiro, o samba chula tem regras bem definidas. O mestre declama um texto cantado e os tocadores e sambadeiras respondem ao verso. “As sambadeiras correm a roda, é uma tradição que a gente passa também de pai para filho”, afirma Márcia.
Filha do Mestre Vermelho, a Nathália Oliveira segue a tradição do samba de roda trazida pelo pai. “No samba chula a gente se comunica, a gente aprende com um olhar no mestre, na contramestra, com o tocar da viola, com o chamado do pandeiro”, afirma.
“O samba chula tem a viola machete, pode ser tocada com cavaquinho ou violão, e tem um par de conga, quatro pandeiros, um marcador e o rebolo de corte. Essa é a formação dos instrumentos do samba chula”, afirma Mestre Vermelho.
Os instrumentos são produzidos na luthieria do próprio ponto de cultura. “Berimbaus, atabaques, agogô, reco-reco, pandeiro, caxixi, tudo”, explica Gustavo Sant’Anna, luthier e especialista em instrumentos de corda, que explica a diferença entre a viola caipira e a machete, instrumento principal do samba chula.
“A viola caipira tem um corpo maior que o da viola machete. Ambas são violas de dez cordas, mas a viola machete tem diferenças tanto nas afinações quanto no timbre. Por ser menor, a viola machete tem um timbre mais agudo do que a viola caipira”, argumenta o luthier.
Oficinas
Além da fabricação de instrumentos, o Ponto de Cultura Buracão da Arte, localizado no Setor Recanto das Minas Gerais em Goiânia, conta com oficinas de música, além de aulas de capoeira angola e samba chula, para todas as idades.
“Nós fabricamos as nossas próprias violas, fazemos as nossas sambadeiras, nossos sambadores e cantadores de chula. Aos sábados, por exemplo, são mais de 25 pessoas fazendo o samba chula. Canto, dança e toque”, explica Mestre Vermelho.
Com 35 anos de história e de culto aos grandes mestres, o grupo Só Angola se consolida como quilombo de cultura, ancestralidade e resistência.
“Cada vez mais precisamos ser pertencentes à nossa cultura, que é também uma ferramenta de luta contra as violências, contra o racismo, a marginalidade. Eu vejo o samba chula e a capoeira angola como uma ferramenta de emancipação nossa”, conclui Nathália.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU): ODS 10 – Redução das Desigualdades
Leia mais
Orum Aiyê: quilombo cultural em Goiânia transforma vidas por meio do protagonismo preto
Debates Esportivos | Gol de Anjo: projeto leva futebol a crianças e adolescentes
Programa Sentinela vai monitorar violência contra candidaturas LGBT+